Subject: Re: Novos Rumos do "Comunismo" ?! |
Author:
Ângelo Novo
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Date Posted: 17:43:39 12/27/03 Sat
In reply to:
Guilherme Statter
's message, "Novos Rumos do "Comunismo" ?!" on 00:41:58 12/27/03 Sat
>Comenta Guilherme Statter:
(...)
>Ainda também de observar que, de acordo com o discurso
>de Angelo Novo, se fica com a sensação de que a
>“propriedade privada dos ‘principais recursos e
>riquezas sociais’ foi uma malvada invenção de um
>determinado sistema social (leia-se ‘capitalismo’)”.
Não, não.
Há que distinguir aqui apropriação particular de propriedade privada, que é um instituto tipicamente burguês e como tal apenas uma forma historicamente específica de apropriação.
Nós hoje estamos habituados a pensar que essa coisa do que é meu e do que é teu (ou nosso) é uma questão de... propriedade, que é a rainha dos direitos reais. Não concebemos outra coisa.
Na verdade as formas de apropriação particular têm infinitas cambiantes ao longo da história. Para não irmos mais longe, o domínio senhorial era muito distinto da actual propriedade privada. Aliás, mesmo dentro do capitalismo, o instituto jurídico da propriedade sofreu pequenas evoluções.
Não pondo em dúvida os dados da arqueologia pré-histórica que citou eu, por uma questão de arrumação mental em grandes quadros, costumo dizer que a apropriação particular (e com ela as classes sociais e o Estado) datam da revolução neolítica. É a partir daí que eu conto os tais 5% da história humana em que ainda estamos hoje mergulhados.
Mas, enfim, isto é um discurso de leigo.
Comenta Guilherme Statter:
>Pode-se ser “amigo dos pobres” e ser-se,
>coerentemente, anti-comunista.
Sobre isso também estamos perfeitamente de acordo. Eu tinha em vista um tipo muito particular de amigos dos pobres. Aquilo que os ingleses chamam "rabble-rousers", os agitadores da escumalha. Gente que vai ter com os pobres e lhes prega doutrinas subversivas que põe em causa a ordem social estabelecida. Por vezes levavam-nos à revolta, por vezes levavam-nos com eles para formar comunidades separadas onde se praticava a comunhão de bens (com as mais diversas cambiantes que geralmente incuiam uma espécie de estatuto patriarcal separado para o guru). Gente como o profeta Samuel, os recabitas, Zacarias, os carpocratas, Thomas Munzer. Enfim, são legiões e legiões deles ao longo de toda a história de que nos chegou algum registo escrito. Leia-se, por exemplo (ou tão só folheie-se) Gerard Walter, 'As origens do comunismo - judaicas, cristãs, gregas, latinas', Edições 70, 1976, e Norman Cohn, 'Na Senda do Milénio', Presença, 1981.
Todas estas gentes, das mais diversas origens e situadas em contextos históricos muitíssimos diferentes, foram tocadas pela ideia do comunismo.
Ora, eu sou um espírito inquiridor livre, a 100% científico. Não acredito em bruxas nem em metempsicose. Mas isto acontece por alguma razão, não?
>Comenta Guilherme Statter:
>Estará a confusão instalada? Ou será apenas uma
>honesta provocação intelectual para espevitar a
>polémica?...
É mais a segunda hipótese, creia-me.
>Em todo o caso aquilo da “nostalgia de carácter
>para-religioso” sugere uma espécie de subconsciente
>colectivo transmitido por via do código genético (cá
>estamos outra vez com a famigerada questão da genética
>e do lamarckismo...). Não estou a fazer sarcasmo.
>Estudos feitos sobre o comportamento “social” de seres
>biológicos tão díspares como plantas (de géneros
>diferentes em ambiente hostil) ou de mamíferos
>superiores, parecem autorizar a especulação sobre a
>existência de algo como uns “genes da solidariedade”
>no nosso código genético.
Boa hipótese, sem dúvida.
>Angelo Novo terá esquecido uma outra causa (para se
>ser "comunista"): a revolta.
Sim, mas a revolta pode fazer uma pessoa sair à rua e disparar ao acaso sobre a multidão. Como disse o André Breton uma vez (ele depois arrependeu-se), esse é o supremo acto surrealista. Nos EUA está sempre a acontecer. A revolta que conduz ao comunismo é uma revolta dirigida num sentido muito específico por alguma força que eu não consigo identificar mas cuja presença é manifesta.
E essa é a mesma força que explica que, quem mergulhou a fundo na esperança comunista e depois a renega, é depois geralmente consumido por um estranho ressentimento vingativo. Passa a vida toda a ajustar contas atrasadas.
>Comenta Guilherme Statter:
>De assinalar o eventual pessimismo de colocar a
>fasquia da transição em cerca de 1000 anos (dez
>séculos...). Já agora o melhor seria dizer “lá para as
>calendas gregas”.
>Uma maneira interessante de desmobilizar o pessoal...
>;-(
Bom, essa das cinquenta gerações também foi uma "boutade".
Eu aqui estava a lembrar-me de uma notável comunista norte-americana (que agora deve ter para aí 90 anos), a Annette Rubinstein, que dizia qualquer coisa como: não interessa assim tanto aquilo que a gente consegue atingir efectivamente nas nossas vidas mas sim deixar cá como registo algum ponto de referência para as caminhadas do futuro.
A ideia (traduzida em linguagem do "gene egoísta") é a seguinte: eu luto pelos meus filhos (que por acaso nem tenho), mas se aproveitar alguma coisa aos meus tri-tri-tri-tri-netos, encantado da vida. Gracias a la vida como dizia a Violeta Parra. Tiro o chapéu e morro feliz.
>Comenta Guilherme Statter
(...)
>Por outras palavras, pode ser-se ANTI-socialista e,
>coerentemente, defender-se mesmo assim a ideia de uma
>interdependência objectiva entre os seres humanos, “à
>la Spencer”.
Sim? Mas então o que é o socialismo? Se é apropriação comum eu prefiro o conceito de comunismo, que é muito mais denso e tem um peso histórico muito superior. Se é ainda uma sociedade de classes, um capitalismo temperado, não há maneira de dizer onde começa e onde acaba. É um bicho esquisito que nos escorrega dos dedos assim que pegamos nele. A única salvação do conceito de socialismo é definir uma sociedade de transição para o comunismo, mas se o foi ou não só o saberemos... quando lá chegarmos.
>Comenta Guilherme Statter:
>De facto, “cada um usa e arruma os seus conceitos
>conforme consiga com eles ordenar melhor os seus
>próprios pensamentos. Nisso não há nenhuma norma
>padronizada”.
>O problema é que assim estamos naturalmente nos campos
>do esoterismo ou da Poesia. O que não tem mal nenhum.
>Desde que estejamos alertados para isso.
>E na passagem a investigação científica foi à vida...
Bom, eu disse como é que arrumei os meus conceitos neste caso e expliquei porquê. A ciência, neste caso (transformação da sociedade), é o caminho que vamos percorrendo. Se nos entendermos sobre isto, podemos definir desde já a tal norma padronizada, o que eu até acho que era de toda a utilidade. Se não nos entendermos, o problema não é fatal. Temos é que estar sempre a explicar-nos sobre o que é que tu queres dizer com isto e com aquilo e com aquiloutro. Atrasa o trabalho todo.
Um grande abraço para si.
Ângelo Novo
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