Subject: Re: Software na UE: A Caixa de Pandora |
Author:
Luis Blanch
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Date Posted: 11:56:13 06/03/04 Thu
In reply to:
Bruno Dias
's message, "Software na UE: A Caixa de Pandora" on 19:13:51 06/01/04 Tue
>Teóricamente é muito apelativo e simplista o que o Bruno refere.
Mas o problema da "democraticidade" das patentes não se põe de igual maneira para e em todos os ramos do conhecimento.
Se falamos dos avanços patenteados na INdústria Farmaceutica,é uma coisa; Na indústria química e em outras áreas industriais tem que se ser mais flexível.
Ou então deixa mesmo de haver Investigação ,desenvolvimento e Inovação.
Claro que há uma tendência para a monopolização ,vamos contrariar essa suposta vocação...
>Imagine que se dirige a uma papelaria para comprar um
>lápis. E que, como seria de esperar, a sua escolha
>recai sobre aquele que é o lápis mais vendido do
>mundo, que toda a gente usa e que se vê por toda a
>parte.
>
>Chegado a casa ou ao escritório, abre a embalagem do
>lápis e fica a saber que tem de entrar em contacto com
>o fabricante, e fornecer-lhe uns quantos dados
>pessoais - sob pena de o lápis deixar de escrever ao
>fim de poucos dias.
>
>Agora imagine que começa a descobrir que está impedido
>de afiar o lápis, que está impedido de escrever com
>ele num caderno fabricado pela concorrência, ou de
>apagar com borrachas da concorrência; que está
>impedido de o emprestar a quem quer que seja. Não
>querendo acreditar no que está a acontecer, chega à
>conclusão de que afinal não comprou um lápis - o que
>fez foi adquirir o direito de o utilizar, em
>determinadas condições (que evidentemente não
>conhecia).
>
>Tudo isto é demasiado estranho. Mas, só para me fazer
>a vontade, imagine ainda que o fabricante do lápis
>registou a patente e que agora mais ninguém o pode
>produzir, nem sequer utilizar essa tecnologia para
>outros produtos (compassos, por exemplo, ou
>lapiseiras).
>
>E, para o delírio acabar em grande, imagine finalmente
>que, sem que ninguém dê por isso, esse maldito lápis
>ainda se põe a escrever sozinho, a copiar documentos
>seus e a assinar cheques!
>
>
>Parece mentira mas é verdade
>
>
>Então vamos por partes.
>
>Ninguém que tenha o mínimo de bom senso hesitará um
>segundo em achar esta «história» absolutamente
>estranha e inverosímil. Mas se em vez de «lápis»
>dissermos «programa de computador» ou «sistema
>operativo», as coisas começam assustadoramente a bater
>certo.
>
>Claro que esta imagem está consideravelmente longe da
>realidade. Primeiro, porque não é por usarmos «lápis»
>diferentes que deixamos de poder ler o que nos
>escrevem (o que, convenhamos, permite uma outra
>liberdade). Segundo, porque para o utilizador de
>certos programas de computador, as restrições e
>proibições no seu uso são muito (mas muito) mais
>draconianas, complexas e abrangentes do que estas que
>eu «imaginei» com esta história do lápis.
>
>Basta que tenhamos em conta os famosos «acordos de
>licenciamento de utilizador final» de alguns sistemas
>operativos ou aplicações do chamado «'software'
>proprietário» e encontraremos situações em que nos
>perguntamos quem é afinal o proprietário do quê, ou de
>quem.
>
>Depois há o registo de patentes. «Inventos» tão
>prosaicos como
>o-cursor-que-muda-de-cor-quando-passa-por-uma-imagem
>(não tem nada que saber, é só um «programa» com três
>ou quatro linhas de comando) ou as banais
>paletas/menus que podemos sobrepor no ecrã, entre
>tantos, tantos outros, correspondem a patentes
>registadas que em alguns casos envolveram, nas barras
>dos tribunais norte-americanos, processos judiciais de
>milhões de dólares.
>
>Finalmente, quanto ao «lápis que escreve sem darmos
>por isso», parece mentira mas é verdade. Na esmagadora
>maioria dos casos, nenhum de nós pode garantir o que
>está a acontecer no nosso computador enquanto o
>utilizamos para escrever, para pesquisar na «web» ou
>para aceder ao correio electrónico. Porque ninguém
>sabe que operações algorítmicas, funções, sub-rotinas
>e outras que tais são desencadeadas por um «software»
>cujo código é formalmente conhecido apenas pelo
>fabricante, pela Agência Nacional de Segurança dos
>Estados Unidos da América e por mais algumas (poucas)
>entidades autorizadas.
>
>É com estas linhas que se cose a maior parte dos
>utilizadores das tecnologias da informação – linhas
>que o império tece, dominado como é por meia dúzia de
>gigantes monopolistas quase sempre alimentados na base
>de uma estratégia de investimento em publicidade e
>«marketing», muito superior ao do desenvolvimento,
>produção e distribuição juntos.
>
>Muito há para dizer sobre estes grupos económicos, mas
>por agora direi apenas que uma boa parte do seu futuro
>- e principalmente do de nós todos - está a ser
>decidido, discreta e paulatinamente, na União Europeia.
>
>
>«Lá se fazem, cá se pagam»
>
>
>Chama-se «patente comunitária» mas podia perfeitamente
>chamar-se Caixa de Pandora. É matéria que está a ser
>objecto de um processo de co-decisão entre a Comissão
>Europeia, o Conselho e o Parlamento Europeu.
>
>Para o que agora nos interessa, a guerra estalou com a
>proposta de directiva apresentada pela Comissão
>Europeia (e defendida com unhas e dentes pelo
>comissário Bolkestein) no sentido de consagrar a
>possibilidade de registar patentes de «software». Ou
>seja, pondo em causa a consideração, assumida em 1973
>na Convenção de Munique, basicamente no sentido de que
>o «software» não é patenteável.
>
>As alterações entretanto produzidas na proposta de
>directiva permitem clarificar o contributo técnico
>para que os inventos que implicam «software» possam
>ser patenteáveis. Mas esta directiva aprovada em
>primeira leitura admite, por exemplo, a
>patenteabilidade de um algoritmo «na condição de esse
>método ser utilizado para solucionar um problema
>técnico», mantendo a ideia de que o «carácter técnico»
>pode configurar «um invento patenteável» e realçando a
>suposta «importância da protecção por patente». O que
>na prática significa manter a abertura às patentes de
>«software».
>
>Foi esta preocupação que levou os deputados do PCP, a
>par de outros membros do Grupo Confederal da Esquerda
>Unitária Europeia no Parlamento Europeu, a apresentar
>uma moção de rejeição daquela proposta de directiva.
>Porque o caso é demasiado grave para nos contentarmos
>com «males menores»...
>
>Entretanto, e na sequência da votação de 24/9/2003 no
>Parlamento Europeu, o Conselho de Ministros da União
>Europeia mandou elaborar um «livro branco» para que a
>matéria seja reexaminada pelo Parlamento, onde se
>defende designadamente que algoritmos matemáticos e
>métodos de gestão atribuídos pelo Gabinete Europeu de
>Patentes sejam (contra a letra e o espírito da
>legislação em vigor) automaticamente invenções
>patenteáveis; que o uso de protocolos patenteados e de
>formatos de ficheiros para fins de interoperabilidade
>sejam ilegais, assim como a publicação em linguagem
>formal num servidor da Internet da descrição de uma
>ideia patenteada; etc. Propostas que testemunham bem a
>força dos grandes interesses económicos e as grandes
>pressões exercidas sobre os órgãos da União Europeia.
>
>
>Um negócio dentro do negócio
>
>
>A prazo, o perigo real que se coloca é o de as
>patentes sobre «software» se revelarem não um
>incentivo à inovação e ao desenvolvimento mas um
>verdadeiro obstáculo à produção e comercialização de
>programas, para todas as micro, pequenas e médias
>empresas que não têm milhares de patentes registadas -
>o que suscita o problema da submissão da «indústria»
>da produção técnica às lógicas da «indústria» do
>registo e comercialização de patentes.
>
>A título de exemplo, refira-se o caso da empresa líder
>mundial de patentes nesta área - a IBM -, que entre
>1993 e 2002 adquiriu 22 mil patentes, das quais veio a
>extrair cerca de dez mil milhões de dólares em
>receitas de licenciamento (em larga medida, através de
>contencioso judicial).
>
>A própria Comissão Federal do Comércio dos EUA, assim
>como a Academia das Ciências daquele país, já em 2003
>exprimiram fundadas preocupações quanto à exagerada
>proliferação de patentes, registando assumidamente um
>constrangimento ao desenvolvimento de forças
>produtivas daí decorrente - que neste caso ameaça vir
>a instalar-se também na Europa, criando uma situação
>insustentável para a grande maioria das empresas deste
>sector.
>
>No limite, como diz um camarada meu, corremos o risco
>de ver a escrita de programas como a construção de um
>«puzzle», em que cada peça está sujeita a pelo menos
>uma patente registada. E assim chegamos ao ponto em
>que o desenvolvimento e a produção de uma solução ou
>programa informático se torna um simples pormenor de
>todo o processo, quando comparado com a «via-sacra»
>jurídica e administrativa a percorrer até se descobrir
>que o produto desenvolvido não tem «lá no meio»
>nenhuma patente já registada por algum gigante do
>sector...
>
>E o que se coloca às empresas coloca-se ainda com mais
>acuidade ao campo do ensino e da investigação. Pois se
>já hoje os estudantes do ensino superior público pagam
>propinas para que as universidades e politécnicos
>paguem a conta da luz e da água, imagine-se o que
>seria ter estas instituições confrontadas com a
>factura dos pagamentos de patentes!
>
>
>Consenso nacional?!
>
>
>É neste contexto que significativas movimentações se
>desenvolvem, em Portugal, na Europa e no Mundo, dando
>voz comum a um protesto e corpo a um combate contra a
>criação destas patentes. Mais de 300 mil cidadãos já
>assinaram uma petição contra estas intenções da União
>Europeia. Iniciativas simbólicas de protesto foram e
>estão a ser organizadas por cidades de toda a Europa.
>
>Mas, a este propósito, e apesar das vozes que se
>levantam nesse combate, o que verificamos afinal é que
>a falta de seriedade com que o Governo tem conduzido
>os processos de discussão pública sobre esta matéria é
>mais digna do anedotário nacional do que propriamente
>de quaisquer conceitos de participação e democracia.
>
>Chegaram inclusivamente testemunhos segundo os quais o
>Instituto Nacional da Propriedade Industrial terá
>transmitido em sede comunitária um suposto «consenso
>nacional» absolutamente espantoso, a favor das
>patentes de «software» - sendo dado como certo que
>nenhum cidadão português detém nenhuma das cerca de 30
>mil patentes de «software» atribuídas pelo Gabinete
>Europeu de Patentes, pelo menos até ao ano passado!
>
>Ora, esse «consenso» a favor das patentes de
>«software» terá sido alcançado através de uma consulta
>conduzida pelo INPI em 2001 e que consistiu no envio
>de um ofício a 19 directores de empresas, afirmando
>uma posição de defesa das patentes de «software»,
>tendo sido recebidas três respostas - as quais
>manifestavam apoio à posição do instituto!
>
>Se é isto que o Governo considera consenso nacional,
>se é isto que o Governo considera um processo sério de
>discussão pública, estamos esclarecidos. O que nos
>falta saber é se este processo fica mesmo por aqui ou
>se, pelo contrário, o Governo tomou alguma medida para
>que esta discussão seja digna desse nome. Foi nesse
>sentido que o PCP apresentou a semana passada, na
>Assembleia da República, um requerimento ao Governo,
>confrontando-o com esta situação, pedindo-lhe
>explicações e perguntando se já foi - ou vai ser -
>reaberto o processo de consulta pública sobre esta
>matéria.
>
>
>E a seguir registam a patente do alfabeto?
>
>
>Entretanto, apesar de este «episódio» do INPI ser um
>preocupante indicador, a verdade é que subsiste a
>questão de fundo: afinal, que intervenção tem feito o
>Governo em sede de Conselho Europeu? Ninguém sabe!
>
>A população portuguesa, os utilizadores das
>tecnologias (organizados ou não em movimentos), as
>comunidades de investigação e ensino, a própria
>Assembleia da República (!), todo o país está sem
>saber o que tem sido a posição oficial do Estado
>Português nesta matéria - porque o Governo nada diz.
>
>Este assunto é demasiado importante para estar a ser
>decidido desta maneira. Porque está em causa desde
>logo o desenvolvimento científico e as suas dinâmicas.
>Afinal, pela própria importância que as tecnologias
>assumem na economia actual, não é muito difícil
>perceber que o «software», tal como o lápis
>(lembra-se?) não é só uma mercadoria - é cada vez mais
>um instrumento de trabalho. É um meio de produção. E,
>por isso, não pode ficar nas mãos de três ou quatro
>gigantes...
>
>Mas há um outro aspecto central para equacionarmos.
>
>Mesmo por uma questão de princípio - muito mais
>importante do que à primeira vista possa parecer -, a
>verdade é que o conceito de que o conhecimento é um
>bem universal (e como tal deve estar livre para o
>usufruto de toda a humanidade) não é compatível com o
>do registo de patentes sobre áreas do conhecimento.
>Tal como não estamos assim tão longe, nesta lógica
>dominante, de ver resultados da genética passíveis de
>patentes - isto é, da patenteabilidade da própria vida.
>
>A questão central que está em causa neste processo, e
>nesta proposta de directiva, prende-se com a
>consideração - que é urgente recusar - de que o saber
>humano, a descoberta científica, o invento de uma nova
>solução ao nível da programação informática, sejam
>domínios tratados como mercadoria, patenteáveis e
>comercializados numa lógica de mercantilização da vida
>do ser humano.
>
>Por isso, o PCP entregou, também na semana passada,
>novas iniciativas parlamentares na Assembleia da
>República, designadamente propondo a recomendação
>formal ao Governo de que este assuma em sede de
>Conselho Europeu uma posição clara de recusa face à
>perspectiva de consagração das patentes de «software»,
>em defesa do desenvolvimento, rejeitando e combatendo
>a mercantilização do saber.
>
>
>Duas faces da mesma moeda
>
>
>Por outro lado, estas iniciativas do PCP incluem
>propostas concretas para o desenvolvimento do
>«software» livre em Portugal. Porque falta tomar
>medidas em relação ao que já hoje está disponível e
>vai sendo desenvolvido em matéria de «software» livre
>- o tal que na prática contraria em absoluto esta
>lógica imperialista dominante.
>
>Para nós, está em causa nesta discussão o problema da
>liberdade de escolha - uma liberdade que é afirmada na
>legislação que existe, mas que não é exercida. Não
>pretendemos impor soluções, quaisquer que sejam, mas é
>preciso impedir a sistematização das más soluções, que
>é o que tem acontecido até hoje.
>
>Não vale a pena (aliás, será contraproducente) avançar
>por decreto para sistemas indiscriminados que careçam
>de sustentação. Mas é indispensável que se avance em
>projectos concretos e que se crie as condições
>técnicas para que, nos planos educativo, científico,
>cultural, económico, se abra caminho à introdução
>desta alternativa.
>
>Cada vez se vai tornando mais evidente que, desde que
>em igualdade de circunstâncias, desde que sem
>discriminações, o «software» livre tem demonstrado
>melhores respostas do que muitos exemplos do
>«software» proprietário.
>
>O que é preciso é tomar medidas para que o país exerça
>e cultive essa liberdade, essa exigência, esse rigor
>na escolha de soluções no caminho de um
>desenvolvimento integrado e sustentável.
>
>No fundo, trata-se de duas faces da mesma moeda. As
>discussões que hoje vão fervilhando sobre o «software»
>livre e sobre as patentes de «software» apontam afinal
>para uma mesma constatação: a de que esta lógica
>dominante do máximo lucro e dos interesses económicos
>acaba, ela própria, por constituir um obstáculo (eu
>diria, «o» obstáculo) ao verdadeiro desenvolvimento
>humano. A história, que é feita destas contradições e
>antagonismos, vai prosseguindo. E a luta continua. Aí
>é que não há volta a dar...
>
>Bruno Dias
>Deputado do PCP eleito por Setúbal
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