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Subject: A Doença Americana


Author:
MIGUEL SOUSA TAVARES
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Date Posted: 19:47:39 05/14/04 Fri

"Mais de 3000 suspeitos de terrorismo foram já presos em muitos países e muitos outros tiveram um destino diferente. Digamos assim: deixaram de constituir um problema para os Estados Unidos." George W. Bush, discurso do Estado da União, 2003

De cada vez que George Bush atravessa um momento particularmente difícil, em que navega à vista sem objectivos políticos claros, a Al-Qaeda parece prestar-se a vir em seu socorro. Foi assim com o 11 de Setembro, que escancarou a porta a toda a espécie de legislação e comportamentos de excepção, abrindo profundas fendas num património acumulado em 228 anos de Estado de direito, mas justificadas e consentidas em silêncio pela necessidade de combater eficazmente o terrorismo. E foi assim agora novamente, com a divulgação das imagens aterradoras da decapitação do cidadão americano Nicholas Berg, na altura em que Bush e a sua Administração enfrentavam o escândalo dos abusos cometidos sobre presos iraquianos.

Mas não confundamos as coisas, conforme muitos se apressaram rapidamente a fazer: a Al-Qaeda não existia no Iraque, até os Estados Unidos o terem invadido. Foi a invasão e ocupação do Iraque que deram a Bin Laden e seus seguidores a oportunidade operacional, política e popular de se instalarem também eles no "bazar" iraquiano. E, como já toda a gente de boa-fé percebeu, longe de ajudar o combate ao terrorismo, a aventura iraquiana veio potenciar o terrorismo, desviando as atenções e os esforços do combate à Al-Qaeda, dando carta branca a Israel para sabotar definitivamente todas as veleidades de uma paz definitiva na Palestina e espalhando o ódio à América e ao Ocidente em todo o mundo árabe e muçulmano, onde o terrorismo organizado encontra agora um terreno cada vez mais propício ao recrutamento de voluntários.

Não impede que as imagens do bárbaro assassínio de Nicholas Berg tenham vindo no momento decisivo para contrabalançar as outras imagens da prisão de Abu Ghraib. Porque não adianta ter ilusões: a maioria da população americana, como o demonstram as sondagens, não ficou particularmente chocada com as imagens dos abusos, humilhações, torturas e sevícias sexuais cometidos pelo Exército americano no Iraque. O que os chocou foi a divulgação pública dessas imagens e por isso agora discute-se abertamente se mais e piores imagens existentes e conhecidas de alguns devem ou não ser divulgadas. Mesmo antes do "site" da Al-Qaeda ter divulgado o vídeo da execução de Berg, já havia senadores republicanos a dizer que bastava de autoflagelação e antipatriotismo, porque não há guerras "limpas", em especial contra o "terrorismo". E, no momento em que o "Washington Post", o "New York Times" e o "L.A.Times" exigiam a demissão de Rumsfeldt e o "Herald Tribune" escrevia que "o mundo espera por um sinal de que o Presidente Bush entendeu a gravidade daquilo que aconteceu... começando por exigir a demissão do secretário da Defesa", o que Bush fez foi deslocar-se propositadamente ao Pentágono para fazer o elogio público do sinistro Rumsfeldt e agradecer-lhe o seu "excelente trabalho" no Iraque.

Não há ingenuidade alguma naqueles que se esforçam em ver nos retratos da prisão de Abu Ghraib apenas um episódio isolado. Primeiro que tudo, as próprias imagens em si são perturbantes pelo que implicam para além dos factos retratados: os prisioneiros nus, o sadismo e exibicionismo sexual, os cães, a mulher-soldado que puxa um preso por uma coleira, tudo aquilo é desagradavelmente familiar - lembra os campos de presos geridos pela Gestapo. Em nenhum exército do mundo os soldados se comportam assim e ainda se fazem fotografar (são centenas de fotografias, não umas dúzias!), sem que haja uma cadeia de comando que incentiva, consente ou encobre deliberadamente tais actos. Por isso mesmo é que, entre aqueles que se indignaram com estas imagens nos Estados Unidos, estão não apenas democratas, imprensa e organizações cívicas, mas também círculos militares que não se conformam com a imagem degradante que as fotografias fornecem sobre o Exército americano.

Em segundo lugar, aquelas fotografias não revelam apenas factos isolados, mas são sim a documentação que faltava para demonstrar o ponto a que pode chegar um país que progressivamente se vai colocando à margem da lei. É má-fé, e não ingenuidade, pretender que as coisas acontecem por acaso ou por ocasionais e "condenáveis desvios" . Quando George W. Bush se recusou a submeter os soldados americanos à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, não ratificando o tratado assinado pelo seu antecessor, quando fez tábua rasa da 3ª Convenção de Genebra, assinada pelos Estados Unidos em 1949, fazendo de Guantánamo uma zona de não direito, onde os presos não têm estatuto civil, nem político nem militar, e onde o Exército americano, como sucedia na Argentina dos generais, nem sequer identifica quem está preso, é evidente que a mensagem transmitida de cima para baixo, do Presidente ao mais simples soldado, é clara: vale tudo, tudo é permitido porque a nossa impunidade é total.

O que está a acontecer com o clima moral dos Estados Unidos vai muito para além de Abu Ghraib ou Guantánamo. Aqui está uma nação que humilhou publicamente Bill Clinton - o Presidente que lhe assegurou a maior prosperidade económica das últimas décadas - porque ele manteve relações íntimas com uma secretária na Casa Branca. Acusado do grave crime político de ter mentido, por se ter recusado a incriminar-se a si próprio, foi devassado e enxovalhado na sua vida privada à vista do mundo inteiro e por iniciativa da maioria republicana do Congresso.

E aqui está uma nação que, a seguir, aceitou sem pestanejar um Presidente que se fez eleger com batota na contagem dos votos, que transformou o excedente orçamental herdado de Clinton num astronómico défice, que falsificou os relatórios sobre a situação ambiental nos Estados Unidos e no mundo para dar carta branca a indústrias altamente poluidoras de amigos e aliados políticos, que ignorou negligentemente os avisos sobre a iminência de um ataque terrorista em território americano, que começou a congeminar a invasão do Iraque assim que tomou posse, para depois se exibir como "Presidente de guerra", que fabricou provas e mentiu deliberadamente aos americanos e aos aliados da América sobre os fundamentos para a guerra, que fez tábua rasa da carta da ONU, dos tratados e convenções internacionais de que os Estados Unidos são parte, que já sacrificou perto de mil vidas de soldados americanos e uns milhares de milhões de dólares numa ocupação militar sem solução à vista e onde os únicos que até agora ganharam são os seus amigos do governo ou próximo dele ligados à indústria de armamento e de petróleo, e cujo Exército, finalmente, se dedica a seviciar os presos confiados à sua guarda. E que se prepara para ser reeleito, numa espécie de redenção póstuma ao general Custer, derrotado no século passado por esses outros "selvagens" que eram os índios do Faroeste.

Este homem, este Presidente americano, é perigoso. O seu governo é perigoso. Esta América é perigosa. Deles se pode dizer o mesmo que o "Herald Tribune" disse de Rumsfeldt: "A sua crescente soberba e arrogância transformou-se numa deliberada cegueira." Quem viver verá.

PS: E agora, que o nosso Governo de direita se prepara para privatizar mais uma empresa estratégica - a Galp - e que, a fazer fé no que consta, o Carlyle Group se apresenta como potencial vencedor do concurso, talvez fosse interessante aprendermos mais sobre esta empresa americana, que dá trabalho a Carlucci e a Bush-pai e que entre nós aparece associada ao ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Martins da Cruz (não há uma lei de incompatibilidades para situações destas?). Se quiser saber mais sobre a Carlyle - que, nos últimos anos tem surgido ligada a negócios estratégicos nas áreas do petróleo, armas e "combate ao terrorismo"- aconselho ao ministro Carlos Tavares a leitura do livro de Dan Briody ("The Iron Triangle - Inside the Secret World of the Carlyle Group"). Para depois não se vir refugiar na decisão de uma "comissão de sábios independente".

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