VoyForums
[ Show ]
Support VoyForums
[ Shrink ]
VoyForums Announcement: Programming and providing support for this service has been a labor of love since 1997. We are one of the few services online who values our users' privacy, and have never sold your information. We have even fought hard to defend your privacy in legal cases; however, we've done it with almost no financial support -- paying out of pocket to continue providing the service. Due to the issues imposed on us by advertisers, we also stopped hosting most ads on the forums many years ago. We hope you appreciate our efforts.

Show your support by donating any amount. (Note: We are still technically a for-profit company, so your contribution is not tax-deductible.) PayPal Acct: Feedback:

Donate to VoyForums (PayPal):

Login ] [ Contact Forum Admin ] [ Main index ] [ Post a new message ] [ Search | Check update time | Archives: 1234[5]6789 ]
Subject: Re: Os segredos da «sociedade da informação»


Author:
Luis Blanch
[ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ]
Date Posted: 15:53:40 05/19/04 Wed
In reply to: Ângelo Novo 's message, "Os segredos da «sociedade da informação»" on 10:20:15 05/19/04 Wed

É um artigo de fôlego,Ângelo Novo ; como é salientado estamos ,ou está a sociedade actual, no dealbar de uma latente conflitualidade que poderá desembucar no surgimento de condições objectivas que , como definiste ,brotam da própria dinâmica do capitalismo nesta sua fase de revolucionamento da sua base material ,ao mesmo tempo que vai ,pelas suas contradições intrínsecas, gerar um "novo" exército industrial de reserva ,qual detonador que irá minar as bases do sistema.





>O velho Aristóteles era sobre isso absolutamente
>terminante: “o homem não deve trabalhar
>simultaneamente com a sua mente e com o seu corpo,
>pois que os dois tipos de trabalho são opostos; o
>trabalho do corpo impede o da mente, e o trabalho da
>mente impede o do corpo” (‘Política’, Livro VIII,
>Parte IV). Durante milénios, atravessando vários modos
>de produção e distintas sociedades de classes, foi
>este o senso comum indiscutível. Uns fazem, outros
>concebem e dirigem. Correspondia fielmente à divisão
>social do trabalho e à apropriação privada dos meios
>de produção. A alma é elevação e refinamento, o corpo
>bestialidade e degradação. Toda a riqueza social é
>criada pelo espírito, reflexo do sopro divino. O labor
>físico é apenas uma maldição sem sentido, imposta por
>nossos pecados e insuficiências humanas. Assim rezava
>em uníssono, com variantes menores, a doutrina dos
>padres da Igreja e a dos próceres da filosofia
>idealista.
>
>Poder-se-ia julgar que tudo isso são velharias
>perimidas. Dois séculos de propaganda democrática
>provocaram apesar de tudo algum desgaste na rigidez do
>sistema ocidental de castas, bem como na superstição
>ideológica por ele segregada como argamassa
>legitimadora. Hoje as classes sociais justificam-se
>por uma suposta meritocracia de base individual, que
>não se cansa aliás de lisonjear os que “vieram de
>baixo”. A ciência ensina-nos que o complexo organismo
>humano é um sistema integrado. A consciência e o
>pensamento são fenómenos com uma base material
>(bio-química) já abundantemente estudada na neurologia
>e nas ciências do cérebro. Não há qualquer actividade
>humana física sem uma decisão e planificação ao nível
>do neo-cortex, assim como toda a actividade cerebral
>de relevo tem reflexos ao nível do sistema muscular.
>Não existe trabalho puramente “manual”, como o não há
>puramente “mental”. Poder-se-ia pensar que era altura
>de dar descanso a esta clássica dicotomia, tributária
>dos sistemas filosóficos dualistas de outras eras.
>
>Mas isso seria subestimar a tenacidade e pertinácia
>dos instintos de classe da burguesia. E é assim que
>chegamos à nova coqueluche do pensamento económico e
>mundano nesta viragem de milénio: o advento da era da
>“informação”, proclamado pelos arautos da sociedade
>pós-industrial Daniel Bell, Alvin Toffler, Jeremy
>Rifkin ou o guru da gestão Peter Drucker, perante o
>aplauso generalizado da imprensa e das academias. O
>trabalho físico de transformação material de
>matérias-primas em produtos com utilidades novas é
>agora considerado uma coisa do passado. Subsiste
>ainda, sem dúvida, e é até uma actividade estimável a
>todos os títulos. Mas a riqueza social verdadeiramente
>decisiva seria agora uma coisa puramente imaterial:
>ideações, signos, arrazoados e conceitos geralmente
>armazenados em suporte digital e movimentados nas
>“auto-estradas” da informação. Chegamos enfim à era da
>produção imponderável. Para o teórico da “sociedade em
>rede” Manuel Castells, lugares e objectos físicos
>deixaram de ter significado económico, substituídos
>pelo conceito de “fluxos”.
>
>Podem ser ordens de compra de acções e títulos de
>bolsa, ideias geniais para uma campanha publicitária
>de choque, um novo conceito de marketing
>revolucionário, um novo plano de reestruturação da
>empresa com despedimentos em massa e, é claro, máxima
>contenção salarial. Tudo isto será naturalmente
>criação de “riqueza” e “alto valor acrescentado”,
>porque é “informação”. Já o trabalho físico de fabrico
>dos produtos, isso será apenas um mero epifenómeno
>localizado, sem relevo de maior. Em Silicon Valley,
>Meca californiana da “nova economia”, uma mão-de-obra
>maioritariamente feminina, não sindicalizada, muita
>dela imigrante ilegal, reúne componentes electrónicos
>tendo para isso de manusear materiais altamente
>tóxicos como o cádmio, o chumbo e o mercúrio. Como
>desde há milénios, por cada membro da classe dominante
>a quem é permitido perorar ociosamente sobre a
>elevação fundamental da vida criadora do espírito, há
>sempre uma legião a quem as circunstâncias da vida
>obrigam a conhecer de perto a materialidade bruta e
>obstinada em que se alicerça a existência social. Mas
>o discurso dominante continua ainda a ser o do
>primeiro. Sobre isso nada há de novo realmente, a não
>ser porventura o facto de estarmos a viver numa era de
>reacção, ocasião em que aquele discurso ganha sempre
>uma nova estridência, mas raramente uma nova
>profundidade. Por alguma razão desde há quase duzentos
>anos que a burguesia não quer que se investigue
>teoricamente o valor. Acha isso sempre uma questão
>“não científica”. Mas nem por isso deixou de se louvar
>continuamente a si própria e ao seu papel social,
>mesmo que para tal tenha de virar o mundo
>completamente do avesso num baile demencial de
>espectros e fetiches.
>
>O conhecimento como factor produtivo
>
>Mas a “sociedade da informação” não é apenas um
>embuste ideológico, nem o poderia ser aliás de forma
>tão eficaz se não tivesse algum suporte material
>efectivo em que se basear. Como Marx há muito tempo
>previu, a produção capitalista tem evoluído no sentido
>de se tornar um processo de trabalho cada vez mais
>socializado, onde o factor conhecimento se torna cada
>vez mais preponderante. Aqui, como ao longo deste
>artigo, considerarei “conhecimento” apenas a
>actividade intelectual que contribui para a acumulação
>do património científico e técnico da humanidade, para
>o enriquecimento do nosso “intelecto colectivo”. Deixo
>pois de fora actividades intelectuais (articulação de
>“signos”) puramente instrumentais, rotineiras e
>efémeras como contabilidade, gestão, secretaria,
>marketing, etc. Só o primeiro aliás será trabalho
>produtivo em sentido marxista.
>
>Por outro lado, nunca é demais lembrar que todas estas
>novidades na paisagem industrial se verificam apenas
>nos países capitalistas mais avançados. Nos países
>periféricos, alguma industrialização que se verifique
>hoje é seguramente ainda de “vagas” anteriores, em
>cadeia de montagem ou mesmo em despóticas oficinas
>manufactureiras (“sweatshops”). A economia mundial é
>assim todo este sistema articulado de desenvolvimento
>desigual e combinado, por cujas artérias é
>continuamente bombeada mais-valia em direcção aos
>centros imperialistas. (É aliás nesse mesmo sentido
>que são sugados em cada vez maior número os
>trabalhadores do conhecimento qualificados naturais
>dos países pobres.) Ora, é sempre considerando o
>sistema mundial no seu todo – e não uma sua parcela
>artificiosamente isolada - que temos de avaliar hoje
>da maturidade histórica do modo de produção
>capitalista e identificar os agentes portadores do
>projecto da sua superação revolucionária.
>
>Feitos estes esclarecimentos e ressalvas, não deixa de
>ser impressionante relembrar aqui algumas passagens
>premonitórias de Marx, escritas no distante ano de
>1858:
>
> “Na medida em que a grande indústria se desenvolve, a
>criação efectiva de valor passa a depender menos do
>tempo ou montante de trabalho empregue e mais do poder
>dos agentes postos em acção durante o tempo de
>trabalho, agentes esses cuja ‘poderosa efectividade’ é
>por sua vez fora de qualquer proporção com o trabalho
>directo gasto na sua produção, dependendo antes do
>estado geral das ciências e do progresso da
>tecnologia, ou seja da aplicação da ciência à
>produção. (...)”
>“O trabalho parece agora não ser incluído no seio do
>processo de produção; antes o ser humano relaciona-se
>com ele como vigilante e regulador do próprio processo
>de produção. (...)
>“Ele coloca-se ao lado do processo de produção em
>lugar de ser o seu actor principal. Nesta
>transformação, não é nem o trabalho directo humano que
>ele desempenha, nem o tempo durante o qual ele
>trabalha, mas antes a incorporação do seu próprio
>poder produtivo geral, da sua compreensão da natureza
>e domínio sobre ela por virtude da sua presença como
>corpo social -. é, numa palavra, o desenvolvimento do
>indivíduo social que aparece como a grande pedra
>fundacional da produção e da riqueza. O roubo de tempo
>de trabalho alheio, em que se esteia a presente
>riqueza, parece uma base bem miserável em comparação
>com esta nova, criada pela indústria em larga escala.
>Assim que o trabalho na forma directa deixou de ser a
>grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho deixou e
>tem de deixar de ser a sua medida, e assim o valor de
>troca tem de deixar de ser a medida do valor de uso. O
>trabalho excedente da massa deixou de ser a condição
>para o desenvolvimento da riqueza geral, assim como o
>não-trabalho de alguns deixou de ser condição para o
>desenvolvimento dos poderes gerais do intelecto
>humano. Com isto, a produção baseada no valor de troca
>entra em colapso, e o processo de produção directo e
>material é liberto da sua forma de penúria e
>antagonismo. (...)”
>“O desenvolvimento do capital fixo indica até que
>ponto o conhecimento geral social se tornou uma força
>de produção directa, e até que ponto,
>consequentemente, as condições do próprio processo de
>vida social passaram para o controlo do intelecto
>geral e se transformaram de acordo com este. Até que
>ponto os poderes da produção social foram produzidos,
>não apenas na forma de conhecimento, mas também como
>órgãos imediatos da prática social, do processo real
>de vida.” (1)
>
>A automação e a elevação da composição orgânica do
>capital põem-nos assim a questão dos limites da
>reprodução do sistema de extracção de mais-valia e da
>acumulação privada, pois que este se encontra
>dependente da constante incorporação de novo trabalho
>vivo (2). Lá chegaremos, seguramente, se nenhuma
>catástrofe regressiva se interpuser entretanto. Será
>então a altura em que, para franquear efectivamente
>tais limites, se tornará indispensável a tomada
>revolucionária do poder pela vanguarda organizada do
>projecto comunista. Antes disso, porém, na fase
>embrionária em que nos encontramos presentemente
>coloca-se-nos antes o problema de uma transformação
>profunda na composição da classe trabalhadora e uma
>certa deslocação do cerne da actividade produtiva da
>fabricação de bens materiais para a produção de ideias
>e informação sob a forma mercantil.
>
>Em primeiro lugar, porque a introdução na produção de
>equipamento controlado por computador (robots,
>ferramentas digitais, etc.) faz com que a sua força de
>trabalho humana se concentre cada vez mais nas áreas
>de planeamento, pesquisa, investigação e design. Vemos
>assim “fábricas” que se parecem cada vez mais com
>laboratórios. O trabalho físico “duro” é quase todo
>feito por máquinas, as quais é apenas necessário
>vigiar, controlar e reprogramar. As máquinas, porém,
>não criam valor mas, como capital constante que são,
>apenas o transmitem inalterado ao produto, à medida da
>sua depreciação. Temos assim que uma parte crescente
>do valor dos produtos nestas indústrias de ponta – e
>sobretudo uma parte crescente da mais-valia aí criada
>– é fruto de um trabalho predominantemente mental. Em
>segundo lugar, há um crescente número de empresas que
>se especializaram na produção e venda de produtos
>intelectuais – investigação científica, projectos,
>invenções, design, software, bases de dados, etc. –
>com o fim de serem incorporados por outras empresas
>nos seus próprios processos produtivos. Por fim, há
>uma enorme expansão na produção e venda ao consumidor
>final de produtos intelectuais em suporte facilmente
>reprodutível, tais como livros, periódicos, programas
>de televisão, audio-visuais, música, programas e jogos
>de computador, etc. (3) (4)
>
>Ora, a produção mercantilizada de bens ideais e de
>conhecimento implica uma série de problemas de difícil
>acomodamento para o sistema capitalista:
>
>- O conhecimento, uma vez produzido, pode ser copiado
>e transmitido a muito baixos custos;
>- O conhecimento nunca é consumido e, podendo embora
>incorrer em obsolescência e variações de significado,
>o seu período de vida potencial é o mesmo da espécie
>humana;
>- devido a estes factores, o conhecimento apenas pode
>ter um preço se for protegido por alguma forma de
>monopólio, o qual terá de ser imposto coercivamente
>pelo aparato estatal;
>- o preço do conhecimento é de difícil estabelecimento
>porque a informação é indivisível e, por definição, os
>adquirentes não poderão compreender o conteúdo da
>mercadoria antes de... a terem adquirido;
>- a natureza do conhecimento é tal que é extremamente
>difícil, senão impossível, manter indefinidamente
>monopólios sobre ele, havendo uma tendência permanente
>para que a informação detida privativamente “flua” de
>novo para o domínio público (3).
>
>Novas vedações
>
>As criações ideais e o conhecimento, em essência,
>querem ser livres. Vão assim resistir com extremo
>denodo e obstinação a todas as tentativas para os
>enclausurar e submeter ao processo de valorização e
>apropriação privada. Em particular, a produção de
>conhecimentos novos tende com toda a naturalidade a
>integrar-se no fundo comum que Marx designava por
>“intelecto geral”, considerando que a sua crescente
>ascendência sobre o processo produtivo provocaria o
>colapso da forma valor de troca. Para a burguesia,
>porém, isto é em absoluto anátema e, literalmente, uma
>questão de vida ou de morte. É assim que ela vai
>tentar impor ao conhecimento novas “vedações”
>(enclosures), à semelhança das que retalharam os
>campos baldios (commons) de Inglaterra quando eles
>foram violentamente apropriados pelos poderosos
>terratenentes com o apoio da autoridade do Estado, num
>movimento que teve início no século XV (5). Para isso
>dispõe de vários instrumentos jurídicos no campo da
>chamada propriedade intelectual, com destaque para as
>patentes, as marcas comerciais e o direito patrimonial
>de autor (copyright).
>
>A expansão recente dos direitos de propriedade
>intelectual tem sido impressionante. Tem-se assistido
>não só a um alargamento do campo das ideias
>patenteáveis, mas também a um reforço dos poderes
>permitidos aos proprietários e a um alargamento dos
>limites temporais de vigência desses mesmos direitos
>exclusivos. Se até aqui se entendia que só invenções
>ou expressões originais podiam ser patenteáveis, isso
>agora é disputado. Por exemplo, a Directiva Europeia
>sobre Bases de Dados cria direitos de propriedade
>sobre meras compilações de factos sem qualquer
>originalidade. São agora ocorrência vulgar a concessão
>de patentes sobre formas biológicas: sequências
>genéticas ou células estaminais humanas, organismos
>simples, espécies vegetais e animais modificadas,
>proteínas, genes, etc.. Numa decisão seminal
>impressionante, o Supremo Tribunal da Califórnia
>decretou que o Sr. Moore não tinha quaisquer direitos
>sobre as células do seu baço, concedendo uma patente
>aos médicos que com base em algumas delas criaram uma
>linha celular no valor comercial de um bilião de
>dólares. Na área das ciências dos materiais há também
>um grande movimento de privatização de novos
>conhecimentos.
>
>Até aqui, a norma geral era a de que as ideias e
>descobertas científicas pertenciam por regra ao
>domínio público, sendo a concessão de qualquer
>direitos particulares sobre elas sempre uma excepção
>que tinha de ser justificada por razões de utilidade
>pública. Normalmente, isso era feito recorrendo ao
>mito do homo economicus: só concedendo direitos de uso
>exclusivo a certos inventores e a certos investidores
>é que a sociedade poderia beneficiar plenamente da
>criatividade e iniciativa dos seus membros mais
>engenhosos, a qual seria despertada apenas pela
>perspectiva de benefícios materiais egoístas.
>Entretanto, com a radicalização desta mesma ideologia
>na ofensiva neo-liberal contemporânea, vai ganhando
>terreno a ideia de que o domínio público é por
>definição ineficiente e retardatário. A excepção passa
>a regra, devendo a propriedade particular expandir-se
>em todas as direcções e o domínio público tornar-se
>residual.
>
>Para quem tem a paixão do conhecimento das fundações
>de uma sociedade de classes é sempre fascinante viver
>numa dessas épocas em que aquelas são expandidas e
>revigoradas por uma nova vaga de pilhagem e assalto
>desbragado. É em momentos assim que fica patente como
>tinha razão o jovem Proudhon ao afirmar
>epigramaticamente que a propriedade é o roubo (6).
>Passado o festim, é claro, a extorsão continua mas já
>normalizada e envolta numa sóbria capa institucional.
>Naqueles momentos é que vale tudo. O camponês vê-se
>expropriado de culturas praticadas pelos seus
>antepassados desde tempos imemoriais; os
>universitários vêm vedado o acesso ao ensino de certos
>conhecimentos científicos; o cidadão incauto acorda um
>dia dando-se conta da expoliação de uma parte do seu
>baço. O esbulho é aqui tanto mais flagrante quanto é
>certo que o conhecimento foi sempre, historicamente,
>um processo eminentemente social. Nenhuma criação ou
>descoberta importante é possível que não seja
>alicerçada no imenso património comum do conhecimento
>acumulado da humanidade. Do mesmo modo, é óbvio para
>todos (excepto porventura os ideólogos burgueses mais
>fanatizados) que, se partes desse património passarem
>a ser subtraídas ao uso e disponibilidade comuns,
>outros tantos caminhos de progresso encontrar-se-ão
>desse modo bloqueados para a humanidade.
>
>Vagas sucessivas na luta de classes
>
>A burguesia afadiga-se de uma forma insana a lotear e
>adjudicar novos talhões do conhecimento mas o seu
>esforço é inglório. Na verdade, está apenas a bombear
>água de um navio que se afunda inexoravelmente, a um
>ritmo muito superior ao que ela pode sequer tentar
>contrariar. A informação quer ser livre e, em última
>instância, nada lhe poderá barrar esse caminho, por
>muito que a queiram circunscrever com “arame farpado
>electrónico”. Isso acontece porque, por um lado, no
>seu suporte digital, a informação é muito facilmente
>armazenada, sendo o custo da sua reprodução e
>transmissão praticamente zero. Por outro lado, a
>chegada das comunicações em rede veio libertar uma
>energia social de dádiva e cooperação espontânea que
>espanta e desgosta naturalmente todos os ideólogos
>que, como o inefável João César das Neves, insistem
>que na vida “não há almoços grátis”.
>
>Uma primeira manifestação deste fenómeno foi a própria
>Internet, criada com base em programas e protocolos
>não comerciais e cuja imensa maioria de conteúdos é
>também disponibilizada livremente. Com grande impacto
>público, houve o desenvolvimento de toda uma série de
>fenómenos de partilha espontânea e anónima que fazem
>tremer, nomeadamente, a indústria discográfica.
>
>O caso mais interessante é porém o movimento de
>software livre. O princípio geral deste movimento é de
>que os programas informáticos devem ser livremente
>usados, partilhados, examinados no seu código
>originário, modificados e redistribuídos (com ou sem
>alterações), tudo sem quaisquer restrições decorrentes
>de “propriedade intelectual”. Criadores e
>distribuidores de software livre podem oferecê-lo
>gratuitamente ou vendê-lo. O que não podem é colocar
>restrições à sua livre circulação e desenvolvimento
>posteriores. Para esse efeito, a licença pública do
>software livre contém provisões (o chamado “copyleft”)
>para garantir que quaisquer novos desenvolvimentos no
>programa se mantenham também sempre de uso e acesso
>livres. Deste modo, a criatividade distribuída de
>todos os interessados vai-se acumulando, mantendo-se o
>produto aberto e de acesso garantido para todos que o
>desejem utilizar, estudar e aperfeiçoar. O mais
>conhecido produto de um esforço cooperativo
>desenvolvido nesta base é o sistema operativo
>GNU/Linux.
>
>A ortodoxia ideológica burguesa logo nos diria que um
>tal sistema de produção não pode funcionar, por falta
>de “incentivos” (7) e direcção. E no entanto, os
>obstinados factos contam-nos uma história
>completamente diversa. O software livre rivaliza ou
>supera mesmo os seus concorrentes “proprietários”,
>sendo uma fonte contínua e extremamente alargada de
>inovação da mais alta qualidade. E o que é mais
>espantoso é que, não só os diversos campos de trabalho
>especializado mas também a própria direcção geral
>estratégica do desenvolvimento do produto parece poder
>ser recolhida sem problemas pelo mesmo método da
>criatividade distribuída, espontânea e voluntária que
>flui de todo o lado.
>
>É claro que novas possibilidades técnicas, por si só,
>não nos trazem novos princípios ideológicos se não
>houver actores sociais capazes de os encarnarem e
>fazerem seus. Ora, sob esse ponto de vista, o
>comunismo digital é produto e estandarte de uma
>fracção extremamente minoritária e relativamente
>privilegiada da classe trabalhadora, mesmo que tomemos
>em conta apenas as sociedades capitalistas mais
>desenvolvidas. Trata-se do pequeno segmento dos
>trabalhadores especializados de forte componente
>técnica, um de entre os vários que resultaram da
>pulverização da classe operária tradicional como
>resultado da automatização e da desregulação
>neo-liberal. Ao todo serão apenas umas escassas
>dezenas de milhões em todo o mundo. No entanto, são
>hoje um dos mais destacados actores no grande teatro
>da luta de classes a nível planetário, guarnecendo uma
>das frentes fundamentais da gesta de libertação da
>humanidade do pesadelo capitalista. São eles que
>resistem em primeira linha às tentativas de esbulho do
>património cultural adquirido da espécie humana,
>defendendo a sua preservação e enriquecimento dentro
>do domínio público universal.
>
>Uma segunda frente de lutas é constituída em torno das
>relações industriais clássicas, que são aquelas sobre
>as quais se edificou toda a tradição do movimento
>socialista desde o segundo quartel do século XIX.
>Aqui, o núcleo axial do confronto situa-se em torno da
>posse dos meios físicos de produção, a partir da qual
>decorre a exploração da força de trabalho (extracção
>da mais-valia) dos despossuídos. Esta frente de luta
>continua naturalmente a ser fundamental, mas nota-se
>agora que ela operou uma certa deslocação para a
>semi-periferia do sistema imperialista mundial. Os
>grandes exércitos operários não desapareceram, mas
>onde eles agora se encontram é sobretudo no Sudeste
>asiático e em alguns países da cintura islâmica ou da
>América Latina. Em bastantes destes países, a classe
>operária está ainda em formação ou é extremamente
>jovem. Noutros dispõe já de alguma experiência de
>organização. Em todos os casos, porém, verifica-se
>alguma dificuldade na sua evolução até uma
>radicalidade madura e independente. Essa dificuldade
>tem a ver com o facto de as relações industriais
>imediatas nestes países estarem integradas em relações
>mais amplas de domínio imperialista. Não há assim uma
>saída socialista possível para o conflito local sem a
>resolução prévia dessa dominação do capital externo. É
>por isso que a classe operária, em geral, participa aí
>no bloco nacional-democrático (tantas vezes
>clandestino) onde aliás nem sempre consegue arranjar
>espaço para preservar suficientemente a sua identidade
>própria.
>
>A terceira frente de luta – e o verdadeiro êmbolo que
>porá em marcha todas as outras – é constituída pela
>imensa massa dos camponeses desenraizados e sem terra,
>dos pobres urbanizados de todo o mundo, dos
>desempregados, semi-empregados, empregados ocasionais,
>desqualificados, precários, informais e clandestinos
>que procuram em vão, a Norte como a Sul, uma vida e um
>sentido neste mundo em putrefacção do capital (9).
>Poderemos considerar toda esta imensa mole humana como
>um novo proletariado, dando a esta palavra o seu
>sentido etimológico original (10). O proletariado
>romano era uma classe economicamente improdutiva que
>havia sido expulsa dos seus ofícios pela mão-de-obra
>escrava trazida das conquistas. O seu préstimo maior
>para a classe dirigente era fornecer-lhe prole para
>servir de soldadesca. De um modo relativamente
>similar, o moderno proletariado é a classe excluída da
>vida económica pelo declínio inexorável da
>lucratividade do capital. A produção automatizada não
>cria valor novo. A elevação da composição orgânica do
>capital pressiona a taxa de lucro para a baixa.
>Decrescendo a massa total da mais-valia, logo a
>burguesia quer para si uma fatia dela acrescida,
>aumentando a taxa de exploração. Mas isso para ela é
>apenas dar mais uma volta com a corda ao pescoço,
>porque comprimindo a massa salarial cria problemas de
>realização da mais-valia produzida. Neste círculo
>vicioso de estagnação e declínio, grandes massas
>laboriosas são despedidas e mantidas em reserva
>indefinidamente, juntando-se aos camponeses
>desalojados que reclamam também o seu lugar à mesa da
>prometida abundância pós-industrial.
>
>Agudiza-se assim a contradição entre as forças de
>produção emergentes e as relações de produção em
>vigor. A um certo ponto, se quisermos manter o sistema
>capitalista, teremos que eliminar a população
>“excedente”. Se quisermos manter a população, teremos
>que nos livrar do sistema. É o crescimento imparável
>da nova massa proletária que vai fazer amadurecer e
>explodir a contradição fundamental nos seus nódulos
>críticos. É a pressão vital exercida da base por todo
>este imenso magma humano em combustão que vai servir
>de detonador, transmitindo energia à luta da classe
>operária que por sua vez a retransmitirá, com vigor
>acrescido, à causa da liberdade sustentada pelos
>trabalhadores do conhecimento. O grande ídolo
>capitalista da propriedade privada estremecerá na
>cúpula, acabando por se despenhar aos pés da multidão,
>rasgando-se assim de par em par os horizontes para um
>mundo inteiramente novo em que o livre desenvolvimento
>de cada um é a condição para o livre desenvolvimento
>de todos.
>
>
>
>
>NOTAS:
>
>(1) Karl Marx, ‘Grundrisse’, Penguin Classics,
>Londres, 1993 (reimpressão), pág. 704 a 706. Tradução
>minha a partir da versão inglesa de Martin Nicolaus.
>
>(2) Este argumento foi reafirmado com toda a clareza
>por Ernest Mandel em ‘Late Capitalism’, Verso,
>Londres, 1978, p. 207 e 506 ss.. (a primeira edição
>desta obra é de 1972). Em sentido contrário, o
>economista neo-marxista Piero Sraffa – ‘Production of
>commodities by means of commodities’, Cambridge, 1960
>- admitiu, com base em intricadas demonstrações
>matemáticas, a possibilidade de subsistência da
>criação de mais-valia e sua distribuição entre
>proprietários privados dos meios de produção mesmo num
>sistema produtivo totalmente automatizado, isto é, sem
>incorporação de trabalho vivo. Esta posição, que se
>mantém ainda muito influente, parece basear-se num
>equívoco filosófico sobre o conceito de valor.
>Refira-se contudo que Mandel ressalvava (ob. cit.,
>pág. 207, nota 43) ser “teoreticamente concebível que
>uma indústria inteiramente automatizada nos E.U.A. ou
>na Alemanha Ocidental recolhesse a mais-valia
>necessária à valorização do seu capital através de
>trocas com mercadorias de outros países produzidas de
>forma não automatizada”.
>
>(3) Cf. Tessa Morris-Suzuki, ‘Capitalism in the
>computer age’ em Jim Davis, Thomas Hirschl e Michael
>Stack (editores), ‘Cutting Edge – Technology,
>Information, Capitalism and Social Revolution’, Verso
>Books, Londres e Nova Iorque, 1997. Este precioso
>volume colectivo é uma obra de referência fundamental
>sobre as novíssimas tendências do capitalismo e da
>luta com vista à sua superação revolucionária.
>
>(4) Outra vertente da questão da “sociedade de
>informação” (que não abordaremos neste artigo), aliás
>a mais valorizada pelos comentadores burgueses, é o
>facto de existir nas sociedades capitalistas mais
>desenvolvidas um grande crescimento do sector dos
>“serviços”. Grande parte deste crescimento é em
>sectores de conteúdo “pobre” e de carácter improdutivo
>que são meros sucedâneos mercantilizados da criadagem
>particular de outros tempos. Todavia, há também
>“serviços” em áreas ricas em conteúdo técnico
>especializado – sobretudo a Saúde, a Educação, a
>distribuição de água, energia e comunicações, etc. –
>onde se criam constantemente conhecimentos novos e
>cuja qualificação como trabalho produtivo é pelo menos
>uma questão em aberto, pois que eles participam
>decisivamente na formação e reprodução da força de
>trabalho social.
>
>(5) Cf. ‘O Capital’, Ed. Avante, Lisboa, 1997, Livro
>Primeiro, Tomo III, pág. 811 ss.. Esta feliz analogia
>é usada por vários autores contemporâneos, sendo
>explorada em profundidade por James Boyle, professor
>de Direito na Universidade de Duke (E.U.A.)
>especialista em direito do domínio público cuja página
>pessoal na web em <a rel=nofollow target=_blank href="http://james-boyle.com/">http://james-boyle.com/</a> está repleta
>de ensaios e estudos de grande interesse sobre aquilo
>que ele denomina de “segundo movimento de vedações”
>relativo aos “baldios intangíveis da mente”.
>
>(6) Um poema anónimo inglês do século XVIII começava
>assim: “The law locks up the man or woman / Who steals
>the goose from off the common / But leaves the greater
>villain loose / Who steals the common from off the
>goose” (A lei põe homem ou mulher na prisão / que
>furte um ganso à solta no campo / Mas deixa livre o
>bem maior vilão / Que rouba o campo por debaixo do
>ganso) - epígrafe ao ensaio de James Boyle ‘The second
>enclosure movement and the construction of the public
>domain’, no sítio web já citado.
>
>(7) Eben Moglen, num ensaio disponível em
><a rel=nofollow target=_blank href="http://firstmonday.org/issues/issue4_8/moglen/,">http://firstmonday.org/issues/issue4_8/moglen/,</a> tem
>este impressionante parágrafo que, mais que uma
>inspirada premonição, é um traçado de rumo e um apelo
>à luta para os comunistas:
>
> “Incentivos é apenas uma metáfora, e como metáfora
>para descrever a actividade criativa humana é bastante
>inepta. (…) A melhor metáfora surgiu no dia em que
>Michael Faraday se apercebeu do que acontece quando
>enrolamos um cabo de cobre à volta de um magneto que
>depois fazemos girar. A corrente flui nesse cabo, mas
>nós não nos perguntamos qual é o incentivo que os
>electrões têm para se deslocarem. Dizemos que a
>corrente resulta de uma propriedade emergente do
>sistema, a que chamamos indução. A questão que
>colocamos é «Qual é a resistência do cabo?». Portanto,
>o corolário metafórico de Moglen à Lei de Faraday diz
>que se enrolarmos a Internet sobre todas as pessoas no
>planeta e fizermos girar o planeta, o software flui
>por toda a rede. É uma propriedade emergente das
>mentes humanas em contacto que elas criarão coisas
>para o seu prazer recíproco, ou para vencer a sua
>agreste solidão. A única questão a colocar aqui é:
>qual é a resistência da rede? O corolário metafórico
>de Moglen à lei de Ohm afirma que a resistência da
>rede é directamente proporcional à força de campo do
>sistema de «propriedade intelectual». A resposta
>correcta (…) é assim: resistir à resistência.”
>
>(8) A exposição de princípios do movimento de software
>livre, informações gerais e vários ensaios,
>nomeadamente do seu principal animador e ideólogo
>Richard Stallman, podem ser lidos em
><a rel=nofollow target=_blank href="http://www.gnu.org/.">http://www.gnu.org/.</a>
>
>(9) Sobre as perspectivas de uma “sobre-urbanização”
>do mundo no próximo futuro, leia-se o excelente artigo
>de Mike Davis ‘A Planet of Slums’ em
><a rel=nofollow target=_blank href="http://www.newleftreview.net/NLR26001.shtml.">http://www.newleftreview.net/NLR26001.shtml.</a>
>
>(10) Nelson Peery, ‘The birth of a new proletariat’,
>em ‘Cutting Edge’, ob. cit., pág. 297 ss..

[ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ]

Replies:
Subject Author Date
Re: Os segredos da «sociedade da informação»Ângelo Novo20:32:14 05/19/04 Wed


Post a message:
This forum requires an account to post.
[ Create Account ]
[ Login ]
[ Contact Forum Admin ]


Forum timezone: GMT+0
VF Version: 3.00b, ConfDB:
Before posting please read our privacy policy.
VoyForums(tm) is a Free Service from Voyager Info-Systems.
Copyright © 1998-2019 Voyager Info-Systems. All Rights Reserved.