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JOÃO PEDRO HENRIQUES - in Público - 04 de Março de 2004
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Date Posted: 23:05:38 03/05/04 Fri
Aborto - em Defesa da Moderação
JOÃO PEDRO HENRIQUES - in Público - 04 de Março de 2004
Ponto prévio: defendo a despenalização do aborto. Em defesa da vida com dignidade (sublinho: com dignidade).
Dir-me-ão que vários filhos de gravidezes indesejadas conseguiram singrar na vida; respondo que muitos mais não conseguiram: reproduziram a miséria, a violência, a degradação social das famílias onde foram criados. E voltarão a repetir, nos seus filhos, e por aí adiante. Lembrem-se: vida com dignidade. É disso que se fala, sempre, quando se trata de vida humana. Espero que quem não concorde com estas ideias não use o argumento, rasca, de que defendo a eugenia. Se o afirmam lembro o seguinte: a lei já prevê o aborto eugénico
1. Dito isto, vamos ao que interessa. Primeiro, a realização de um novo referendo. Um erro crasso de quem nisso insiste. Imaginem o seguinte: desta vez o "sim" [à despenalização] ganha mas, novamente, com uma taxa de participação inferior a 50 por cento. O resultado volta a ser inválido. Teremos outra vez a guerra repetida, só que desta vez com os "pró-vida" no lugar do Bloco e da esquerda em geral. Este cenário é possível. É um risco tremendo corrê-lo, para quem defende a despenalização.
2. E há mais, ainda sobre o referendo. Caso não tenham reparado, a direita "pró-vida" evoluiu em direcção ao "sim". Ainda lá não chegou, é certo. Mas a posição de "não-posição" do PSD é uma evolução "pró-aborto" face à posição da direita no referendo de Junho de 1998.
Convinha que isso fosse registado.
3. Um referendo é um acto eleitoral, para todos os efeitos. Ou seja, os partidos que se envolverem vão olhá-lo no quadro mais vasto da luta partidária pura e simples. O referendo passará a ser mais um passo na luta pelo poder, como as europeias ou as autárquicas ou as presidenciais. A despenalização da IVG passará à condição de instrumento dessa luta, nada mais.
4. E isso terá um outro efeito. Dado esse quadro de luta geral pelo poder com o referendo como instrumento, as evoluções positivas na direita tenderão, novamente, a radicalizar em favor do "não" puro e duro. Serão anulados os progressos entretanto registados.
5. Aceite-se, portanto, a legimidade eleitoral da maioria para não legislar. Não é de admirar que a coligação do poder não queira mudar a lei (a novidade seria querer). Quando a esquerda retomar o poder maioritário que legisle. E desta vez sem se deixar condicionar pelo pensamento "social-cristão" do eng. Guterres, mesmo que ele já ocupe a Presidência. O aborto deve ser uma matéria de compromisso eleitoral do PS, PCP e Bloco.
6. A causa da despenalização não ganha nada com radicalismos do tipo "na minha barriga mando eu". Primeiro, isso afasta os homens do debate (o que muitos agradecem). E, se é assim, porque razão há-de o Estado envolver-se nessa "propriedade", nomeadamente providenciando abortos no SNS? Se "na minha barriga mando eu" então quem "manda" que use serviços particulares (é logo ali em Badajoz) para resolver eventuais problemas.
7. Defender a despenalização do aborto implica, obviamente, que os hospitais públicos providenciem interrupções voluntárias de gravidez. Mas atenção, com restrições: não estou disposto a pagar com os meus impostos um SNS que providencie sistemáticos abortos a quem só engravida por pura irresponsabilidade - e isso acontece, como se sabe. Uma gravidez ocasional indesejada é normal - é de desejo e de sexo que falamos, naturalmente. Já várias não são. O SNS não deve suportar a estupidez de quem não se habitua ao uso diário da pílula, ou de quem não quer perder tempo a ir uma consulta para arranjar um aparelho intra-uterino ou ainda de quem não obriga o companheiro a usar preservativo.
8. O SNS também não deve dispender recursos e energias a providenciar abortos a quem, sem grande dificuldade, os pode pagar em clínicas privadas. O carácter "tendencialmente gratuito" do SNS está na Constituição e para alguma coisa deve servir.
9. É extraordinariamente cruel a solução de "serviços à comunidade" (em vez de prisão) para quem aborta ilegalmente. Seria, na maior parte das comunidades, uma forma de identificar a "criminosa". Portanto: a criminalização não é solução, como até já a Igreja começa a concordar; e a despenalização também não. Legalize-se - e a esquerda que ganhe eleições, para variar.
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