VoyForums
[ Show ]
Support VoyForums
[ Shrink ]
VoyForums Announcement: Programming and providing support for this service has been a labor of love since 1997. We are one of the few services online who values our users' privacy, and have never sold your information. We have even fought hard to defend your privacy in legal cases; however, we've done it with almost no financial support -- paying out of pocket to continue providing the service. Due to the issues imposed on us by advertisers, we also stopped hosting most ads on the forums many years ago. We hope you appreciate our efforts.

Show your support by donating any amount. (Note: We are still technically a for-profit company, so your contribution is not tax-deductible.) PayPal Acct: Feedback:

Donate to VoyForums (PayPal):

Login ] [ Contact Forum Admin ] [ Main index ] [ Post a new message ] [ Search | Check update time | Archives: 1234567[8]910 ]


[ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ]

Date Posted: 16:48:56 07/29/02 Mon
Author: Danúzia
Subject: Getúlio Vargas decifrado pelo olhar estrangeiro


Getúlio Vargas já foi, mais do que hoje, objeto de estudo de pesquisadores estrangeiros e nacionais. Mesmo assim, a cada ano novos títulos aparecem abordando sua biografia, seus governos, ou aspectos da sociedade, da política ou da economia brasileira de seu tempo. Este é o caso de dois livros lançados pela Companhia das Letras. Um deles é de Robert M. Levine, um dos brasilianistas norte-americanos que mais contribuíram com a historiografia recente do Brasil. Seu livro, “Pai dos pobres? O Brasil da era Vargas”, começa com o registro da ausência de uma biografia de qualidade sobre Vargas. Pretende suprir carências nesse sentido e demonstrar que o mito de Vargas como pai dos pobres é mesmo um mito. Os dois propósitos são sobejamente suficientes para que o leitor seja provocado a, pelo menos, folhear o livro.

As expectativas são em parte frustradas. Levine cai em lugares-comuns que mostram as ambigüidades de Vargas (quem não fala disso?) e as contradições de sua política social, embora não nos forneça dados substantivos (e tão necessários) nesse sentido. Sobre o aspecto biográfico, no início afirma: “Realista e mestre em ocultar suas intenções, Vargas era um homem difícil de ser decifrado até pelos amigos”, observação que nos parece familiar. Mais adiante lembra que “nunca ambicionou riqueza pessoal” e que soube jogar habilidosamente com os interesses alemães e dos EUA para conseguir o financiamento da siderurgia no Brasil. Acho que também já ouvimos esta história.

Para fazer sua análise, percorre os principais fatos da política brasileira nos anos em que Vargas dirigiu o país e se detém, por exemplo, a examinar o impacto da Revolução de 1930 para concluir que, se extirpou oligarquias do poder, produziu ou fortaleceu outras. De maneira ambígua mostra que o processo de centralização política levado a cabo por Getúlio demoveu interesses regionais privados, deixando transparecer uma idéia pejorativa dessas oligarquias, mas critica ao mesmo tempo o cerceamento da autonomia regional que o getulismo produziu.
Levine se amparou nos escritos do diário de Vargas

Levine critica o legado de Vargas lembrando que os direitos trabalhistas não foram uma conquista tão expressiva posto que abrangiam 3% da população. Que a política social de Vargas nada fez para combater o racismo, o machismo ou a concentração da propriedade rural. Tudo isso parece sabido pela sabedoria popular quando deu a Vargas o título de “pai dos pobres e mãe dos ricos”. Claro que estas questões são da maior relevância mesmo porque explicam a origem de um modelo industrial e de modernização que não levou em conta o desenvolvimento humano e que nos mantém ainda em patamar vergonhoso nos indicadores internacionais a esse respeito. Mas seria de esperar que houvesse novos dados sobre essas conclusões.

Um dado inovador neste livro foi o de ter se amparado nos escritos do diário de Getúlio Vargas. Mas essa fonte parece não ter mudado substancialmente o olhar tradicional sobre Vargas. E a título de repetições, nem mesmo a data de nascimento dele foi corrigida. Desde 1983, quando se pensava estar completando seu centenário de nascimento, foi amplamente demonstrado na imprensa que seu registro fora adulterado, prática comum na época para inscrição em escolas militares. Getúlio Vargas nasceu em 1882 e não em 1883, detalhe que não escapa ao livro de R. S. Rose, “Uma das coisas esquecidas —Vargas e o controle social no Brasil/1930-1954”.

Este segundo livro pretende mostrar o controle social produzido pela legislação social e sindical de Vargas e a repressão política e policial que varreu o país, especialmente no Estado Novo. Seria de se perguntar quem esqueceu esses fatos como o título parece sugerir. De toda forma, a pesquisa é bem feita e do ponto de vista biográfico é mais convincente que a de Levine. Através da história pessoal de Vargas e sua família, Rose mostra a lógica patrimonial, a impunidade e os desmandos de nossas elites e, percorrendo a crônica policial, registra horrores da repressão a trabalhadores e à esquerda, fatos que precisam ser categoricamente lembrados como parte da memória de um país que se fez moderno, intolerante e injusto.

Neste livro há narrativas ricas sobre o integralismo, as trapalhadas de Benjamin Vargas, por exemplo, e detalhes da vida pregressa de várias das pessoas que controlaram os órgãos de repressão. O que soa estranho é o fato de o autor insistir na idéia de que Vargas é lembrado no Brasil como um herói e que a data de sua morte “é praticamente feriado nacional”. Embora Vargas continue sendo um dos presidentes mais populares do país, espaço que disputa com José Sarney, as datas de seu nascimento e morte têm passado quase desapercebidas.

Há um dado importante a ser lembrado em ambos os livros e que explica em parte os comentários feitos aqui. São livros escritos para um público estrangeiro, usando basicamente a bibliografia disponível em inglês (aspecto mais evidente no livro de Levine). Embora Rose tenha feito uma ampla consulta a arquivos no Brasil, sua fontes deixam a desejar em vários sentidos. Como falar da política social de Vargas sem mencionar a obra de autores brasileiros como Wanderley Guilherme dos Santos, que introduziu o conceito de cidadania regulada, ou José Murilo de Carvalho, para não mencionar vários outros colegas tupiniquins?

São ambos livros de síntese e como tal têm qualidades e problemas. De maneira positiva, mostram o interesse da academia internacional sobre o Brasil, e se adequam a uma linha de trabalho típica dos brasilianistas, a quem tanto devemos, especialmente no aprendizado da pesquisa histórica sobre o pós-1930.

MARIA CELINA SOARES D’ARAUJO é pesquisadora do CPDOC/FGV e da Universidade Federal Fluminense

Fonte: http://oglobo.globo.com/Suplementos/ProsaeVerso/35334714.htm

[ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ]

[ Contact Forum Admin ]


Forum timezone: GMT-8
VF Version: 3.00b, ConfDB:
Before posting please read our privacy policy.
VoyForums(tm) is a Free Service from Voyager Info-Systems.
Copyright © 1998-2019 Voyager Info-Systems. All Rights Reserved.