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Date Posted: 15:56:32 03/18/02 Mon
Author: José Maria
Subject: A UNIVERSIDADE E O ENSINO DA ARQUIVOLOGIA NO BRASIL

A UNIVERSIDADE E O ENSINO DA ARQUIVOLOGIA NO BRASIL

José Maria Jardim
Doutor em Ciência da Informação
Prof. do Departamento de Documentação da UFF

Introdução

Mostra-se extremamente significativo o fato deste 10o Congresso Brasileiro de Arquivologia, ao contemplar tantos aspectos relevantes, apresentar como tema da sua primeira sessão plenária “A Universidade e o Ensino da Arquivologia.” Da mesma forma, encabeçava as recomendações do XII Congresso Internacional de Arquivos, realizado em Montreal, há dois anos, a proposta de que o Conselho Internacional de Arquivos produzisse e difundisse diretrizes para a elaboração de programas de base para a formação de arquivistas, aplicáveis em todos os países e combinados com programas de pesquisa em matéria de teoria e prática arquivísticas.
Além do valor simbólico destas menções no contexto de ambos os eventos, sua abordagem sinaliza a importância conferida à qualidade profissional do arquivista, sobretudo neste momento de novos desafios para a Arquivologia. Qualidade esta que se configura na capacidade do arquivista em transitar com desenvoltura pelas novas demandas políticas, sociais, organizacionais, culturais e científicas que emergem de um quadro histórico identificado como era da informação.
A partir dos anos 80, a comunidade arquivística internacional tem se confrontado sistematicamente com as diversas implicações, para a Arquivologia, daquilo que já se convencionou chamar de sociedade da informação. Neste quadro histórico, é ressaltada a emergência de novas tecnologias da informação, de crescente uso social, produzindo novos paradigmas de processo decisório, poder central e local, registro e acesso à informação.
Como agentes e sujeitos destas transformações, os arquivistas vêem-se obrigados a debruçarem-se sobre a Arquivologia em três dimensões que se integram ou seja: o conhecimento arquivístico, as organizações arquivísticas e o próprio arquivista. Na interseção destas três dimensões, encontra-se o ensino arquivístico tendo como principais atores o arquivista em formação inicial e o arquivista como docente e pesquisador. Ambos se inserem num cenário em cujo macrocosmo social localizam-se a Universidade, as organizações arquivísticas e as demandas que legitimam uma profissão à medida em que esta assume tarefas socialmente importantes.
A literatura internacional e, em alguns casos, a nacional, ressaltam, mediante leituras as mais diversas, esta teia de relações cognitivas e institucionais que culminam e sustentam a formação do arquivista. Nos últimos anos, porém, face ao quadro de transformações na produção, armazenagem e uso social da informação, os aspectos relativos ao ensino arquivístico vêm ocupando - em termos ainda mais incisivos - o centro da discussão em torno do que são hoje a Arquivologia, o arquivista, as organizações arquivísticas e para onde se encaminham tais dimensões.

Perspectivas internacionais

No plano internacional, algumas tendências adquirem maior visibilidade neste contexto de transformações do campo arquivístico.
Em primeiro lugar cabe distinguir educação de capacitação , ainda que, conforme PEDERSON (1994, p.5), a preparação para uma profissão compreenda uma mescla de ambas. Educação é, neste sentido, tomada como “um processo de instrução sistemática para desenvolver a capacidade intelectual do indivíduo e adquirir um corpo de conhecimento.” Sua ênfase encontra-se no teórico/analítico e no processo e capacidade do sujeito em compreender, comparar, transferir e aplicar conceitos e princípios gerais a uma variedade de situações e problemas específicos. A capacitação objetiva dotar os seus beneficiários de um tipo mais concentrado de instrução para cumprir tarefas definidas, num contexto específico. Visa servir como “meio para se atingir um fim, ou seja, adquirir experiência em um tipo de trabalho e não constituir-se num fim em si mesmo”( ibid., p.6).
Em segundo lugar, observa-se que, embora desde os anos setenta, a UNESCO e o CIA, venham buscando um modelo válido para todos os países, a formação de arquivistas é marcada por uma variedade e heterogeneidade que reflete “a evolução do conceito de Arquivística, por uma parte, e das diferentes tradições arquivísticas, por outra”(LÓPEZ GOMEZ, 1994, p.2).
Não há, em escala internacional, um consenso absolutamente preciso sobre o que vem a ser a Arquivologia, seu(s) objeto(s) e o que é um arquivista. Analisando o “Repertório de Escolas e Cursos de Formação Profissional de Arquivistas” (1992) , encontramos 155 estabelecimentos de ensino em 43 países de 5 continentes. Observa-se que tais estabelecimentos encontram-se predominantemente inseridos em universidades (76%), seguidos de instituições arquivísticas (14%) e outras instituições de ensino independentes, institutos técnicos ou associações profissionais (10%). Há enormes diferenças entre os ciclos de estudos, condições de admissão dos alunos, quantidade e perfil de corpo docente, duração dos cursos, conteúdo, diplomas etc. Estas diferenças não se evidenciam apenas entre os países, mas dentro de um mesmo país. A estrutura educacional de cada país é, neste sentido, um fator determinante, além do seu grau de reconhecimento social da profissão e suas condições sócio-econômicas, refletindo-se nas características do mercado de trabalho para o arquivista. Observa-se um predomínio de programas que apresentam como requisito uma formação universitária prévia. Em alguns casos são programas de Mestrado ou equivalente, conforme o país. A School of Library, Archive and Information Studies de Londres oferece um diploma de PhD em Artes no seu programa de estudos arquivísticos.
Em terceiro lugar, vale observar o significado dessa predominância de programas de formação na Universidade. Certamente este quadro assinala o status acadêmico assumido pela Arquivologia. No entanto, a função docente da formação profissional não tem sido acompanhada com intensidade da função pesquisa científica, conforme ressalta PEDERSON (1992). São ainda poucos os arquivistas-educadores que assumem a tarefa de desenvolver um corpo de conhecimento arquivístifo mediante a pesquisa científica. Como tal, tende a ser pequeno o tempo de dedicação dos alunos a programas de pesquisa em atividades de iniciação científica.
Em quarto lugar, verifica-se que, em muitas reflexões sobre o destinatário da formação profissional, coloca-se não só a questão sobre o que é um arquivista, mas as funções que este deverá desempenhar em níveis distintos. COOK(1982) sugere ciclos de formação diferenciados para pessoal paraprofissional, de nível profissional e de nível de direção. LÓPEZ GOMEZ (1994) entende que há dois níveis distintos: um técnico (mais próximo à nossa graduação) e um científico (mais próximo à pós-graduação), envolvendo a pesquisa em Arquivologia, a teorização e docência, além das tarefas de planejamento e coordenação. Conforme MENNE-HARITZ (1994, p. 16), a formação de pós-graduação está dirigida à preparação de estudantes para tarefas estratégicas e funções gerenciais.
Em quinto lugar, cabe ressaltar os esforços coordenados pela UNESCO nas últimas décadas, com a participação do CIA, FID e FIAB, no sentido de fixar parâmetros a uma possível harmonização na formação profissional envolvendo Biblioteconomia, Ciência da Informação e Arquivologia. Conforme o próprio Programa Geral de Informação da UNESCO, não se trata de promover a idéia de que dessas profissões deveria emergir uma única profissão até porque os objetivos, trabalho e formação de cada uma permanecem diferenciados.
“A perspectiva harmonizante não significa formação idêntica para todos: a partir dos seus aspectos comuns trata-se de facilitar o intercâmbio de idéias, um uso mais racional dos recursos de ensino, uma melhor organização do trabalho profissional e, se possível, um aumento da influência dessas profissões sobre os governos e na sociedade em geral. A natureza específica de cada profissão deve ser preservada no contexto das características históricas, culturais, econômicas e políticas de cada país. Não se trata de uma panacéia para cada problema de formação e não deve ser artificialmente imposta”, (UNESCO, 1987, p.1).

Como áreas apropriadas para a harmonização, a UNESCO propõe: a noção de informação; políticas de informação; análise de sistemas; administração; estudos de usuário, análise documentária; uso de fontes de informação; conservação, tecnologia da informação e métodos de pesquisa. Alguns documentos já têm sido elaborados com esta perspectiva pela UNESCO como, por exemplo: “Princípios diretores para o ensino do marketing no domínio das ciências da informação”e “Princípios diretores para a redação de objetivos de aprendizagem em biblioteconomia, ciências da informação e arquivísticas.”
Em sexto lugar, a chamada formação contínua adquire importância fundamental no quadro de transformações que influenciam a profissão e, por conseguinte, seu processo de formação profissional. Segundo esta perspectiva, conforme THOMASSEN (1994, p. 506), “o conhecimento e a especialização que resulta da educação pode não ser suficiente para mais que alguns anos: a educação profissional não deve terminar”. Isto significa, mais que nunca, o estudante de Arquivologia, o professor de Arquivologia, o arquivista, de uma maneira geral, sendo convidados a aprender a aprender . Neste sentido, a educação contínua coloca-se como uma estratégia de educação profissional pós-preparatória. É a continuidade do processo de aprendizagem, sendo caracterizada pela flexibilidade, diversidade e dinamismo em conteúdo, técnicas de aprendizagem, tempo e local de aprendizagem. É uma função tanto da Universidade, como das associações profissionais e, inclusive, das instituições arquivísticas.
Finalmente, em sétimo lugar, as práticas profissionais e a formação do arquivista tendem a ser norteados pela marca da interdisciplinaridade que caracteriza hoje a Arquivologia como campo do conhecimento. Não sendo mais considerada “ ciência auxiliar “ da História ou da Administração, a tendência da Arquivologia como uma disciplina autônoma acentua a sua interação com outros campos do conhecimento. Conforme assinala THOMASSEN (1994, p.507), “a educação profissional deve freqüentemente cruzar as fronteiras entre assuntos, especializados, disciplinas tradicionais e profissões afins e entre o mundo do conhecimento e o mundo do trabalho. ... Ela não pode ser excessivamente especializada, específica ou prescritiva”.

O caso brasileiro

A Arquivologia e a Universidade no Brasil

Refletirmos sobre a trajetória e perspectiva do ensino da Arquivologia no Brasil significa considerarmos, de um lado, o percurso da própria Arquivologia, fora e dentro do país e, por outro, os rumos da Educação e da Universidade. Neste sentido, como área de conhecimento, a Arquivologia mostra-se ainda incipiente no Brasil, apesar dos avanços significativos dos últimos vinte anos. Estes avanços se expressam em ações lideradas pela AAB e o Arquivo Nacional, além de várias outras organizações públicas e privadas que colaboraram na ampliação dos espaços políticos institucionais e cognitivos da Arquivologia no Brasil a partir do anos 70. Chegamos aos anos 90 com a aprovação da Lei que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, sancionada em 8 de janeiro de 1991. Diversos aspectos, porém, carecem ainda de regulamentação e as correspondentes políticas públicas.
Em relação à Educação no Brasil, do primeiro ao terceiro grau, há uma insatisfação generalizada por parte da sociedade, sobretudo no que se refere à Educação pública. Os 3% do Produto Interno Bruto (BIP) aplicados em educação pública (12,5 bilhões de dólares) nos colocam no 59o posto no planeta, em aplicações orçamentárias na área. A rede federal de ensino, por exemplo, composta de 22 universidades, 15 fundações universitárias, 5 centros federais de educação tecnológica e 11 estabelecimentos especializados de ensino superior recebeu 0,5% do PIB (2,5 bilhões de dólares). Conforme CANDOTTI ( 1994), ex-presidente da SBPC, 95% destes recursos são gastos com a folha de pagamentos e, ainda assim, esta estrutura remunera mal os servidores. “Desses, estima-se que 1/3 correspondem aos aposentados, 1/3 participam pouco da vida desses institutos e 1/3 efetivamente contribui para as atividades de ensino, pesquisa e administração”.
Analisando este quadro, CHAUÍ (1994) comenta que, durante a ditadura militar, as elites brasileiras praticamente destruíram a escola pública de primeiro e segundo graus com a perspectiva de um ensino básico destinado a formar mão-de-obra barata para o mercado de trabalho. Como resultado, muitos dos alunos, egressos de escolas públicas, mal têm condições para enfrentar os vestibulares, ao contrário da clientela egressa das escolas particulares.
CHAUÍ (ibid), referindo-se à USP, sugere aspectos que podem ser estendidos a outras instituições de ensino superior. Na sua perspectiva, haveriam três tipos de escolas que não corresponderiam à divisão institucional da universidade em institutos e faculdades, mas ao modo como a atividade universitária é pensada e exercida:
1) a que oferece prestígio curricular ao docente que não é ali pesquisador nem a ela se dedica em tempo integral;
2) a que oferece complementação salarial em que as pesquisas são financiadas por empresas e organismos privados que subsidiam laboratórios, bibliotecas e equipamentos etc. sem que os orçamentos sejam publicizados; é considerado modelo de modernização porque desincumbe o poder público da responsabilidade com os custos de pesquisa;
3) a terceira escola é a universidade propriamente dita.


“Nela, os docentes dedicam-se em tempo integral ao ensino e à pesquisa ... e destinam a totalidade dos seus trabalhos à sociedade, seja formando profissionais de várias áreas, seja publicando suas pesquisas e as de seus estudantes, ... realizando pesquisas ou participando na formulação e supervisão de projetos e programas sociais para os governos ... Há “um vínculo interno entre docência e pesquisa, portanto, entre formação e criação, pensamento e conhecimento. Nela realizam-se as pesquisas fundamentais ou seja, as de longo prazo, independentes, que acarretam objetos de conhecimento e novos campos de investigação, reflexões críticas sobre a ciência, as humanidades e as artes a compreensão-interpretação das realidades históricas”. (ibid., p. 3)

Ainda que sob esta perspectiva, esbarra-se, porém, numa estrutura departamental que merece ser repensada. Conforme CANDOTTI, (1994, p. 11)

“criaram-se cidadelas conservadoras que, em nome da especialização e do suposto progresso científico, muitas vezes escondem interesses estritamente corporativistas e impedem a diversificação das áreas de pesquisa. O sistema de eleições diretas, que inicialmente surgiu como uma reação à intervenção dos governos autoritários, hoje é responsável por profundas distorções na condução dos destinos das instituições. Interesses estritamente corporativos predominam na escolha dos dirigentes universitários e comprometem suas administrações”.


Os cursos de Arquivologia

A formação de arquivistas recebeu mandato universitário no Brasil há apenas 21 anos, quando o curso Permanente de Arquivos do Arquivo Nacional, estabelecido a partir de 1960, passa a ser reconhecido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1973. Em 1972, o Conselho Federal de Educação já havia autorizado a criação de cursos de Arquivologia em nível superior. O currículo mínimo do curso de graduação em Arquivologia é aprovado em 1974, compreendendo as seguintes matérias:
. Introdução ao Estudo da História
. Noções de Contabilidade
. Noções de Estatística
. Arquivo I - IV
. Documentação
. Introdução a Administração
. História Administrativa, Econômica e Social do Brasil
. Paleografia e Diplomática
. Introdução à Comunicação
. Notariado
. Uma língua estrangeira moderna
A mesma resolução do CFE fixou um mínimo de 2.160 horas-aula, distribuídas entre três e cinco anos, aí incluído o estágio supervisionado em instituição especializada com 10% do total das horas previstas. Além da habilitação geral, possibilitava-se criar habilitações específicas (Arquivos Históricos, Oficiais, Empresariais, Escolares, Científicos, etc.).
Nestes últimos vinte anos, além do curso Permanente de Arquivos, incorporado em 1977 à FEFIERJ, atual UNI-RIO, são criados os cursos de graduação em Arquivologia na UFSM (1977), UFF( 1979) e Unb (1991).Exceto a Unb - que ainda não graduou sua primeira turma - as demais universidades mencionadas formaram, até o momento, 1018 arquivistas, sendo 551 (54%) na UNI-RIO, 245 na UFSM (24%) e 222 na UFF (22%). Concentra-se, portanto, no Estado do Rio de Janeiro, a formação de arquivistas no país (76%). Nos últimos dezoito anos, a média anual é de 56,5 graduados.
A partir dos anos 80, foram realizados cursos de pós-graduação em algumas universidades, sendo que apenas o programa da USP teve continuidade. Muitos desses cursos de pós-graduação emergentes após os anos 80, sinalizam o interesse, mas também as dificuldades das diversas IES em estabelecerem cursos de Arquivologia em nível de graduação, a começar pelas limitações na composição de um corpo docente. Talvez estas mesmas dificuldades tenham limitado a continuidade desses programas de pós-graduação na área, assim como a criação de novos cursos de graduação.
Percebe-se duas tendências - a serem pesquisadas - que emergem dos relatos e depoimentos de alunos, professores, egressos, empregadores etc:
. de um lado, uma insatisfação geral quanto ao ensino da Arquivologia na graduação, apesar de se reconhecer sua contribuição à área nos últimos vinte anos;
. de outro lado, há uma expectativa por parte dos atores citados, de melhores e mais cursos de graduação de Arquivologia no país.
Considerando-se estas tendências, vale abordarmos, inicialmente, uma certa imagem do ensino arquivístico de graduação como o patinho feio da Arquivologia no Brasil. Esta imagem parece encontrar sua fonte principal na dicotomia entre uma Arquivologia que seria ensinada na Universidade e outra que seria praticada no setor público e privado. Este hiato seria agravado pela quase inexistência de relações sistemáticas entre a Universidade, as instituições arquivísticas e outros segmentos do mercado. Sem dúvida, faz-se necessário uma aproximação mais intensa entre estes segmentos e a Universidade, em benefício não só do ensino e pesquisa, além do exercício da profissão pelo egresso. Seria, porém, um equívoco conceber a existência de uma “ Arquivologia de ponta “ praticada fora da Universidade em oposição a uma “Arquivologia medíocre” ensinada na Universidade. Até porque o pensamento arquivístico que norteou a criação dos cursos de Arquivologia, que definiu no Brasil o que é Arquivologia e o que é um arquivista é o mesmo pensamento arquivístico que norteia ainda hoje, de maneira geral, as práticas profissionais fora e na Universidade. As qualidades e limitações que existam na Arquivologia no Brasil vicejam no mesmo campo, envolvendo os mesmos atores, ainda que em cenários distintos. Se a Universidade não ocupa hoje o centro da produção do conhecimento científico na área de Arquivologia, nenhuma outra instituição o faz. Isto não justifica as limitações da Universidade neste sentido, embora se considere que esta função não seja atribuição exclusiva da Universidade. As instituições arquivísticas também podem e devem assumir uma postura científica. Se isto se der em conjunto com a Universidade, maiores e mais rápidos serão os resultados. Esta experiência ainda não vivenciamos no Brasil. Nenhuma área do conhecimento científico alcança teores avançados sem a ação da Universidade em função do que esta carrega como valores intrínsecos à sua razão histórica de ser: o ensino e a produção de conhecimento em condições democráticas e a favor da sociedade.





Ensino e pesquisa em Arquivoilogia

Dos 35 docentes universitários de Arquivologia , 17 (48,5%) são ex-alunos das primeiras turmas , quase imediatamente alçados à condição de professores, muitas vezes sem experiência profissional como arquivistas. As circunstâncias históricas de implantação dos cursos de Arquivologia talvez explique esta opção. Talvez explique, mas não necessariamente justifique. Esta limitação só foi revertida nos casos em que os professores procuraram compensar tais lacunas através de projetos desenvolvidos junto ao setor público ou à iniciativa privada. Não parece, porém, que se trate de um problema plenamente solucionado. Por outro lado, a titulação acadêmica na área ainda é limitada em termos de doutorado (2) e mestrado (7). Aos poucos, esta tendência começa a se reverter já que no momento há 8 professores em fase de mestrado. Vale ressaltar, porém, que nem sempre titulação e qualificação se equivalem. Um título de Doutor ou Mestre em História, Administração ou Ciência da Informação não preenche necessariamente as lacunas mencionadas. No entanto, o processo de titulação docente é fundamental, sobretudo quando promove uma reflexão sobre o estatuto da Arquivologia e produz dissertações e teses na área.
Um obstáculo a ser superado diz respeito ao fato de que nenhum programa de pós-graduação em nível de Mestrado e Doutorado no Brasil, inclui a Arquivologia e seus objetos entre suas linhas de pesquisa. Uma exceção é o Programa de Pós-Graduação em História da USP, que, encontra-se, no momento em vias de delimitar um espaço neste sentido, sob a coordenação da Profa Dra Ana Maria Camargo. Constatamos, portanto, que, inclusive para a pós-graduação na área, torna-se urgente a qualificação de docentes.
A outra face desta moeda refere-se à pesquisa científica na área, praticamente inexistente. Para GADOTTI (1981, p.91) há uma falsa dicotomia entre docência e pesquisa até porque “uma docência limitada à transmissão de conhecimentos vira um supermercado de idéias. ... Um professor que transmitisse sempre o mesmo conteúdo, significa que ele cessou de buscar, instalando-se em verdades prontas, adquiridas, pré-fabricadas.” Sem a pesquisa, a docência torna-se, no mínimo, limitada enquanto exercício crítico. Saímos perdendo no espaço do ensino-aprendizagem e na capacidade de prover a Arquivologia com inovações. Perdemos, sobretudo, na nossa qualidade como arquivistas. Tende-se, assim, como pude constatar em minha dissertação de mestrado, a gerar elementos de uma cultura profissional onde saber e fazer são dicotomizados e o plano teórico secundarizado em detrimento de um plano da prática.
A ausência de pesquisa acarreta ainda aquilo que BOSI (1993) designa como o “mundo do receituário”, das fórmulas feitas, muitas vezes normas marcadas pelo tecnicismo e uma pretensa neutralidade. Sem a perspectiva critica que a pesquisa sustenta como valor intrínseco, tende-se a reificar conceitos, calcados em lacunas teóricas, como o caso do conceito de sistema de arquivos e a noção de sistema nacional de arquivos, nos termos em que este projeto vem sendo reiterado no Brasil nos últimos trinta anos, apesar do seu fracasso. Ficamos, portanto, reféns de uma literatura internacional, fundamental, porém inacessível à quase totalidade dos alunos e de muitos professores . Esta literatura, em diversas situações, é pouco pertinente aos padrões de gerenciamento do ciclo da informação arquivística, consideradas as peculiaridades da burocracia e organizações brasileiras.

O corpo discente

No que se refere ao corpo discente dos cursos de Arquivologia, um número significativo dos seus membros são egressos das escolas públicas de 2o grau cuja qualidade de ensino acha-se, conforme já assinalamos, extremamente comprometida. Este é um problema que transcende o curso de Arquivologia, atingindo outros cursos universitários. Cabe assinalar, porém, que a bagagem cognitiva de muitos de nossos alunos expressa-se, em diversas circunstâncias, nas suas dificuldades na leitura da literatura especializada, na expressão escrita, na análise e síntese que permitem a construção de mapas conceituais. Nos casos em que predomina , durante o processo de ensino, a abordagem científica do fenômeno informacional arquivístico e não o tecnicismo de receituário, o aluno terá muitas dificuldades em superar as eventuais limitações que traga do 2o Grau. Neste caso, a educação de um arquivista como um especialista da informação, capaz de manejar os fundamentos da área com uma postura científica, dá lugar ao treinamento de guardadores de papéis cujo instrumental é um tecnicismo calcado no senso comum. Estaríamos, assim, na melhor das hipóteses, capacitando técnicos de arquivos e não educando arquivistas. Para tal, quatro anos na Universidade não são necessários à profissão, ao aluno e ao país.
Em seus depoimentos, muitos alunos tendem a se ressentir da insuficiência dos trabalhos práticos complementares aos ensinamentos teóricos, apesar do estágio supervisionado cuja função pedagógica mereceria ser mais aprofundada. Dada a valorização atribuída à dimensão prática da profissão, a própria Universidade nem sempre sugere a importância da dimensão teórica como algo qualificador da prática profissional. Como decorrência, muitos alunos tendem a considerar as questões teórico-conceituais como uma instância pouco relevante em sua formação. E, como tal, lançam-se em estágios não curriculares que, se em diversos casos mostram-se extremamente conseqüentes à formação do aluno, em outros corroboram a visão do arquivista como um organizador de papéis e não como um trabalhador intelectual. Acentua-se o hiato entre as reflexões em sala de aula e a sua prática no mercado como mão-de-obra barata. Este aviltamento salarial pouco se altera quando o egresso consegue inserir-se no mercado de trabalho. Diante das limitações do mercado - muitas vezes mais aberto ao estagiário que ao profissional - cria-se o aluno “estagiário profissional” que se perpetua no curso em função de uma lógica perversa, na qual o mercado rejeita o profissional em detrimento do estudante. Talvez, inclusive, isto ocorra porque o mercado tenda a considerar partes de suas demandas satisfeitas com este tipo de mão-de-obra, não apenas barata, mas considerada “qualificada” para ordenar documentos, ação visualizada mais como uma atividade física que intelectual.

A estrutura curricular

Embora as universidades que oferecem cursos há mais anos como a UNI-RIO, a UFSM e a UFF já tenham elaborado modificações nos seus currículos plenos, o currículo mínimo permanece o mesmo desde 1974, encontrando-se defasado em sua concepção. Se considerarmos o arquivista como um administrador do ciclo vital da informação arquivística, cabe reconhecermos que este perfil tem adquirido novos matizes nos últimos anos.
A estrutura curricular deveria, por princípio, refletir tais mudanças socialmente determinadas. Um dos desafios consiste em elaborar um currículo que, em nível de graduação (portanto, um primeiro nível de aprendizado profissional), contemple as características interdisciplinares da Arquivologia contemporânea. Assim, os currículos tendem a formar uma espécie de colcha de retalhos de diversas áreas do conhecimento sem um núcleo epistemológico consistente. Acaba-se por sugerir um percurso fragmentado que, quando trilhado pelo aluno, leva-o a questionar a diversidade de disciplinas afins àquelas propriamente arquivísticas. Como resultado, o caráter interdisciplinar da Arquivologia dificilmente é vivenciado e como tal, apreciado, pelo aluno ao longo da sua formação. A interdisciplinaridade é um empreendimento complexo, sobretudo quando incluída como perspectiva no bojo da graduação. Pressupõe de um lado, um corpo docente pesquisando em intimo convívio com a perspectiva interdisciplinar e, por outro, um projeto pedagógico que impeça um processo de ensino cognitivamente esquizofrenizado para o aluno. Esta situação tende a ser agudizada quando as disciplinas especificamente arquivísticas ocupam uma carga horária menor que as demais. Como resultado desse quadro, corre-se o risco de imperar o tecnicismo sobre a dimensão interdisciplinar, a tecnicidade e a cultura científica na formação profissional.
O currículo não é um produto mas um processo que envolve professores, alunos, egressos, profissionais de áreas afins, representantes do mercado de trabalho etc. na sua elaboração e avaliação. Alterar o currículo pressupõe pesquisar o conjunto de aspectos que envolvam o perfil do profissional que se pretende formar. Como tal, transformar o currículo significa promover novas posturas, particularmente no que se refere aos corpos docente e discente, sob pena de, em nome de uma proposta curricular até arrojada, conservar-se elementos de uma Arquivologia científica e socialmente defasada. O currículo deve ser visualizado não como um ponto de partida, mas como reflexo de uma política educacional que ainda estamos por definir na área.

Perspectivas

Tendo como referência as observações de GUIMARÃES (1992, p. 185), uma política educacional consistente para a área teria duas premissas básicas:
. o professor de Arquivologia não é mais um bacharel formando (ou treinando? ) futuros bacharéis, mas um verdadeiro educador e, como tal, elemento formador de futuros profissionais e mesmo de novos educadores;
. o aluno deve ser encarado enquanto sujeito de transformações, aliando precisos conhecimentos técnicos aos de ação cultural e científica na consecução de objetivos claros e bem definidos pois só isto lhe conferirá a consciência da sua função social.
Ainda conforme GUIMARÃES (ibid., p. 185) “não há um profissional a ser formado, mas diferentes profissionais para atuarem nas realidades deste país heterogêneo e por vezes paradoxal ... o mercado de trabalho não pode e nem deve ser o único elemento norteador das atividades de ensino pois estas transcedem àquele.”
Em relação a harmonização dos programas de ensino, preconizada pela UNESCO, MENDES (1994) realizou pesquisa sobre este tema envolvendo as áreas de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia. Conforme conclui a pesquisadora, o menor nível de desejabilidade e probabilidade de harmonização curricular foi o dos arquivistas. O maior nível de desejabilidade foi o dos bibliotecários, seguidos dos museólogos e o maior nível de probabilidade foi o dois dos museólogos, seguido dos bibliotecários. Estes resultados sugerem muitas leituras em relação ao posicionamento dos arquivistas entrevistados. Isto inclui desde uma cultura profissional que, ainda emergente no Brasil, cultiva a sua auto-afirmação e identidade profissional, até a perspectiva de um certo isolamento em relação a áreas afins. No entanto, valeria retormar o tema, particularmente nos termos sugeridos pela UNESCO.
Os vinte anos de formação profissional de arquivistas no espaço da Universidade expressam uma história ainda recente cuja avaliação não pode ser precipitada. Este momento da Arquivologia, no plano internacional e nacional, mostra-se extremamente oportuno para uma avaliação tomada como processo, não como produto, considerando as peculiaridades do ensino arquivístico e a sua inserção na Arquivologia no país. Necessitamos de maior interação envolvendo não apenas as universidades que oferecem curso de Arquivologia, mas também outros segmentos de área afins, fora e dentro da Universidade. Mostra-se premente pesquisar as diversas facetas do ensino da Arquivologia no Brasil para, inclusive, projetarmos uma política educacional para o setor. Neste sentido, gostaria de propor a realização, no próximo ano, da I Reunião Brasileira de Ensino e Pesquisa em Arquivologia , numa promoção conjunta das universidades envolvidas com a formação profissional na área, a AAB e outras organizações públicas e privadas. Este encontro poderia contemplar e aprofundar diversos aspectos, entre outros:
. os objetivos e a estrutura curricular dos cursos de graduação e pós-graduação em relação ao perfil do profissional de Arquivologia e sua inserção social;
. o perfil do profissional que se deseja formar no atual quadro de mudanças da área e do país;
. as características e demandas do mercado de trabalho;
. a harmonização curricular sugerida pela UNESCO;
. a comparação dos conteúdos programáticos dos currículos em vigor;
. a literatura básica, nacional e internacional, para o ensino da Arquivologia no Brasil;
. o perfil do docente na área e sua qualificação;
. o estado da arte das pesquisas na área etc.
Sob estas perspectivas tão promissoras, cabe lamentar, nesta oportunidade, a ausência de representação das Universidades responsáveis pela formação de arquivistas no Conselho Nacional de Arquivos. Seja qual for a definição de política nacional de arquivos que venha nortear as deliberações deste Conselho, sua implementação encontra-se diretamente vinculada à formação de recursos humanos e à pesquisa científica na área de Arquivologia. Ainda que se considere as críticas de outros teores do Conselho Nacional de Arquivos, a ausência de representação da Universidade neste órgão constitui uma lacuna que não faz jus à trajetória e perspectivas do ensino arquivístico no Brasil.
Solicito, portanto, que entre as recomendações deste Congresso figure a de que um representante das Universidades, responsáveis pela formação arquivística, tenha lugar no Conselho Nacional de Arquivos. Este representante deverá ser sugerido ao Presidente do Conselho Nacional de Arquivos através de lista tríplice, resultante de eleição entre seus colegas docentes. Em alteração no decreto do CONARQ esta representação deverá ser explicitada como referente as instituições de ensino superior incumbidas do ensino da Arquivologia no país .
Para finalizar, citando GADOTTI (1981, p.89), creio ser sempre oportuno lembrar que
“A educação é obra transformadora, criadora. Ora, para criar é necessário mudar, perturbar, modificar a ordem existente. Fazer progredir alguém significa modificá-lo. Por isso, a educação é um ato de desobediência e de desordem. Desordem em relação a uma ordem dada, a uma pré-ordem. Uma educação autêntica re-ordena. É nessa dialética ordem-desordem que se opera o ato educativo, o crescimento espiritual do homem. Precisamos de certa incoerência para crescer. Educar-se é colocar-se em questão, reafirmar-se constantemente em relação ao humano, em vista do mais humano para o homem.”


BIBLIOGRAFIA
BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CANDOTTI, Ennio. Descencentralizar a universidade. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 4 ago. 1994. 1.cad., p.11.
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