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Date Posted: 10:24:43 06/15/02 Sat
Author: José Maria
Subject: Amor e ódio aos livros. Dois autores desafiam dogmas e mostram como a papirofobia pode ser uma bibliofilia disfarçada. Prazer da leitura nasce da liberdade e não da obrigação

Cláudia Nina


Subeditora do Idéias


EX-LIBRIS: CONFISSÕES DE UMA LEITORA COMUM
Anne Fadiman

Tradução Ricardo Quintana

Jorge Zahar, 162 páginas

R$ 23

PAPIROFOBIA: LEOPOLDO E A MONTANHA DE LIVROS

Susanna Tamaro

Tradução Y.A. Figueiredo

Rocco, 38 páginas

R$ 18

Da mesma forma que há diferentes maneiras de se aproximar de uma pessoa, há também diversas formas de se envolver com livros. Pode-se ter com eles uma relação cerimoniosa, tratando estantes como santuários, ou, pelo contrário, amar os livros de forma tão íntima e despudorada que tudo é permitido: dobrar orelhas, riscar as páginas e até cortar pedaços, uma heresia aos olhos dos bibliófilos tradicionais. Pode-se odiá-los num primeiro momento e cair de amores por eles logo depois. A bibliofilia e a papirofobia são os dois lados de uma mesma moeda.

É o que acreditam a escritora italiana Susana Tamaro, autora de um adorável livro infantil sobre um menino que odiava livros (Papirofobia: Leopoldo e a montanha de livros) e a jornalista americana Anne Fadiman, autora de Ex-libris: confissões de uma leitora comum, coleção de pequenos e deliciosos ensaios sobre sua relação de amor não-cortês com os livros desde a infância, quando costumava fazer castelos e outras construções com os volumes da biblioteca dos pais, cujo modelo era, não um templo sagrado, mas uma espécie de playground.

A família Fadiman reúne duas gerações de adoradores de livros. Anne e o irmão Kim cresceram rodeados por estantes que forravam todas as paredes da sala. O pai, escritor, e a mãe, jornalista, acreditavam que o modo cortês de amar os livros simplesmente não funcionava com crianças pequenas. Por isso, ensinaram os filhos a liberdade bibliográfica que, mais tarde, Anne descreveria com talento e humor em Ex-libris. O título vem do latim e significa ''livros de'', que fazem parte da biblioteca de alguém. O termo, apreciado por bibliófilos, era tradicionalmente inscrito com um selo ou carimbo nas páginas de abertura ou nas contracapas e remonta ao século 14.

Em pleno século 21, Anne fala de livros como quem revela os segredos de uma paixão rara. Tem um conhecimento profundamente erudito, que só mesmo quem viveu próximo à literatura desde pequena pode ter. Ela faz de Ex-libris uma espécie de diário de memórias e fala com emoção sobre a biblioteca do pai que ''abarcava todo o globo e três milênios'', e a da mãe, mais especializada em China e em Filipinas. Ao todo, somavam mais de 7 mil livros.

As estantes eram obras de arte em si mesmas, mosaicos que iam do chão até o teto. Ela e o irmão costumavam, secretamente, adivinhar detalhes da personalidade dos pais, inspecionando os títulos e, muitas vezes, saíam à procura de volumes eróticos.

Prazer da leitura nasce da liberdade e não da obrigação


CLÁUDIA NINA



Todo o esforço dos pais de proteger os ''olhos inocentes'' dos pequenos leitores está, portanto, condenado ao fracasso. Anne escreve: ''As estantes paternas são um local excelente para que adolescentes e material erótico se encontrem pela primeira vez. Isso não só facilita o acesso aos livros, mas os adolescentes aprendem que, apesar de incrível, seus pais também têm instintos sexuais.''
Essa mesma relação com os livros ganhou novas edições quando Anne se casou - naturalmente com um escritor. O primeiro capítulo refaz o momento solene em que ela e George também ''casaram'' suas bibliotecas. A autora descreve como foi penosa a doação das duplicatas e difícil a escolha de uma forma democrática de unir bibliotecas que durante muitos anos sobreviveram sozinhas. ''Depois de cinco anos de casamento e um filho, George e eu resolvemos finalmente que estávamos prontos para a intimidade mais profunda da fusão de nossas bibliotecas. Não estava claro, entretanto, como chegaríamos a um ponto comum entre sua abordagem tipo jardim inglês e a minha, mais para jardim francês'', escreve.

Anne, editora da revista The American Scholar, não fala apenas das bibliotecas de sua vida, mas também de todos os aspectos que circundam o mundo da leitura e da escrita - dedicatórias, sebos, canetas e máquinas-talimãs, computadores, e a relação de escritores célebres com todos esses elementos. Conta, por exemplo, a história de Paul O'Neil, que era casado, em ''monogomia feroz'', com uma máquina de escrever tão velha que não existiam mais fitas para ela. O'Neil, no entanto, insistia em rebobinar as antigas, pois jamais poderia escrever sem o talismã. A autora reflete ainda sobre como deveria ser incômodo, e também glorioso, escrever com uma pena. Mas o que acontecia no momento de uma inspiração súbita? Como fazer para não esquecer a palavra certa, a idéia maravilhosa que se teve? Anne conta a história de Sir Walter Scott, que estava caçando quando, de repente, surgira uma frase. Antes que ela desaparecesse, ele atirou num corvo, arrancou uma pena, fez a ponta, mergulhou-a no sangue da ave e ''capturou'' a frase.

Anne Fadiman também fala com refinado humor acerca do plágio no ensaio ''Nada de novo sob o sol''. Ela cita os livros de culinária, ''um mundo incestuoso'', onde todos copiam de todos, mas ninguém assume o crime. ''Acrescente um galinho de alecrim e a receita é sua'', escreve. Da cozinha, ela vai para contextos mais sérios. São os flagrantes de ''cleptomania verbal'', que podem ser perigosos. Ela diz: ''Se você nutre antipatias por aspas, se 'esquece' que a passagem eloqüente copiada no seu diário foi na realidade escrita por Flaubert; se você se engana acreditando que um galinho de alecrim verbal constitui uma transferência de propriedade, então você é um assaltante do intelecto dos outros'', escreve. Ela ressalta, porém, o perdão que se deve a plagiadores ilustres, que roubam mas transformam para muito melhor os originais, como Shakespeare, por exemplo.

Ao fim de Ex-libris, a autora deixa uma lista de sugestões de leitura de livros sobre livros. Um adendo importante que traz um charme ainda maior a esta interessante coleção de ensaios que tem um forte apelo juvenil, pois mostra como Anne se tornou leitora e como os livros entraram na vida de seus filhos de uma forma natural sem traumas ou obrigações.

No caminho oposto - da bibliofagia à bibliofobia - está o infantil Papirofobia: Leopoldo e a montanha de livros, de Susanna Tamaro. Fala de um garoto, o Leopoldo do título, que tinha ódio mortal a livros. Isso porque os pais, defensores de máximas, como ''ler enriquece'', ''sem livros não podemos ser felizes'' e ''ler nos torna diferentes'', não conseguiram transmitir ao filho, além da importância, o prazer da leitura. O garoto, que nunca havia ganho um tênis de corrida de aniversário e que só recebia livros, tinha uma estante entulhada deles no quarto. Mas nenhuma vontade de ler.

Até o dia em que, decepcionado depois de abrir o presente de aniversário de 8 anos - mais um livro! - ele resolve fugir de casa. No meio do caminho, encontra um velho cego que acaba lhe ensinando o que os pais nunca conseguiram: a vontade de saber o fim de uma história de aventura. Descobre ainda o mistério que fazia com que as letras pretas se transformassem num bando de formigas bêbadas na página do livro - o menino precisava usar óculos, coisa que a rigidez dos pais, na imposição da leitura a qualquer custo, impedia a todos de enxergar.

Enredo simples, mas importante para pais que têm dificuldade em transmitir o gosto pela leitura a seus filhos, Papirofobia faz um belo par com Ex-libris. Enquanto um mostra como do prazer de ler pode nascer liberdade de brincar à vontade noplayground das bibliotecas dos pais, o outro revela que nem sempre isso é fácil. Um aprendizado que tem nos livros sobre livros um ótimo começo.

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