VoyForums
[ Show ]
Support VoyForums
[ Shrink ]
VoyForums Announcement: Programming and providing support for this service has been a labor of love since 1997. We are one of the few services online who values our users' privacy, and have never sold your information. We have even fought hard to defend your privacy in legal cases; however, we've done it with almost no financial support -- paying out of pocket to continue providing the service. Due to the issues imposed on us by advertisers, we also stopped hosting most ads on the forums many years ago. We hope you appreciate our efforts.

Show your support by donating any amount. (Note: We are still technically a for-profit company, so your contribution is not tax-deductible.) PayPal Acct: Feedback:

Donate to VoyForums (PayPal):

30/04/24 19:05:51Login ] [ Contact Forum Admin ] [ Main index ] [ Post a new message ] [ Search | Check update time | Archives: [1]2345678 ]
Subject: Porque, meu amigo, se isso for impossível de realizar, a vida não tem sentido


Author:
Manuel Nogueira
[ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ]
Date Posted: 22/06/05 12:32:15
In reply to: Maria 's message, "A propósito do tenebroso comunismo" on 21/06/05 18:17:28

2005-06-21

O Julgamento de Álvaro Cunhal (1)

Correio dos leitores: De Manuel Nogueira o texto seguinte:

O meu insurgimento contra a injustiça desencontrou-se do comunismo quando ainda ia a tempo de acontecer alguma coisa entre os dois e, quando mais tarde se encontraram, a evolução das coisas tinha tornado impossível que se revissem um no outro.

Foi por causa disso que naquela tarde numa viagem de autocarro para El-Jadid em que o ar condicionado não funcionava e suávamos em bica, interrompi a nossa conversa com uma pergunta ao meu amigo marroquino:
- Porque é que és comunista?

Parecia-me irracional que, sendo um tipo inteligente, formado na Europa e tendo acompanhado a perestroika e o colapso dos sistemas do bloco de leste, que apesar de tudo permanecesse ainda teimosamente comunista.

A questão não era filosófica porque as críticas que se pudesse fazer a Marx-Engels-Lenine não lhe suscitavam nem oposição nem interesse. Politicamente reconhecia que, em muitos aspectos era verdade que os partidos revolucionários se tinham tornado no oposto daquilo que tinha sido o seu impulso original. Reconhecia os factos relativos à supressão das liberdades naqueles países com a mesma reprovação do que eu. Porém isso não riscava nem ao de leve a sua armadura de convicção.

Então, desta vez, depois de andarmos às voltas na conversa, como o nosso autocarro, que em vez de seguir uma estrada principal recta e direccionada, seguia como que erraticamente pelas mais secundárias estradas, sem pressa, de aldeia em aldeia, deixando adivinhar a custo a direcção do destino onde não havia meio de chegar, foi então, dizia, que lhe fiz aquela pergunta. Com uma vaga sensação de inconveniência, não por não me dizer respeito o assunto, porque, bolas, entre amigos não há essas coisas, mas porque para perguntar afirmei com toda a certeza coisas que ninguém tem nem pode ter certezas absolutas. Mas enfim, lá saiu a pergunta:

- Olha lá, porque é que tu és comunista se a utopia de justiça, igualdade social e tudo o mais entre os homens é impossível e nunca será realizável?

E ali estava o meu amigo marroquino, silencioso por um breve instante como a pesar bem as palavras, o olhar para o longe de fora da janela, fixo num ponto mais alto no horizonte para onde se dirigia a fita serpenteante da estrada. Talvez estivéssemos a chegar ao nosso destino. Pelo menos, o ponto no horizonte que se aproximava deixava adivinhar poder muito bem ser o forte português de El-Jadid. E ali estava ele despretencioso, sorriso sincero a responder-me muito calmamente:

- Porque, meu amigo, se isso for impossível de realizar, a vida não tem sentido.

E ali estava eu a chegar ao meu destino, julgo que meio sorridente também, sem concordar com nada de políticas, mas a entender. Calado por um momento sem pensar nada de especial acerca daquilo, porque se pensasse então é porque não estava completamente calado e eu estava calado até ao fundo e a viagem parecia mais fresca, talvez por já ser fim de tarde e o sol começasse a descer no horizonte por de trás do forte português para onde nos dirigíamos.

Não foi uma questão de ele ter tido razão. Sei lá se tinha. A questão é que não se tratava de se ter razão. Simplesmente aquilo tinha sido maior do que a nossa conversa. E eu entendi, calado até ao fundo entendi sem palavras e pareceu-me grande e certo qualquer coisa naquilo. Não mudei em nada a minha opinião sobre a incoerência de se continuar comunista depois das lições da história e da vida (se assim fosse ele teria tido razão), mas acredito que entendi muito bem e por isso não tinha nada a dizer.

E é por causa disso que quando o Álvaro Cunhal morreu tendo mantido a mesma postura até ao fim, sem concordar (até porque não se tratava disso), lembrei-me do meu amigo no autocarro a caminho de El-Jadid, e julgo que entendi.

Manuel Nogueira, no Expresso

[ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ]

Replies:
Subject Author Date
Não sei exactamente quando o Manuel Nogueira teve este encontroAna Maria22/06/05 23:38:00


Post a message:
This forum requires an account to post.
[ Create Account ]
[ Login ]
[ Contact Forum Admin ]


Forum timezone: GMT+0
VF Version: 3.00b, ConfDB:
Before posting please read our privacy policy.
VoyForums(tm) is a Free Service from Voyager Info-Systems.
Copyright © 1998-2019 Voyager Info-Systems. All Rights Reserved.