Subject: Retratos |
Author:
Eduardo Dâmaso
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Date Posted: 23/07/05 9:39:35
Retratos
Que justiça sobreviverá a casos como o da libertação de um homem condenado por duplo homicídio, depois de ter expirado o prazo máximo da prisão preventiva?
1 - Um homem condenado por duplo homicídio é hoje libertado por ter excedido o prazo máximo de 30 meses de prisão preventiva. E por que é que excedeu o tempo de prisão preventiva? Porque o seu processo andou de recurso em recurso até chegar ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Mais: não só foi esgotado o tempo de prisão preventiva, como o STJ considerou a decisão condenatória insuficientemente fundamentada e anulou o julgamento.
O cidadão em causa foi condenado a 25 anos (resultado de um cúmulo jurídico de duas penas de 16 e 19 anos pelas duas mortes) em primeira instância no Tribunal da Praia da Vitória, Açores. Recorreu, mas viu o Tribunal da Relação de Lisboa confirmar a pena. Voltou a recorrer e finalmente ganhou: o STJ considerou que o Tribunal da Relação deveria ter reconhecido que o acórdão da primeira instância "ao fixar a pena conjunta, não procedeu a uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que possam ter fundamentado a decisão". Do inquérito inicial até à decisão do STJ esgotou-se o prazo da prisão preventiva. Complicado? Nada! Apenas o retrato impiedoso de uma justiça fechada sobre si própria, lenta, burocrática, prisioneira de uma morosidade processual desligada de qualquer outra dimensão, e são muitas, que um processo tem.
Não está aqui em causa apenas a questão do garantismo. Uma justiça de um Estado de direito democrático tem de ser garantística, ainda que isso não signifique que não se deva rever o actual regime de recursos - bem pelo contrário. A pessoa condenada neste caso usou as regras da lei, como tantos outros o fazem diariamente. O que aqui é terrível é a imagem da total insensibilidade de um monstro burocrático a caminhar sozinho em direcção ao abismo. Foram desprezados os prazos, foram desprezadas as pessoas envolvidas, começando pelas vítimas e familiares acabando no próprio condenado - que, tendo em conta as razões da anulação do julgamento, bem pode ter todas as razões para o seu inconformismo com a sentença inicial -, foi desprezada a justiça em si, a sua realização e o seu indispensável prestígio aos olhos da comunidade. Como é possível um sistema de justiça não ser capaz de resolver, seja qual for o desfecho, um caso destes em tempo útil? E, a ser devidamente fundamentado o acórdão do STJ, como é possível que a Relação de Lisboa não tenha "reparado" na alegada fragilidade da decisão da primeira instância?
Com a vulgarização de casos destes, gerados mais por vícios de funcionamento do sistema, inquéritos demasiado longos, conflitos negativos de competências entre tribunais, deficiente fundamentação de sentenças, e menos pela complexidade jurídica dos processos, não há reforma da justiça que resista. É sobre isto que deveriam reflectir prioritariamente magistrados, polícias, Governo, funcionários judiciais e advogados, e porventura menos sobre os seus próprios umbigos. Perante estes casos, não há luta pela defesa das férias judiciais que resista.
2 - Também não há país que resista à "imensa satisfação e alegria" sentida pelo autarca Mesquita Machado com a demissão de Campos e Cunha das Finanças. Este é o mais genuíno sentimento do PS profundo perante qualquer linguagem política que não seja a sua... E um retrato também impiedoso da forma dominante de fazer política. Eduardo Dâmaso
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