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Subject: Correia de Campos o coveiro do SNS


Author:
Deputado Renovador Comunista
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Date Posted: 18/03/06 8:37:06

Intervenção do deputado João Semedo

Esta interpelação marcada pelo Bloco de Esquerda sobre política de saúde coincide com a passagem do primeiro ano do governo do Partido Socialista. Um ano é tempo suficiente para percebermos os eixos da política desenvolvida pelo ministério de Correia de Campos, para sabermos quem são os beneficiados e os prejudicados pelas suas decisões.

Um ano chega para percebermos a linha de rumo: o governo manda fechar, o povo passa a pagar, os profissionais aguentam e as mudanças de fundo continuam adiadas. Por este caminho, o SNS morrerá da cura antes de morrer da doença.
Sabemos que não são poucos nem pequenos os problemas dos serviços de saúde. De cada vez que o governo tropeça num problema a resposta é invariavelmente a mesma: o encerramento do serviço em causa, trate-se de uma maternidade, de um hospital ou de uma urgência. Se o problema está na maternidade, fecha-se. Se o problema é o hospital, fecha-se. Se é na urgência, fecha-se. Este ministério não é um ministério é uma comissão liquidatária.

Não defendemos que tudo o que hoje funciona mal ou menos bem se mantenha aberto. Certamente que há hoje serviços que não têm justificação nem utilidade. Muitos dos serviços que o governo se prepara para encerrar, precisam de mais meios humanos, técnicos e mesmo financeiros, para cumprirem as suas funções. E é isso que se exige que um governo faça.

O governo refugia-se e argumenta com os múltiplos pareceres e relatórios, como tudo se pudesse reduzir a uma questão de natureza exclusivamente técnica, insensível ao contexto local, à dimensão social, humana e tantas vezes dramática da prestação de cuidados de saúde e à necessidade de assegurar equilíbrio e solidariedade entre as regiões no acesso aos serviços públicos de saúde.

O sr ministro é ministro. É um político. Faz escolhas. Escolhas que devem ser tecnicamente esclarecidas, mas escolhas que afectam muitos milhares de pessoas. Se chegassem os técnicos não precisávamos de si.

Hoje é a maternidade que fecha, amanhã é o centro de saúde, mas entretanto o mesmo governo e a mesma política já acabaram com o posto de correios, a estação de comboios, a escola e o tribunal, deixando as populações entregues a si próprias. O Estado está em debandada.

Esta política contribui para a desertificação do interior e o esvaziamento das zonas menos desenvolvidas, dificulta a fixação nessas regiões e acentua as conhecidas assimetrias de desenvolvimento do país.

Para lá do Marão safam-se como podem os que lá estão.

O encerramento imediato de quatro maternidades e de mais cinco até ao final do ano – e a ameaça sobre outras cinco, com base em critérios e exigências que o governo não pretende fazer aplicar aos partos realizados em clínicas privadas, traduz a incapacidade do governo de encontrar outras soluções que não penalizem tão pesadamente as populações atingidas, nomeadamente, a definição de outros circuitos de referenciação das grávidas e parturientes, a mobilização de profissionais de outras unidades, o reforço e modernização tecnológica de alguns serviços.

Estamos perante uma liquidação total e o trespasse está à vista.

Receamos que tais medidas que visam apenas limitar custos, não venham a ser acompanhadas no futuro da indispensável requalificação dos serviços agora sobrecarregados, do reforço das equipas e dos equipamentos colocados à sua disposição e dos meios de transporte necessários para a pronta deslocação das grávidas.

É absolutamente fantástico que o governo venha dizer que estas decisões se destinam a garantir o princípio da livre escolha do serviço onde mulher grávida quer fazer o parto quando o encerramento das maternidades tem como imediata e óbvia consequência, a redução e limitação dessa possibilidade de escolha.

Dizer que ter menos aumenta as possibilidades de escolha já não é apenas demagogia política é a subversão da própria lógica.

Anunciou também o governo que está em preparação o encerramento das urgências de cerca de 60 centros de saúde, em grande parte situados em zonas do interior do país, e de reduzir as horas de funcionamento nocturno noutros centros de saúde, medidas que nalguns casos já foram concretizadas, com claro prejuízo para os utentes dessas unidades.

Mais uma vez a palavra de ordem é encerrar, encerrar, encerrar sempre.

O governo esquece-se que, para muitos portugueses, essa é a única porta de acesso aos serviços de saúde e que o fecho precipitado desses serviços vai deixar sem assistência um segmento muito numeroso da nossa população, sobretudo os mais idosos e carenciados, contribuindo também para entupir ainda mais as urgências dos hospitais distritais e centrais.
Só por razões de reduzir custos a qualquer custo, insensível às difíceis condições de vida de muitos portugueses, se pode perceber esta febre de encerramentos quando está em curso uma reorganização dos cuidados primários de saúde, através da criação das Unidades de Saúde Familiar, cujo objectivo número um é precisamente garantir o atendimento médico no próprio dia, resultado absolutamente essencial para pôr de pé um SNS de qualidade e proximidade, orientação – essa sim, que devia presidir às preocupações do governo.

É por isso natural o protesto popular que se ouve por todo o país, com o qual estamos solidários, e a exigência que defendemos e apoiamos de não mexer nos SAPs dos centros de saúde sem que sejam criadas alternativas reais ao nível das USF, implementadas as unidades básicas de urgência e garantida a devida articulação com a rede hospitalar de urgência e emergência.

Já conhecemos este velho hábito nacional de encerrar primeiro para criar depois, um dia mais tarde, talvez…

Por este andar, se esta política não for interrompida, o ministro da Saúde ficará para sempre conhecido, não como o ministro das inaugurações – como é desejo e vaidade de qualquer ministro mas, ao contrário, como o ministro fechadura, o fecha tudo do SNS.

Igual pressa não mostra o governo em atacar os estrangulamentos estruturais do SNS e que comprometem a sua capacidade de resposta aos problemas da saúde e da doença dos portugueses. Compreende-se: encerrar é mais fácil, mais barato e dá milhões.

De facto, onde se exigiam mudanças difíceis e políticas consistentes, onde era necessária a tal coragem de que tanta fala o dr. Correia de Campos mas que desbarata em questões secundárias ou menores, o que vemos da parte do governo é uma indisfarçável timidez e lentidão.

Sendo a falta de profissionais (particularmente de médicos e enfermeiros) um dos principais obstáculos ao desenvolvimento do SNS e à satisfação de todas as suas necessidades quer de cobertura territorial quer de especialidades médicas, não conhecemos qualquer plano do governo para de uma forma planeada e programada aumentar o número de profissionais que anualmente saem das faculdades e outras escolas das ciências da saúde.

Também não vemos nenhuma política para os internatos médicos que contribua activa e determinadamente para inverter a actual distribuição de médicos entre hospitais e centros de saúde, favorecendo a colocação na saúde pública e nos cuidados primários de saúde, sabendo-se como se sabe, que a rede da saúde pública está muitíssimo fragilizada e que a actual relação de 1 médico de família para cada 3 médicos hospitalares é uma grave distorção que não se vê em mais nenhum outro país da união europeia, impedindo o SNS de resolver o seu principal problema – o acesso aos cuidados primários de saúde. No que conta o ministro não faz.

Enquanto persistirem os obstáculos, as dificuldades, as demoras no acesso aos centros de saúde, não conseguiremos resolver definitivamente nenhum outro problema do SNS: a superlotação das urgências, a dificuldade de obter uma consulta de especialidade, as listas de espera para a cirurgia. Todas as soluções adiadas.

A política do medicamento resume-se à receita habitual: diminuir a comparticipação do estado e aumentar o valor pago pelo utente, através de um conjunto de medidas combinadas que vão da redução da percentagem à descompartipação total de um elevado número de medicamentos.

Mais uma vez, o governo não passa da espuma, da superficialidade.

Desta política não se pode queixar a poderosa indústria farmacêutica, contemplada com novo brinde. A pretexto da redução da despesa pública em medicamentos, o governo prepara-se para lhe entregar um chamado fundo de apoio à investigação proveniente dos milhões supostamente poupados pelo estado, para além da dedução dos encargos em investigação no cálculo da contribuição das empresas e da dedução fiscal em sede de IRC dessa mesma contribuição.
A voz grossa disfarça a política dócil.

Adiada ficou mais uma vez a prescrição por substância activa e não por marca, a criação de um formulário de medicamentos para o ambulatório, a reformulação de concursos e compras, as farmácias hospitalares – e até mesmo as farmácias sociais já foram deixadas cair pelo PS, a regularização dos pagamentos à indústria e às farmácias, pondo termo à acumulação dos juros de mora que asfixiam as contas do SNS e forçando a queda dos preços praticados pela indústria.
Estas medidas, seriam certamente bem mais eficazes no controlo da despesa pública que os acordos estabelecidos pelo governo com a indústria, tanto mais que estes deixam para futura discussão os medicamentos que mais pesam na despesa: os oncológicos, os utilizados no tratamento da SIDA e outros habitualmente designados por medicamentos especiais.

As listas de espera para cirurgia continuam a crescer e o que falta em informação e transparência no sistema sobra em confusão. É conhecida a afirmação do senhor ministro Correia de Campos que isso não é motivo de preocupação, conforme declarou publicamente em Junho do ano passado. Talvez por isso, as listas de espera tenham hoje mais 42 mil utentes que à data da sua tomada de posse. São hoje 242 mil cidadãos à espera de serem operados, dos quais perto de metade esperam há mais de doze meses.

Se, o que preocupa o sr. Ministro da Saúde, não é a extensão das listas de espera mas o tempo de espera – como também disse na mesma ocasião, então não se compreende que não estejam já aprovadas, publicadas e aplicadas as tabelas dos tempos de espera aceitáveis para as várias patologias cirúrgicas.

Na sequência desta interpelação, o BE assume o compromisso de apresentar uma iniciativa legislativa com vista à definição dos tempos de espera aceitáveis. Se o sr. ministro não faz, fazemos nós.

As listas de espera crescem porque a produção cirúrgica dos hospitais, as cirurgias programadas e de rotina, continuam a baixar, sem responder em quantidade e em tempo útil às necessidades dos doentes admitidos.

Este é também o resultado de uma política de contenção da despesa hospitalar que tem como pressuposto e exigência a diminuição da produção assistencial dos hospitais do SNS.

O orçamento da saúde para 2006, da inteira e exclusiva responsabilidade do actual governo, está nivelado pela despesa efectiva do ano passado, admitindo o próprio ministro que este ano “ a saúde viverá com uma ligeira folga” e como tal confiando que conseguirá evitar a habitual derrapagem orçamental.

Não nos parece que isto venha a ser assim. Na realidade, as verbas atribuídas aos hospitais são insuficientes para custear a produção e são muitos os hospitais que reclamam a revisão da dotação que lhes foi atribuída ou que estão em risco de não disporem do dinheiro suficiente para continuar a prestar assistência aos seus doentes e muito menos para atender novos doentes.

Na realidade, o governo não resolveu o crónico problema do sub-financiamento dos hospitais e do SNS. Aprovou e impôs um orçamento cuja viabilidade obriga à diminuição da actividade dos hospitais.

Há hospitais que não se queixam. São exactamente aqueles que constituem as grandes apostas do sr. ministro, os hospitais escolares de Lisboa e do Porto, respectivamente o Santa Maria e o São João. A esses não faltou orçamento nem para as despesas correntes nem para investimentos.
Não que não necessitem dessas verbas, tal o estado de degradação a que chegaram e a dimensão que têm. Mas não podemos deixar de sublinhar a coincidência de serem exactamente esses hospitais, o São João e o Santa Maria, aqueles para os quais o sr. Ministro admite entregar ao sector privado a exploração de alguns serviços, incluindo de natureza clínica, como são os casos da radiologia e das análises clínicas.

Com os hospitais SA e agora com a sua nova versão EPE, generalizaram-se os contratos individuais de trabalho sem que tivesse avançado a contratação colectiva ou os acordos de empresa englobando as várias carreiras. Em consequência, na mesma unidade hospitalar há profissionais que apesar de exercerem as mesmas funções e de apresentarem a mesma diferenciação, usufruem de condições contratuais e remuneratórias distintas, os vinculados à administração pública e os sujeitos a contrato individual de trabalho, isto é, trabalhadores de primeira e de segunda. Como é fácil de imaginar o resultado não podia ser pior.

Mas, não foram apenas os contratos individuais de trabalho a introduzir estas e outras distorções. O estatuto dos hospitais empresa criados pelo ministro Correia de Campos – vulgarmente conhecidos por EPE, no que se saldou por uma dispendiosa operação de cosmética dos hospitais SA destinada a convencer os portugueses que assim ficava blindada para todo o sempre a sua entrega ao sector privado – o que na realidade será sempre possível se for essa a intenção de qualquer governo, deu a esses hospitais alguns instrumentos de gestão de que não dispõem os outros hospitais, nomeadamente, no que respeita à contratação de profissionais.
O que está a acontecer, sobretudo com médicos e enfermeiros, é a fuga desses profissionais para os hospitais EPE, atraídos pelas melhores condições salariais oferecidas por estes, esvaziando os hospitais do tradicional sector público administrativo cuja actividade em certas valências fica assim comprometida e em risco de encerrar.

O Estado faz assim concorrência desleal a si próprio, criando hospitais de primeira e de segunda.

Esta situação é grave porque impede qualquer planeamento da distribuição dos recursos humanos no SNS, sobretudo dos médicos. Pelo contrário acentua o traço de irracionalidade e anarquização que vem caracterizando a forma como se distribuem os médicos e outros profissionais de saúde, problema que tem condicionado muito seriamente o desenvolvimento harmonioso dos serviços de saúde em Portugal.

Não seria difícil ao governo resolver este problema. Bastaria simplesmente atribuir a todos os hospitais os mesmos instrumentos de gestão. Mas pelos vistos, o governo prefere esta “competição gerida” se bem que se mostre incapaz ou desinteressado de a gerir, apesar das suas nefastas consequências.

Ao governo, em matéria de gestão do SNS e em particular no que se refere aos hospitais falta energia, imaginação e também ousadia em acreditar e confiar nas potencialidades da autonomia organizativa, funcional e de gestão dos serviços pelos seus profissionais. Ao contrário do esperado, desejado e anunciado, a conversão dos hospitais em EPEs traduziu-se no reforço dos tiques centralistas do ministério, quando o caminho é o de avançar para a organização dos serviços hospitalares com base em centros de responsabilidade integrada, como aliás está há muito previsto na lei.

Nem mesmo a iniciativa revelada pelos médicos de família quer no arranque do Regime Remuneratório Experimental quer presentemente na criação das Unidades de Saúde Familiar, é suficiente para despertar a equipa ministerial para modelos mais descentralizados na gestão do SNS.

Há um ano a expectativa era de uma profunda mudança, não apenas nas formas de gerir o SNS, mas sobretudo na concepção e no modelo organizativo e funcional do SNS e dos seus serviços. Um SNS de proximidade, construído em rede a partir dos cuidados primários de saúde e da sua articulação com os serviços hospitalares, regionalizando a sua arquitectura através da criação e instalação dos Sistema Locais de Saúde.
Um ano depois, o que mudou foi muito pouco.

Estagnação na gestão, orçamentos insuficientes, instabilidade e desmotivação profissional, contribuem negativamente para a rotina de funcionamento das unidades do SNS e impedem a realização daquilo que constitui a sua missão: assegurar a prestação dos cuidados de saúde de que os portugueses necessitam. A responsabilidade é do governo.

A passo de caracol vai também o Plano Nacional de Saúde. Ao longo do ano, assistimos à tradicional dança de cadeiras, nomeação de novos coordenadores e comissários, à criação de mais comissões, grupos de trabalho e unidades de missão, muitos planos, projectos e programas. Mas quanto a medidas, o saldo é fraco. Promoção da vida saudável, educação para a saúde, despiste e diagnóstico precoce das doenças oncológicas, combate à tuberculose cujas taxas nos deviam envergonhar, prevenção da SIDA e de outras doenças de transmissão sexual, uma acção concertada para diminuir e limitar as doenças cardio e cérebro vasculares que continuam a constituir a principal cauda de morte em Portugal, nada disto parece estar na agenda do governo e o que foi feito não foi suficiente para vencer o atraso em que nos encontramos quanto a uma visão moderna do que é estruturante e determinante na definição de uma política para o país: a promoção da saúde e a prevenção da doença.

O balanço que fazemos deste ano é em resumo muito crítico. Não nos surpreendeu portanto que, no passado domingo, o engenheiro José Sócrates na longa e extensa pintura a cor-de-rosa que dedicou a este primeiro ano de governação não tenha tido uma pincelada para a política de saúde do seu governo. Certamente que não foi por falta de tinta.

Mas o balanço que fazemos não é apenas crítico. É de profunda preocupação quanto à natureza pública do SNS e ao contrato social que a Constituição da República consagra quanto à existência de um serviço público que garanta o direito à saúde a todos os portugueses.

Não entendemos como um deslize nem como um exercício académico para uma audiência de entendidos, as palavras do senhor ministro da saúde recentemente ditas sobre a possibilidade de introduzir significativas mudanças no actual regime de financiamento do SNS, no sentido de obrigar os portugueses a pagar ainda mais do que já pagam pelos cuidados de saúde que lhes são prestados.

Estamos atentos à anunciada comissão de especialistas para estudar precisamente a sustentabilidade e o financiamento do SNS.
E não vendo nós qualquer argumento válido para o aumento recentemente decretado das taxas moderadoras, na realidade mais multa que taxa, quer porque a receita que delas se obtém é irrisória face à dimensão do orçamento da saúde, quer porque já todos percebemos que elas só por si não moderam seja o que for. O que o governo pretende de facto é ir semeando na opinião pública, como se de uma fatalidade se tratasse, que está a chegar o momento de cada um pagar mais pelos serviços de que usufrui no SNS, chamemos-lhe copagamentos, princípio do utilizador pagador ou seguro público de saúde. Seja qual for o nome, o fim é o mesmo: quem quer saúde, pague-a.

Há sobre esta matéria um considerável e alargado consenso sobre a inconstitucionalidade dessas medidas. Mas o que queríamos sublinhar é que a mudança no sistema de financiamento do SNS não consta nem do programa com que o PS se candidatou às eleições legislativas nem tão pouco do programa do governo, pelo que consideramos totalmente inaceitável que o sr. ministro Correia de Campos pretenda fazer na saúde o mesmo que o primeiro ministro fez com o IVA. Para batota já basta.

Dispenso-me de recorrer, em abono da posição que aqui defendo de total e liminar recusa de qualquer desresponsabilização do estado pelo financiamento do SNS, das múltiplas declarações públicas e artigos de opinião assinados por destacados dirigentes do PS, seus camaradas de partido, publicados nos últimos dois anos: Jorge Coelho, Manuel Alegre, Maria de Belém, o próprio José Sócrates.

Seria um golpe fatal no SNS e no direito à saúde de que hoje beneficiam os portugueses, uma profunda mutilação do estado social.

Recusamos um SNS a duas ou três velocidades, um SNS para os pobrezinhos, outro para os remediados, já que certamente os ricos recorreriam a outras alternativas.

Um serviço público para os pobres, é sempre um pobre serviço público, condenado à extinção.
Desde que foi criado o SNS, muito mudou no panorama da saúde em Portugal.

O SNS apesar das suas deficiências afirmou-se aos olhos dos portugueses como o melhor dos serviços públicos de que dispomos. Em muitos indicadores de saúde estamos ao nível ou mesmo melhores que países mais ricos e desenvolvidos que nós.

A medicina privada, evoluiu na forma e cresceu em volume e presença. Dos então conhecidos barões da medicina resta apenas a memória. Hoje os barões da medicina são os grandes grupos económicos e financeiros, os seus bancos e as suas seguradoras.

Não há grupo financeiro que não detenha, esteja a construir ou projecte grandes unidades hospitalares e as mais variadas clínicas.

Em 2004 existiam 1 milhão e 400 mil de apólices de seguros de saúde e estima-se que esse número chegue no final de 2006 aos 2 milhões, o que significa que já hoje há muitos portugueses dispensam o recurso ao SNS.

Os grandes grupos financeiros ganharam dimensão própria, em grande parte à custa das políticas de asfixia do SNS e alimentados por apoios públicos directos ou indirectos, como acontece com as chamadas parcerias público-privadas que o ministro Correia de Campos teima em manter, apesar das mal sucedidas experiências da gestão privada de que é exemplar a prolongada trapalhada em que o estado se envolveu no hospital Amadora Sintra.

O SNS, a saúde dos portugueses é um negócio apetitoso, sobretudo no momento em que outros correm mal.

Ao ministro da saúde exige-se que saiba defender o SNS dessa voragem, desses apetites, e que recuse servir a iguaria às fatias como se prepara para fazer nos Hospitais de São João e de Santa Maria.

Há meia dúzia de dias, um jornal anunciava que um hospital procura um mecenas privado para o financiar. Os antigos santos padroeiros dos hospitais portugueses dão o seu lugar aos novos e modernos sponsors copiando o caminho seguido pelos clubes profissionais de futebol.

Se a moda pega, qualquer dia, teremos o hospital pediátrico Estefânia-Dodots ou a maternidade Júlio Diniz-Vichy produtos de beleza.

Já há demasiada promiscuidade entre público e privado no contexto do SNS. Retalhar o SNS é contribuir para a sua fragilização e inoperância, em favor do sector privado.

Com este rumo, em breve chegará o dia em que as regras serão ditadas pelos grupos financeiros. O SNS será um serviço residual, com funções assistencialistas para os pobres e excluídos.
Ao longo deste primeiro ano de governo, muitas vezes nos pareceu que o espírito do anterior ministro Luís Filipe Pereira sobreviveu à sua morte política e vagueia pelos corredores do ministério, inspirando aqui e ali os actuais inquilinos da João Crisóstomo.

Um socialista, o dr António Arnault, ficou para a história como o pai do SNS. Não queira dr Correia de Campos ficar conhecido como o seu coveiro.

Não foi certamente para isso que 2 milhões e 800 mil portugueses votaram no PS nas últimas legislativas.

16 de Março 2006

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