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Subject: Perda de bom senso político ou simples falta de vergonha?


Author:
José Manuel Fernandes (Público, 20.04.2007)
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Date Posted: 20/04/07 12:01:32

Não há mal nenhum em qualquer órgão de informação assumir uma orientação política. É até regra noutros países. Cabe pois perguntar se a TVI passará a ser tão próxima do PS como a Prisa é do PSOE. Se não é essa a intenção, é bom lembrar que também nos media o que parece, é.


A imprensa, e a comunicação social em geral, diferem muito de país para país de acordo com hábitos de consumo, quadros legislativos e os recursos ao seu dispor. Por exemplo: no domínio dos hábitos, aquela que em Portugal é hoje considerado a boa regra - a imprensa definir-se como independente e procurar, melhor ou pior, retratar a realidade de uma forma pluralista - está muito longe de ser comum na maioria das democracias ocidentais. Por razões várias impossíveis de explicar em poucas linhas, rádios, televisões e, sobretudo, jornais tendem a escolher uma linha editorial que não se distingue apenas por serem mais sensacionalistas ou mais sérios, mas decorre de assumirem um posicionamento político claro.
É isso que sucede na vizinha Espanha, onde se virmos alguém a comprar o El Pais temos uma boa probabilidade de estar perante um eleitor do PSOE, enquanto se estivar a comprar o ABC mais depressa será um conservador. De resto, as ligações entre os grupos de comunicação e governos ou oposições são indisfarçáveis ou mesmo formalmente assumidas, tendo ocorrido combates políticos ferozes, com intervenções governamentais na área dos media para favorecer ou para tentar destruir este ou aquele grupo. Uma dessas guerras opôs, há uns anos, a Prisa, proprietária do El Pais, a um governo de José Maria Aznar. Esses alinhamentos políticos não impedem que os produtos jornalísticos sejam de grande qualidade, como é o caso do El Pais, um dos melhores diários do mundo com quem o PÚBLICO mantém uma relação de colaboração e com o qual partilha serviços há mais de 16 anos.
A nossa regra, pelo menos na comunicação social privada, tem sido diferente e, mesmo tendo ocorrido situações em que se levantaram suspeições sobre a forma como algumas direcções editoriais eram substituídas, nunca aconteceu algo de parecido com o que, por estes dias, está a acontecer no grupo Media Capital.

Só os mais distraídos não perceberam, logo, que a vinda para Portugal da Prisa tinha um carácter diferente das entradas e saídas entretanto protagonizadas por outros grupos estrangeiros, pois a transacção havia sido do conhecimento do primeiro--ministro, que tivera reuniões com o responsável da Prisa, grupo que se distingue pela sua proximidade aos socialistas espanhóis. Escrevi então que, mesmo não acreditando em bruxas, lá acrescentava: "pero que las hay, las hay..."
Bruxas propriamente ditas ainda não apareceram, mas para já temos um "cardeal", Pina Moura, o ex-ministro de Guterres que se tem especializado na defesa de interesses de empresas espanholas e que manteve, até agora e sem corar, o seu lugar de deputado. Vai por fim abandoná-lo para presidir à Media Capital, dona da TVI, mas não vai sozinho. Com ele segue José Lemos, homem com credenciais muito especiais: esteve e ainda estava ligado à administração financeira do PS. Isto é, era um dos homens que tratavam das contas do partido.
No tempo em que muitas empresas de comunicação social pertenciam ao Estado e serviam os governos, era habitual assistirmos a escolhas como estas. Depois tudo mudou e não há dúvida que temos hoje (por enquanto) mais liberdade e pluralismo do que há 20 anos. Mas quando se assiste ao envolvimento do primeiro-ministro na compra de uma empresa portuguesa por uma empresa espanhola mas "amiga" do ponto de vista político e, menos de dois anos passados, vemos subir à sua direcção dois socialistas com as credenciais atrás referidas, então estamos perante um novo paradigma.
Mas não só: quando esta mudança ocorre num momento em que se discute se houve ou não interferências do executivo nas escolhas editoriais de algumas redacções, o que se passou mostra que ou se perdeu o sentido dos timings políticos, ou a doença de que Pina Moura padecia - a falta de vergonha - é mesmo muito contagiosa.
José Manuel Fernandes

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