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Date Posted: 10:00:17 05/18/07 Fri
Author: Adeilde Nunes (Boa tarde!)
Subject: Morangos mofados


Caio Fernando Loureiro de Abreu (1948-1996) nasceu em Santiago (antigo Santiago do Boqueirão), no Rio Grande do Sul, a 12 de setembro de 1948 e faleceu dia 25 de fevereiro de 1996, em Porto Alegre, vítima da AIDS.
Esse ano, após dez anos de falecido, suas narrativas surgem com força e encanto. Dedicou-se a maior parte de sua escritura à narrativa curta, preferencialmente o conto, estreando sua carreira como escritor com o livro O Inventário do irremediável em 1970. No entanto, em sua bibliografia constam obras de diferentes gêneros literários, como seus dois romances, o primeiro, Limite Branco, de 1970, e o segundo, Onde Andará Dulce Veiga?, de 1990; o livro infantil As Frangas, de 1988, e um livro de crônicas, publicado após sua morte, em 1996, denominado Pequenas Epifanias.
As narrativas curtas são, porém, a preferência do escritor, que, desde Inventário do irremediável, publicou O ovo apunhalado, em 1975, Pedras de Calcutá, em 1977, e Os Dragões não conhecem o paraíso, em 1988. Ainda no ano de 1988, surge a coletânea Mel & Girassóis, reunindo diversos contos do autor já editados em outros livros. Em 1995, é lançado Ovelhas Negras, e em 1996, após seu falecimento, Estranhos Estrangeiros.
Seu livro mais conhecido é Morangos Mofados publicado inúmeras vezes. Trata-se de um livro de contos que, entre mofos e morangos, passeiam suas obsessões por personagens quase sempre anônimas que vivem em grandes cidades e em direção a um palmo qualquer de luz. Ou de sombra.
A obra Morangos mofados, que conferiu a Caio Fernando Abreu reconhecimento nacional, configura-se como uma manifestação literária que representa anseios e perspectiva sociais de personagens que se deparam com a necessidade de fazer uma avaliação de seus próprios princípios político-ideológicos e projetos num período ainda marcado por repressão. Produzida num contexto autoritário, em que a censura e a perseguição política eram constantes, a obra caracteriza-se pelo estabelecimento de relações entre elementos de ordem sociopolítica e elementos de ordem estético-formal, sendo necessário verificar como tais relações contribuem para a singularidade e autonomia da obra e para a construção de sua crítica social.
A leitura de Morangos mofados, à primeira vista, parece não indicar sentido de unidade e significado totalizante: é algo que desconcerta a percepção do leitor, talvez não familiarizado com a literatura construída a partir de fragmentos. Este último termo sintetiza a construção da obra Caio Fernando Abreu, já que suas histórias, se analisadas separadamente, não remetem a uma unidade temática nem a uma unidade formal.
Em Morangos mofados o autor constrói os contos, explorando especialmente a posição do narrador ou a ausência dele, numa narrativa que é fragmentada e lacunar, densa e complexa. O autor filtra aspectos do contexto social e explora-os, apresentando uma revisão de valores, condutas e ideologias próprios dos períodos autoritários e de sociedades conservadoras. Ao questionar tais ideologias e posições preconceituosas marcadas por um pensamento conservador, a obra mostra a mediocridade e o preconceito de uma sociedade voltada para o culto de valores tradicionais, convidando o leitor a fazer parte das histórias e a tomar posição crítico-reflexiva em relação ao contexto e a posturas assumidas pela classe dominante.
Como seus personagens, Caio se sentia um estrangeiro eterno, irremediável, um estranho estrangeiro, sem paz fora da própria terra, incapaz de viver nela. Em quase todos os contos, o escritor aborda seus temas preferidos: o estranhamento, a solidão, a dor e o sentimento de marginalização. Seus personagens vão envelhecendo com ele: sempre jovens em Inventário do irremediável. Mergulhados no espaço contaminado da pós-modernidade sua narrativa representa seres degradados pelas drogas, paranóias, AIDS, esquizofrenia, desencanto, muita procura e muito desamparo.
A cidade é o cenário preferido dos seus personagens, que embora tratem de narrativas onde a temática social predomina, esta é filtrada pela interioridade das figuras humanas, que reagem de várias maneiras aos fatos. Por isso a literatura de tema urbano tende a aprofundar a análise da vida interior das personagens.
Assim, sua narrativa pode ser classificada de psicológica, porque enfatiza o prisma intimista com que os eventos externos são percebidos; e estes deixam de ter sentidos predominantemente social, para se confundirem com problemas do inconsciente, produtos de traumas pessoais e de relações insatisfatórias na infância ou em determinado momento da vida.
A literatura urbana de Caio incorpora ao espaço urbano novos significados, ampliando o repertório e o alcance da literatura, representando seres diversificados ou muitas vezes melancólicos.
Paralelamente ao trabalho de escritor, Caio ainda trabalhou como jornalista e dirigiu algumas peças teatrais. Recebeu vários prêmios durante sua carreia.
Sua escrita anti-epifânica (termo Olga de Sá em estudos sobre a narrativa de Clarice Lispector) revela o ser pelo seu avesso e procura atingir o leitor. Trata-se de um texto rápido, pictórico-fotográfico, sintético, que se quer icônico e cinematográfico, em que o encadeamento se processa como num jogo de cenas e em contínuos questionamentos. Um questionamento fragmentário sobre a linguagem, a conduta humana, a transcendência das coisas, os problemas existenciais, éticos e estéticos que nos envolvem na tarefa de viver.
Esse processo de hibridismo de linguagens, com pastiches da linguagem cinematográfica, presente na narrativa de Caio Fernando Abreu, vem se intensificando na literatura contemporânea, calcado agora não mais na simples reprodução, mas na proliferação da imagem eletrônica e só possível de se efetivar pela simbiose entre o mercado e os meios de comunicação de massa.
Sua escritura se fabrica pela montagem narrativa em partes, quebrada, deixando lacunas ao leitor, cortes na seqüência do texto, seguida de uma trama de referências.
Tudo faz lembrar O jardim das delícias, uma forma de montar textualmente o que Barthes apontou como a encenação de um aparecimento-desaparecimento ou uma escritura repetida a todo transe, ou ao contrário se for inesperada, suculenta por sua novidade.
A leitura de seus contos proporciona o enigmático, o silêncio percebido como trágico, e o cinema que ganha representações nos imaginários dos personagens e na linguagem entrecortada, como a narrativa cinematográfica. Apesar dos diálogos tudo caminha para uma grande ausência do silêncio – como algo que deveria ser dito e ficou perdido, escondido na trama verbal.
Enfim, no reino de Eros a narrativa finissecular de Caio, como no filme A Morte em Veneza, baseado na obra homônima de Thomas Mann, testemunha e recupera a sensibilidade, assim como a angústia diante de um mundo que não atende às suas necessidades existenciais, atirando o homem de seu tempo à marginalidade e à transgressão.
No orkut, as quatro comunidades sobre o autor somam 4.600 membros -todos hipnotizados pelos labirintos narrativos da escritura pós-moderna de Caio Fernando Abreu.
Talvez seja o magnetismo narrativo movido pela mágica e pelo silêncio que seduz o leitor sensível na tentativa de encontrar o espinho que atravessa a carne do texto, tudo num cuidado muito especial na pista escorregadia da linguagem.

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