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MIGUEL PORTAS-DN 13/6/2002
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Date Posted: 05:01:50 06/18/02 Tue
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MIGUEL PORTAS
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Miguel Portas
Tristes utopias
A extrema-direita já está a ganhar. A ideia de que a melhor forma
de a combater é ficar parecido com ela é uma perigosa ilusão.
A lei de imigração apresentada pelo governo dá o pior sinal neste
sentido: expulsar os que não estão legalizados, dar às autarquias
o poder de decidirem o número de imigrantes que as empreitadas
dos seus construtores exigem e manter a dependência da
legalização à existência de um contrato de trabalho. Ou seja,
deixar desarmado quem trabalha sem contrato e ainda não
conquistou direitos, aumentando assim o poder dos
empregadores sem escrúpulos. O governo diz que deixa entrar
27 mil depois de expulsar os 40 mil imigrantes que se encontram
por legalizar. Isto quando as associações empresariais
reconhecem precisar de mais cem mil. A verdade é que as metas
definidas terão como resultado o aumento de clandestinos a
trabalhar em Portugal.
Vitalino Canas, deputado do PS, já demonstrou abertura em
relação à nova lei, e lembrou, orgulhoso, que a lei aprovada pelo
antigo governo não só era restritiva como até foi elogiada pela
extrema-direita europeia, Le Pen incluído. Difícil melhor cartão de
visita...
Agrada-me a ideia de todos poderem livremente decidir onde
querem construir as suas vidas e de ninguém ser refém da
miséria em que nasceu. Se neste mundo tudo se move, porque
não se hão-de mover as pessoas? Contudo, não existem, em
plano estritamente nacional, condições para que uma política sem
qualquer tipo de estabelecimento de canais legais possa
funcionar sem efeitos perversos.
Entre esta constatação e o que a direita propõe para a Europa há
um abismo. Ser cidadão exige horizonte, poder de planear o
futuro. Se um imigrante não pode comprar casa, se não pode
reconstruir a sua vida, se não pode ter revezes, como todos nós,
sem que o fantasma da expulsão logo surja, como podemos pedir
que aqui vivam com laços sociais fortes?
Não vale a pena termos ilusões: não é possível viver dignamente
em fortalezas rodeadas de miséria por todos os lados, e querer,
simultaneamente, estar ao abrigo dos riscos. Os imigrantes vão
continuar a entrar, por mar, terra ou ar, onde quer que se abra o
buraco de uma agulha. A sobrevivência é sempre mais forte do
que o controlo. A direita que pensa que pode ser diferente, vive
numa utopia, numa triste utopia.
A chave de uma moderna política de imigração passa por
encontrar as formas legais de se entrar e poder estar com
direitos, no quadro de uma gestão de fluxos migratórios que tem
de ser encontrada a nível europeu e obrigatoriamente ligada ao
apoio ao desenvolvimento. A Europa não está cheia. Está mesmo
a ficar vazia. Faltam trabalhadores, faltam crianças na escola,
faltam até os contribuintes para a segurança social. Os imigrantes
permitiram um aumento sustentado das contribuições para a
segurança social no ano passado.
Para criar condições de integração, o Estado tem de manter uma
relação com quem chega e combater as mafias que vivem da
clandestinidade. Só se integra quando se legaliza. Ou o Estado
olha para a imigração como mais um facto social que tem de
acompanhar ou o trata como um problema social que tem de
combater. Entre as duas atitudes reside toda a diferença.
Há soluções: legalizar quem cá está, combater e punir os que
enriquecem à custa de um trabalho escravo e permitir aos
imigrantes que se inscrevam, no países de origem, nos
consulados portugueses para que se decida quem tem prioridade,
segundo critérios sociais e não de origem étnica. Os acordos
bilaterais são perversos porque privilegiam não quem mais
precisa mas os que são "mais adaptáveis". Esta selecção já está
a produzir os seus resultados em Espanha: uns, louros e
cristãos, são chamados para que outros, mais morenos e com
uma "cultura esquisita", sejam dispensados.
Pacheco Pereira, depois de olhar pela janela da sua casa belga,
reparou que "quando encerra uma loja portuguesa ou grega, abre
uma árabe". E avisa: "a Europa não tem capacidade de integrar
emigrantes como o melting pot americano". "O problema novo que
traz a emigração oriunda do mundo árabe é que ela transporta
uma forte componente cultural alternativa", continua, avisando
que os árabes "estão condenados a permanecer num limbo entre
dois mundos", ou seja: "uma receita para o desastre". Para quem
criticou Paulo Portas, a aproximação de Pacheco Pereira aos
argumentos de Pim Fortuyn é no mínimo pouco católica...
Vamos esquecer que em Portugal nem é a imigração árabe que
está em causa. Vamos imaginar que alguma comunidade tem essa
resistência extrema e a capacidade de, não dominando nem a
economia nem as formas de criação e divulgação cultural, impor a
sua cultura. Vamos aceitar ainda que se pode fazer esta
generalização, a mesma que, de forma perigosa e que me
espantou, Jorge Sampaio fez na sua intervenção de 10 de Junho,
ao afirmar que "não podemos dar direitos políticos a minorias que
recusam os nossos valores". Não fica claro quais sãos estas
minorias - incluirão alguns portugueses? - e não entendo como
podemos exigir obrigações a quem não damos direitos. Vamos
então imaginar isto tudo e eu pergunto: e então, o que querem
fazer?
O conflito com o estranho é a história da Humanidade. A mistura
de culturas "incompatíveis" é difícil mas sempre foi o único
caminho. As cidades não são mais do que isso. Os camponeses
e as suas hortas. Os imigrantes e as suas comidas. Os
estrangeiros e o seus cheiros. Os de fora e o seu comércio. Os
conflitos e os seus perigos. Ou vivemos com isto, ou voltamos a
aldeias puras, onde os forasteiros não têm lugar.
Mesmo que a escolha seja difícil, ela já está feita. Façamos então
tudo para que as coisas aconteçam com a menor sofrimento
possível e com a maior generosidade que nos reste.
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