| Subject: INTOLERÁVEL |
Author:
Cipriano Justo
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Date Posted: 23:09:27 07/24/02 Wed
Está consumada a aplicação de sanções a três comunistas. A direcção do PCP optou pela repressão securitária para resolver problemas partidários, quando tinha à sua disposição outras alternativas mais concordantes com a ética e a prática comunistas: a discussão ideológica. A uma questão de índole exclusivamente política os dirigentes comunistas decidiram puxar dos estatutos e brandi-los freneticamente, urbi et orbi, como se de uma espécie de manuscritos do Mar Morto se tratassem, declarando expressamente a quem ainda duvidasse dos seus propósitos de sempre: se continuas a ter opinião própria, se não estás disposto a voltar à ortodoxia e a retomar os "laços de fraternidade e camaradagem" estatutários, resta-te a via das chamas.
Fica por esclarecer, mas não tarda que o tempo se encarregue de o dizer, até onde está disposta a ir a direcção do PCP. Dez expulsões? Cinquenta expulsões? Cem expulsões? Ou estarão os dirigentes convencidos de que com as sentenças de 18 de Julho fica resolvida esta grave crise partidária? Depois dos lamentáveis desempenhos que têm demonstrado - derrotas eleitorais, deserção do combate político, ausência de objectivos partidários, exclusão de militantes -, o que falta ainda para que os dirigentes comunistas se convençam de que devem colocar os seus lugares à disposição dos militantes, antecipando-se o XVII Congresso por forma a discutir-se tudo e começar-se a resolver a querela partidária num ambiente menos perturbado e mais transparente, tendo em vista a integração de todos os comunistas na actividade político-partidária? Ou será intenção da direcção, imitando velhos rituais purificadores, desenvolver um processo mais subterrâneo, o da refiliação partidária, eliminando administrativamente todos aqueles que constam das listas dos vários abaixo-assinados e os autores das mais variadas tomadas de posição públicas a favor do reforço da intervenção política do seu partido? Uma coisa me parece certa. O PCP nunca mais encontrará estabilidade e confiança internas enquanto os três comunistas agora sentenciados não regressarem de pleno direito ao seu partido, não se realizar a assembleia magna de todos os comunistas, não se proceder à substituição da direcção, não se definir uma estratégia política que altere o actual estado de catatonia partidária, não se modifiquem os estatutos e não se aprovar um programa que actualize, desenvolva e aprofunde as soluções para os antigos e os novos problemas da sociedade portuguesa.
Pela maneira como as coisas lhes estão a correr, pressinto que os dirigentes do PCP calcularam mal a extensão e a profundidade do mal-estar que se foi acumulando entre os militantes, planeando ainda pior e mais desastradamente a resposta à situação. Pensando que era mais uma deriva social-democrata nuns casos, esquerdista, noutros, provocatória, sempre, que se resolveria com a decapitação de uns quantos "promotores". Presumo que ainda mantêm essa análise, pela maneira como têm gerido esta situação. O que revela a completa incapacidade de, mais uma vez, olharem para além do seu nariz. Que, quais pinóquios, nem o investimento nunca antes colocado na divulgação e mobilização para a festa do Avante! conseguirá tornar mais curto. Pelo contrário. Porque será impossível aos militantes, sempre que a direcção do PCP subir ao palco para lhes dirigir a palavra, não olharem para ela e não verem à cintura de cada um dos seus membros as cabeças de três militantes comunistas. Prova de uma longa mentira que lhes andaram a contar nestes últimos tempos. A mentira de que a direita era um tigre de papel, de que não era preciso fazer-lhe frente porque estava destroçada, e que não havia uma saída pela esquerda, quando se tornou óbvio quem iria ganhar as eleições. Simbolicamente, as cabeças desses três militantes são a evidência de que havia uma reserva de vontade de combater e derrotar a direita nas eleições de 16 de Dezembro e de 17 de Março, mas que isso só não aconteceu porque os dirigentes do PCP cometeram graves erros de análise ao fecharem-se sobre a estreiteza do seu sectarismo. E que, se hoje os trabalhadores se confrontam com uma das ofensivas mais radicais da direita, foi porque na altura o mais importante era eleger o Governo do Partido Socialista como inimigo principal, na ilusão mesquinha de que iriam sobrar alguns votos para os lados da Soeiro Pereira Gomes. De facto, estes dirigentes não aprenderam nada com a história. Será para caucionar esta calamidade partidária que a Festa do Avante! servirá este ano. E, se as coisas corressem de feição, para legitimar mais calúnias, mais processos administrativos e mais exclusões.
Neste labirinto de erros, alçapões ideológicos e incompetência política o que a direcção do PCP exigia dos militantes que não se quiseram submeter à teoria dos factores externos para explicar o seu desempenho desastroso, era que não cumprissem com o seu dever de militantes e que actuassem ao arrepio da sua condição de comunistas. Não compreendendo que a revitalização do partido e o combate à direita não se faz tendo como referência as paredes dos centros de trabalho ou os estatutos partidários, mas as ideias, os métodos e os objectivos, mesmo quando se torna necessário discuti-los à margem ou apesar dos estatutos. Os estatutos, quaisquer estatutos, não passam de um conjunto de regras transitórias que servem de elemento aglutinador de uma organização, úteis enquanto facilitadores do seu desenvolvimento e consolidação. No momento em que essa organização deixa de cumprir a sua missão e entra em trepidação estratégica por razões imputáveis à sua liderança, os seus membros têm toda a legitimidade para intervir e actuarem de acordo com a sua consciência, porque é essa a base material da ética revolucionária.
Não passa um dia sem que, do Minho ao Algarve, os dirigentes do PCP não sejam confrontados com o estado deplorável a que estão deixar chegar o partido. A onda de descontentamento é generalizado. As demissões sucedem-se. Instalou-se um clima de indignação entre muitos responsáveis locais. Já não chega a calúnia diariamente lançada sobre comunistas insubmissos para os convencer da bondade de propósitos dos dirigentes partidários. Por isso, e apesar de poder parecer paradoxal, hoje, para melhor combater a política de direita e começar a construir uma alternativa democrática onde confluam todas as forças de esquerda, impõe-se mais do que nunca, ter-se a ousadia de antecipar a convocação do XVII Congresso. É essa, uma vez mais, a minha proposta. Esse é um objectivo estratégico a ser reclamado por todos os militantes. Se os dirigentes do PCP o não fizerem, mais cedo do que tarde terão de explicar aos trabalhadores os motivos da sua capitulação perante a agressão neoliberal do Governo do PSD/CDS.
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