Subject: "destruir" o Estado é tão infantil como querer tomar conta dele e actuar como se fosse eterno |
Author:
Ângelo Novo
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Date Posted: 16:01:34 12/28/03 Sun
In reply to:
paulo fidalgo
's message, "querer "destruir" o Estado é tão infantil como querer tomar conta dele e actuar como se fosse eterno" on 17:39:39 12/27/03 Sat
>1 - não conheço o texto aqui citado
Suponho que provêm do site da revista 'Política Operária'. Pelo estilo, é claramente do Francisco Martins Rodrigues e serve de introdução ao livro do Tom Thomas recentemente traduzido e editado com o título 'O Estado e o Capital - o exemplo francês', Dinossauro, 2003.
>3 - a recupareção da tradição libertária do marxismo
>(e do leninismo) é a meu ver também crucial como
>resposta comunista ao liberalismo que acena com a
>mistificação do menos estado mas realmente o que
>procura é a sua sobrevivência noutros moldes.
Este livro do Tom Thomas é uma nova regeneração da teoria marxista do Estado, à luz da realidade política e das doutrinas actualmente hegemónicas na esquerda francesa.
Não é mais nem menos "anarquista" que 'O Estado e a Revolução' de Lenine.
>4 - mas acho muito perigoso, nesse exigente esforço de
>recuperação e renovação do núcleo libertário do
>marxismo, dar-se divulgação a conceitos ou expressões
>que reabilitem o anarquismo digamos "vulgar". Elaborar
>o programa marxista para a transição e o papel que o
>Estado, nas suas funçõos políticas e sobretudo
>económicas devem assumir, é uma coisa. Outra é
>simplificar-se tudo e voltar às consignas
>anarquistas...
Nem o Tom Thomas nem o Francisco têm costela anarquizante. São leninistas de velha escola, ambos com passagem pelo maoismo. O Francisco foi o seu introdutor em Portugal, na altura da cisão sino-soviética, e desde então é a mais constante voz de crítica de esquerda à linha que Álvaro Cunhal imprimiu ao PCP.
O Tom Thomas passou por um grupo que se chamava 'Gauche Proletarienne' mas cansou-se de discussões sectárias e hoje, politicamente, vive, estuda e pensa pela sua cabeça isolada, tendo vindo a acumular uma obra teórica notável desde o final dos anos 80.
A questão não é destruir o Estado, é destruir o Estado burguês. O aparato político de domínio de classe do proletariado não pode ser o mesmo que serviu para o domínio de classe da burguesia. A democracia proletária não pode exprimir-se pelas mesmas instituições que foram a voz e o braço da democracia dos patrões. É isto. É simples. Parece evidente. Mas tem que estar sempre a ser relembrado, geração após geração.
Fazendo um esforço de contextualização nacional da crítica do Tom Thomas, ela aqui visaria de chofre o PCP, mas também o BE. Como eu conheço mal a literatura teórica dos bloquistas (supondo que têm alguma com um mínimo de coerência), vou ficar-me pelos primeiros.
A linha estratégica do PCP é rigorosamente a mesma desde o final dos anos 60, pelo menos. Ela entronca, naturalmente, na doutrina da "coexistência pacífica" e numas teorizações originárias do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado (cf. Paul Boccara, 'Estudos sobre o capitalismo monopolista de Estado', Estampa, 1978), que depois vieram desembocar no "programa comum" com o PS de Mitterrand.
É daí que vem o conceito de "democracia avançada".
A ideia (em traços gerais) é que o capitalismo monopolista tende naturalmente a acobertar-se com a regulação do Estado. É, por assim dizer, uma inevitabilidade histórica e um processo de transição suave e gradual.
A social-democracia keynesiana vai criando um parque industrial nacionalizado e uma tecno-burocracia estatal cada vez maior e mais interventiva, na regulação económica e no abastecimento público. No fundo, caminha pelos seus próprios pés para juntar-se ao modelo soviético. E os partidos comunistas ocidentais devem ajudá-los nesse caminho.
A União Soviética já se afundou, juntamente com todo o bloco das "economias socialistas". A ofensiva neo-liberal (com início em 1979, + ou -) desmantelou todos os mecanismos de regulação pública da economia, privatizou até serviços e bens do domínio público essenciais.
Mas o PCP continua, por inércia teórica, insensível aos ventos insensatos do mundo, sempre rumo à "democracia avançada", agora "no limiar do século XXI". Só que, agora, se por desgraça chegasse ao governo em "maioria de esquerda", era para completar o programa neo-liberal: mais privatizações, entregar a segurança social às seguradoras, mais flexibilização laboral, etc.
Se Àlvaro Cunhal assistisse, em vez daquele movimento vigoroso com os antebraços que ele fazia, a assinalar mais conquistas, novos avanços democráticos, só tinha a registar mais retrocessos, mais concessões, mais capitulações.
Porque se esqueceu a questão do PODER. Quem tem o poder? De quem é este Estado e esta democracia? É essa a questão essencial, com qual temos que reaprender a lidar constantemente.
Ângelo Novo
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