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Subject: «Tiraram-nos tudo, já não temos nada a perder!»


Author:
Silas Cerqueira, Avante, 24/06/04
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Date Posted: 21:02:00 06/25/04 Fri

«Tiraram-nos tudo, já não temos nada a perder!»
1.ª Conferência de Solidariedade com a Resistência do Povo Iraquiano

– Entrevista com Silas Cerqueira, Avante, 24/06/04

No dia 1 de Maio de 2003, George W. Bush anunciava, a bordo do porta-aviões Abraham Lincoln, o fim dos combates convencionais no Iraque e o início de um novo ciclo político e social para o país e para o povo. Contrariamente às expectativas forjadas e ao espectáculo e manipulação mediáticos sem precedentes, o império não logrou a simpatia das massas populares iraquianas, massacradas por toneladas de «bombas cirúrgicas» e despojadas das mais elementares condições de vida.

A «coligação» militar que sob comando americano ocupa o Iraque, enfrenta desde então a crescente e tenaz resistência do povo iraquiano contra a ocupação da sua terra e a pilhagem dos seus recursos. A reposta ao neocolonialismo norte-americano e britânico foi, é e continuará a ser o digno combate pela independência e soberania.
Foi neste contexto que se realizou, em Paris, no passado dia 15 de Maio, a 1.ª Conferência Internacional de Solidariedade com a Resistência do Povo Iraquiano.
Para perceber importância e significado da iniciativa, o Avante! falou com o Professor Silas Cerqueira, que ali participou em representação da Organização de Solidariedade dos Povos Afro-Asiáticos.

Avante!: Como é que surgiu a ideia de reunir a 1.ª Conferência Internacional de Solidariedade com a Resistência do Povo Iraquiano?

Silas Cerqueira: O encontro foi dinamizado por um conjunto de intelectuais e sindicalistas anti-imperialistas de França, Espanha, Itália e patriotas iraquianos de forma quase expontânea, mas que correspondia à necessidade de apelar à solidariedade democrática internacional com todas as forças empenhadas na resistência à ocupação americana.
Antes da Conferência, o Comité organizador, no qual estavam personalidades como o intelectual iraquiano Subhi Toma ou o filósofo francês Georges Labica, recebeu um milhar de adesões e mensagens de personalidades e organizações progressistas incluindo partidos comunistas, entre os quais o PCP.
Participaram, entre outros, a Federação Geral de Sindicatos da Síria, Partidos comunistas como o de Cuba ou a Refundação Italiana, numerosos movimentos e organizações da Europa, da América Latina, de África, etc.
Enviaram mensagens personalidades como o ex-presidente argelino, Ben Bella, o general Vasco Gonçalves e muitas mais.
Foi importante a presença dos iraquianos, com destaque para o presidente da Aliança Patriótica Iraquiana (API), Jabbar Al Kubeissi. Acabado de regressar de Bagadad e Fallujah, fez uma intervenção de fundo e contou o que tinha vivido nessas cidades.

Foi então possível fazer o balanço do que se passa no terreno e ouvir alguns testemunhos?

Sim, eles fizeram-nos o ponto da situação e relataram a solidariedade das populações com aquela luta heróica, por exemplo em Fallujah e Nadjaf, cidades a que as pessoas voltavam para ajudar a resistência com comida, mantimentos, munições.
Isto é, a resistência não se reduz a um grupo de sobreviventes do antigo regime como inicialmente foi propagandeado. Claro que há forças próximas de Saddam Hussein que até reivindicam a sua libertação, mas sobretudo existe uma resistência de massas, popular, com grande variedade de credos, tendências, e afirma-se na prática uma convergência destas forças. A API procura promover a sua unidade.
Jabbar Al Kubeissi referiu ainda que americanos e ingleses fazem tudo para fomentar a divisão com base nas diferenças ideológicas, religiosas ou mesmo clânicas, recorrendo a tal ou tal chefe religioso.
Não têm tido sucesso. Pelo contrário, quanto à divisão em que apostavam muito, entre sunitas e xiitas, na prática tem sido a agressão, a repressão, os bombardeamentos, os assassinatos a aproximar e a fazer convergir as correntes patrióticas iraquianas.

Falaste em repressão, em assassinatos, houve alguma comunicação na Conferência que tenha abordado a questão da tortura e das sevícias aos prisioneiros iraquianos?

Na altura foi-nos dito que a repressão, as torturas, os crimes e a liquidação de presos não são excepções, produto de uma minoria não representativa, como se quer fazer crer. Antes, são regras de um sistema preparado e estudado para esse efeito pelos serviços de informação e altos comandos das Forças Armadas Americanas, como já o fizeram no Vietname e noutros lados! Aliás, a imprensa dos EUA confirma-o.
Disseram-nos também que existem dezenas de milhar de presos em todo o país, não só na prisão de Abu Ghraib, incluindo mulheres detidas por represália quando as forças de ocupação não conseguem deter os maridos resistentes.
Isto leva-me a outra questão que tem relevância.
Perante a Conferência, o presidente da API sublinhou dois aspectos. Por um lado, apesar da enorme superioridade do dispositivo militar e da brutalidade fascista da ocupação, a total determinação e confiança na vitória e na libertação do Iraque. Mas, por outro, a extrema dureza e dificuldade da luta, cujas condições não há que idealizar. Quer dizer, não se perspectiva uma saída a curto prazo de tão trágica situação, o que de alguma forma permite avaliar o actual estado de coisas.

E noutros aspectos da ocupação, como é que ela se processa e condiciona o quotidiano das populações?

A ocupação é totalmente militar e violentamente antipopular. Isso traduz-se não só na acção quotidiana de dezenas de estrangeiros, mas também no facto de as forças ocupantes estarem instaladas em áreas fortificadas.
Fora dessas zonas militares a situação é caótica, porque os americanos desmantelaram os sistemas sócio-político e económico preexistentes, tornando a vida dos iraquianos extremamente difícil.
Já em áreas onde a resistência tomou controle da situação, foi imediatamente visível a diminuição da desordem pública, confirmando que no seio do povo iraquiano não existe perigo de guerra civil. De facto o seu principal instigador são as forças da ocupação imperialista.

Esses factores contribuíram para que o povo se lançasse na resistência?

O povo iraquiano nunca esteve disponível para dar as boas vindas aos invasores imperialistas. Foi um dos erros dos norte-americanos, pensarem que dada a natureza ditatorial do anterior regime, dados os mais dez anos de bloqueio económico que eles próprios tinham imposto – com perdas de vidas difíceis de calcular, um recuo na esperança média de vida, mortes nos hospitais sobretudo de crianças por falta de medicamentos – agora seriam bem recebidos pelas populações. O imperialismo comete um erro crasso quando subestima os povos.
Ao contrário do que vimos nas televisões em imagens fabricadas, os iraquianos nunca estiveram disponíveis para lhes darem as boas vindas. A força da resistência popular surpreendeu todos, mesmo aqueles que, como nós, sempre nos manifestámos contra a guerra e a invasão.
A resistência desenvolveu-se rapidamente e conseguiu infligir derrotas locais aos ocupantes, obrigando-os a aceitar, em algumas cidades, soluções de compromisso, a recuar, embora em palavras, porque os objectivos estratégicos de controlo do Iraque e da região, de exploração dos recursos e da mão-de-obra, da dominação imperialista naquela área, mantêm-se integralmente. Viram-se obrigados a usar uma outra linguagem, uma outra táctica.

Quem é que são as forças que compõem a resistência?

Segundo Jabbar Al Kubeissi, convergem na resistência iraquiana elementos do antigo Partido Baas, primeira força organizada, e numerosas outras correntes ou partidos, uns de inspiração islâmica, outros asseriamos, e os comunistas patriotas do PCI “Cadre”, que romperam com a antiga direcção colaboracionista.
A resistência tem como prioridades estratégicas reforçar uma frente política comum unificada pelo fim da ocupação e a retirada imediata dos invasores, a formação de um governo provisório com todas as tendências e a elaboração de uma Constituição democrática provisória.

Há pouco referiste as difíceis condições de vida. Na Conferência foram revelados indicadores nesse âmbito?

A Conferência concentrou-se sobretudo no campo da solidariedade política internacional com a resistência, porque as questões humanitárias têm sido focadas.
A ideia central foi a de que existe no Iraque uma forte resistência popular, de massas – que importa apoiar – contra a ocupação e a pilhagem imperialistas. Com a solidariedade dos outros povos, o Iraque pode vir a ganhar esta dificílima batalha.
Aliás, a concluir a sua intervenção, o representante da API disse que «nós lutamos também por vós», ou seja, a resistência no Iraque é também uma luta pelos outros povos, em primeiro lugar o povo palestiniano, e todos os que resistem ao imperialismo.
Os iraquianos estão agora na linha da frente em condições que por vezes temos dificuldade em compreender plenamente. Como eles dizem, «tiraram-nos tudo, já não temos nada a perder!».
Segundo afirmam, não lhes faltam homens, combatentes, armas, o que lhes falta é solidariedade internacional, desde logo ao nível de certos Estados árabes comprometidos com o imperialismo. As massas árabes, pelo contrário, estão solidárias.
Daí o apelo da Conferência à solidariedade democrática internacional com a resistência iraquiana.
Foi elaborado um programa de acção que prevê transformar o leque de adesões à Conferência num fórum internacional.
Aprovou-se a constituição, em cada país, de um comité de solidariedade e, a partir daí, a realização de iniciativas nacionais e internacionais até à 2.ª Conferência.
Não é mais possível avaliar o presente e o futuro do Iraque, encontrar uma saída para aquela tragédia, sem ter em conta o papel determinante e fundamental da resistência iraquiana.

Assistimos a um repúdio mundial contra a guerra e a ocupação do Iraque. Na tua perspectiva o que é que há de novo na luta pela paz no mundo?

No essencial, afirmam-se duas tendências contraditórias.
Por um lado, raramente se viram manifestações de massas populares tão fortes, de dezenas de milhões de pessoas contra a guerra e as agressões imperialistas. Mas, por outro, raramente os perigos foram tão graves, eu diria mesmo gravíssimos, como se vê no Iraque, na Palestina, nas ameaças contra o Irão, a Síria, a Coreia do Norte, Cuba, a Venezuela.
Desde o derrube da URSS e de outros Estados socialistas e anti-imperialistas, acabou na prática das relações internacionais, no plano da correlação de forças, a coexistência pacífica.
Note-se que o papel da China na Ásia e no mundo, e a resistência de outros Estados de orientação socialista e anti-imperialista, as aspirações de paz e a luta das massas populares, impedem o imperialismo, americano e europeu, de agir a seu belo prazer. Contudo não chega!
Para obrigar o imperialismo a recuar na sua actual política sistemática e declarada de guerra e repartilha geo-económica do mundo, de guerras ditas «antecipativas» e «preventivas», impor-se-ão como necessidades objectivas, transformações profundas, revoluções democráticas, de libertação nacional, socialistas, em numerosos países, tanto no Ocidente como no chamado «Terceiro Mundo».
Caso contrário, suceder-se-iam guerras de agressão cada vez mais perigosas, inclusivamente inter-imperialistas com potencial recurso a armas nucleares, que Bush prepara intensamente.
Tal é inaceitável! Sem qualquer dúvida, não serão o imperialismo e a guerra a pôr em causa a sobrevivência da humanidade! Terão que ser a classe operária, as forças democráticas e os povos a acabarem com tão horrenda ameaça e flagelo.

Mas a geo-economia da guerra é muito forte. Uma das razões para a manutenção das agressões é precisamente económica, a crise da «globalização» do capital.

Sim! Na sequência das três recentes guerras – contra a Jugoslávia em 1999, o Afeganistão desde 2001 e o Iraque desde 2003 – a militarização da economia dos EUA acelerou-se a um ritmo só comparável ao do período da guerra do Vietname.
Segundo o anuário do Instituto de Estocolmo para as Pesquisas para a Paz (SIPRI), as despesas militares mundiais em 2003 atingiram os 956 biliões de dólares, dos quais 47 por cento gastos pelos EUA, inclusive em armas de destruição maciça.
Ainda de acordo com dados oficiais recentes, esta tendência agravou-se em 2003-2004, com cerca de 190 biliões de dólares adicionais para as guerras do Iraque e Afeganistão.
Tal traduz-se em fabulosas encomendas para grandes monopólios armamentistas, como a Lockheed Martin, Boeing, Northport Grunam, sendo o grupo Carlyle um dos intermediários.
Portanto, a reanimação económica americana, indispensável à reeleição de Bush, está-se a processar através de um enorme estímulo no orçamento militar, comprimindo o investimento social e produtivo por via de um perigoso aventureirismo bélico no Iraque, no Médio Oriente e noutras áreas do globo.
Só que o défice orçamental norte-americano ronda os 520 biliões de dólares; o da balança comercial anda na ordem dos 500 biliões e o défice externo das operações correntes nos mesmos valores; a dívida nacional contabiliza-se na casa dos triliões.
A presente retoma económica nos EUA arrisca-se, pois, a ser de curto prazo. Ainda mais se a resistência iraquiana conseguir, como até aqui, prejudicar ou privar o imperialismo yankee do seu objectivo estratégico de auferir sem obstáculos dos milhões de barris de petróleo diário com que contava.

Também por isso os EUA voltaram-se agora para uma mudança de táctica com recurso à ONU?

A vergonhosa Resolução do Conselho de Segurança, de 8 de Junho, sobre o Iraque proclama em palavras o fim do «Conselho de Governo» colaboracionista e da Autoridade Provisória da «coligação». Transforma esta em «forças multinacionais», sob comando dos EUA, que continuarão a ocupar o Iraque «a pedido» de um Governo Provisório «soberano», a instalar no fim do corrente mês de Junho!
Esta é a Resolução que Bush pretendia para «legitimar» a sua política de guerra e ser reeleito. Daí as aparentes «concessões» tácticas que fez, mantendo plenamente a estratégia de dominação imperialista – com Israel ao seu serviço – de um «grande Médio Oriente».
Apesar da votação unânime no Conselho de Segurança de uma Resolução que viola a Carta das Nações Unidas, nem as contradições inter-imperialistas foram superadas – contradições de interesses, não de princípios – nem o povo iraquiano vê assegurados os seus direitos à paz, à liberdade, à soberania, a uma vida melhor, pelo contrário.
A «força multinacional» de cerca de 140 mil americanos, 40 mil mercenários ocidentais, 15 mil britânicos, e por aí fora, é anunciada como fundamental para assegurar uma série de actos «eleitorais» e institucionais até 2005. Após o que, um Governo iraquiano «soberano» teria, no plano jurídico formal, o direito de «convidar» bilateralmente os EUA a continuarem económica e militarmente no País.
É preciso dizer que, a par da pilhagem do petróleo, os EUA já estão a construir no Iraque uma Embaixada de enormes proporções e várias bases militares.
Compreende-se assim que, perante esta Resolução ilegítima que desacredita a ONU, a luta da resistência iraquiana não só não tenha diminuído como se tenha intensificado diariamente.
Também por isso é renovado o apelo à solidariedade democrática a nível internacional.

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Re: «Tiraram-nos tudo, já não temos nada a perder!»Guilherme Statter01:28:13 06/26/04 Sat


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