Subject: Re: O PCP no Debate na AR sobre a despenalização da IVG em Portugal, em 3 de Março de 2004 |
Author:
Luis Blanch
|
[
Next Thread |
Previous Thread |
Next Message |
Previous Message
]
Date Posted: 11:14:46 03/04/04 Thu
In reply to:
Intervençoes e declaração de voto
's message, "O PCP no Debate na AR sobre a despenalização da IVG em Portugal, em 3 de Março de 2004" on 21:00:36 03/03/04 Wed
Não é de mais enfatizar o posicionamento e as atitudes do PCP . A Odete Santos tem sido um estandarte de luta pelas mulheres portuguesas.
Também me parece de salientar a convergência da Esquerda neste combate social, ético e político.
Francisco Louçã e Ferro Rodrigues não desmereceram ao que deles se espera .
Façamos votos para que futuros combates comuns se concretizem...
>O PCP no Debate na AR sobre a despenalização da IVG em
>Portugal, em 3 de Março de 2004
>
>
>Intervenção de Odete Santos
>
>Senhor Presidente
>Senhores Deputados
>
>As minhas primeiras palavras, em nome do Grupo
>Parlamentar do PCP, que hoje trouxe a plenário o
>debate sobre a legalização da IVG, são palavras de
>solidariedade dirigidas àquelas mulheres que já foram
>ou vão ser objecto de inquisição por parte de agentes
>policiais, para que revelem se interromperam a
>gravidez, e aonde e por que meios.
>
>Dirigem-se, estas palavras solidárias, às mulheres que
>um dia descobriram que estavam grávidas, e tiveram de
>subir clandestinamente a escada de uma clínica, de um
>consultório de uma parteira, de uma casa num esconso
>vão de escada, para
>resolver a angústia de uma gravidez indesejada.
>
>Dirigem-se às adolescentes deste país, a quem tem sido
>negado o direito à educação sexual.
>
>Dirigem-se a todas as mulheres, a quem não tem sido
>garantido o direito à maternidade consciente, e que
>vêem negado o mais elementar direito à dignidade,
>através de uma lei que, autoritariamente, elege as
>convicções de alguns para as impor a todos.
>
>Podem contar connosco.
>
>Terminada que foi a contagem dos votos no referendo,
>os mentores do “não” respiraram de alívio e foram
>fazendo protestos da necessidade de investimento na
>educação sexual e no planeamento familiar.
>
>Viu-se!
>
>A história da luta pela despenalização é uma história
>de hipocrisias, de faz-de-conta, de falsas compaixões.
>
>Finge-se que não se sabe que a lei não é cumprida.
>
>Apesar de tudo, a sociedade não considera que a mulher
>comete um crime.
>
>Faz-se de conta que não se sabe dos graves problemas
>de saúde resultantes do aborto clandestino.
>
>Finge-se que se desconhece que há mulheres que morrem,
>e que muitas ficam permanentemente afectadas na sua
>saúde sexual e reprodutiva. Muitas nunca mais podem
>ter filhos.
>
>Junte-se a esta hipocrisia as palavras tartamudeadas
>por quem se opõe à despenalização, sempre que há um
>julgamento por aborto provocado. Que não, que não
>querem que as mulheres vão para a cadeia.
>
>Digam então para que querem a lei.
>
>Para ganhar indulgências?
>
>Sempre que sobe a Plenário uma iniciativa visando a
>despenalização- e isto acontece desde 1982-fala-se
>muito de educação sexual e de planeamento familiar.
>
>Com um olhar oblíquo. De quem sabe que não vai
>cumprir. De quem sabe que, mesmo se cumprisse, não
>resolveria o problema do aborto clandestino.
>
>A direita sempre votou contra todas as iniciativas
>legislativas apresentadas pelo PCP e por outros
>Partidos sobre educação sexual e planeamento familiar.
>
>O PSD esteve no Governo durante largos anos. Mostrem o
>certificado de garantia com que pretendem assegurar
>que agora sim, agora é que se vai cumprir a legislação
>contra a qual votaram o PSD e o CDS-PP.
>
>Com fiadores como os que têm lá para as bandas do
>Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho, a
>Garantia vem com carimbo falso.
>
>Mais uma vez se verá que pela parte da direita, tudo
>isto para ela não passa de mais outro faz-de-conta.
>
>Só para as mulheres é que não se trata de um
>fingimento.
>
>A Lei está aí e foi utilizada na Maia, em Aveiro.
>Correm notícias de que alguns outros processos estão
>pendentes.
>
>As mulheres são vítimas de perseguição penal, vêem a
>sua intimidade exposta na praça pública. As mulheres
>são humilhadas depois de terem sido ofendidas com a
>provação do aborto inseguro. Depois de lhes ter sido
>negado o direito à maternidade consciente por
>políticas anti-sociais que feminizam a pobreza.
>
>As mulheres são condenadas a graves consequências na
>sua saúde física e psíquica. Por vezes perdem a vida.
>
>É este quadro que se deve analisar.
>
>E é perante este quadro que se coloca aos Deputados a
>questão de saber se querem manter uma lei que
>determina tão graves consequências e não protege o
>embrião nem o feto, ou se querem pôr fim ao flagelo do
>aborto clandestino.
>
>Na resposta não entra o foro íntimo de cada um,
>relativamente ao aborto.
>
>Têm é de dizer se entendem que têm o direito de impor
>as suas próprias convicções, filosóficas, religiosas e
>morais a toda a sociedade, originando com tal
>imposição um grave problema de saúde pública.
>
>Acham que o Estado tem o direito de utilizar a lei
>penal para definir uma moralidade tipo à qual todos os
>cidadãos e cidadãs se têm de submeter?
>
>Nós, o que queremos é uma lei que garanta a todas a
>liberdade de opção.
>
>A lei que queremos não obriga ninguém a interromper a
>gravidez.
>
>A Lei que a direita defende obriga a sociedade toda, a
>adoptar sob a ameaça da mais temível arma do Estado,
>as concepções de alguns. Fazendo tábua rasa do direito
>das mulheres a decidir em liberdade.
>
>Senhor Presidente
>Senhores Deputados
>
>Todos sabemos porque estamos hoje a reeditar um debate
>ocorrido há seis anos. Nessa altura tudo podia ter
>sido resolvido. Muito sofrimento se teria evitado não
>fora o triste episódio que deu origem à interrupção do
>processo legislativo.
>
>Com outro parceiro, edita agora o PSD mais uma manobra
>para adiar a resolução do problema. Com argumentação
>que não faz vencimento em toda a sua bancada.
>
>Porque a defesa da legalização/ despenalização da IVG
>no 1º trimestre de gravidez, é tão justa, que colhe a
>aprovação para além da esquerda.
>
>Se há um problema de saúde pública causado pela lei
>penal; se esta lei não defende o embrião nem o feto,
>pois os abortos fazem-se aos milhares; se,
>consequentemente, a lei penal produz maiores males do
>que aqueles que diz querer evitar, então é porque a
>lei não cumpre os seus fins.
>
>Trata-se de uma lei simbólica (simbólica de um certo
>pensamento único) que não desempenha qualquer papel na
>prevenção.
>
>É uma lei que excede os limites que a Constituição
>impõe às leis restritivas da liberdade.
>
>Uma lei com a qual o Estado se torna fautor de
>violência contra as mulheres. Que se vêem forçadas a
>recorrer à interrupção da gravidez, independentemente
>da classe social, convicção religiosa e política.
>
>E só há uma solução. Legalizar a interrupção da
>gravidez quando efectuada no 1º trimestre, por decisão
>da mulher.
>
>Não há outras alternativas, que são falsas
>alternativas, porque mantêm a clandestinidade e a
>insegurança do aborto e não resolvem o problema de
>saúde pública.
>
>Não são alternativas, pois continuam a pressupor a
>culpa das mulheres soluções adiantadas das bandas do
>CDS que chegou a admitir a aplicação às mulheres da
>pena de trabalho a favor da comunidade. O que
>constituiria uma espécie de lapidação em praça pública
>das mulheres que abortassem.
>
>Basta de penas infamantes.
>
>Aliás, certo argumentário dos que se opõem à
>legalização/ despenalização, parte do pressuposto de
>que as mulheres não são capazes de decidir
>responsavelmente. Não têm capacidade nem podem, por
>isso, ter autonomia, nem ter direito à liberdade de
>opção.
>
>Afirma-se, com despudor, que onde se despenaliza a
>IVG, aumenta continuamente o número de abortos. O que
>é manipulação de estatísticas.
>
>Na base de tal posicionamento está um forte
>preconceito anti-feminino que outrora animou a tríade
>Deus Pátria e Família.
>
>Porque abortar é um verbo que se conjuga no feminino,
>reeditam-se argumentos fundados num forte preconceito
>contra as mulheres...
>
>Porque entendem que as mulheres abortam por razões
>fúteis.
>
>Porque continuam a entender, ainda no século XXI, que
>a mulher não sabe usar da sua autonomia, que não sabe
>tomar decisões responsáveis.
>
>E contudo, já Descartes reconhecia à mulher a
>racionalidade do ser humano.
>
>Podem classificar-se de fúteis as mulheres que abortam
>porque (como diz a OMS) são muito novas ou muito
>pobres para criar uma criança; porque entraram em
>conflito com os seus companheiros, porque são vítimas
>de violência, porque estão desempregadas, porque não
>desejam um filho enquanto não acabarem o curso, porque
>têm de estar inteiramente disponíveis para o trabalho
>e têm de trabalhar para a subsistência da família;
>porque não lhes é garantido um adequado acesso aos
>serviços de planeamento familiar, porque são
>insuficientes estes serviços, porque os métodos
>contraceptivos falharam; porque têm de ver renovado o
>seu contrato a prazo; porque estão maioritariamente
>representadas na alta taxa de pobreza de que são
>vítimas os trabalhadores portugueses?
>
>Estas não são razões frívolas.
>
>As cifras negras do aborto inseguro, tanto a nível
>internacional como nacional, desmentem a afirmação da
>frivolidade das mulheres.
>
>E não podem ser minimizadas, como alguns pretendem.
>Alguns que até questionam tratar-se de um problema de
>saúde pública.
>
>Mas é-o em toda a parte do mundo.
>
>Como o reconhece a OMS. E afinal, também como diz esta
>Organização, o aborto inseguro é uma das causas de
>morbilidade e de mortalidade maternas mais fáceis de
>evitar e de tratar.
>
>Porque existindo uma relação inequívoca de causa e
>efeito, entre as leis proibitivas da IVG e aquelas
>consequências, a solução é legalizar, única forma de
>tornar o aborto seguro.
>
>Assim se respeitando a dignidade e os direitos humanos
>da Mulher.
>
>O direito à maternidade consciente, logo, direito a
>uma gravidez desejada e planeada.
>
>O Direito ao livre desenvolvimento da sua
>personalidade. O direito à liberdade de decisão. O
>direito à vida e à liberdade. O direito à segurança. O
>direito à dignidade. Não é Portugal um Estado de
>Direito Democrático fundado na dignidade da pessoa
>humana? O direito à intimidade da vida privada, também
>superlativado na Convenção Europeia dos Direitos do
>Homem. O Direito à saúde. Direitos que, referidos à
>sexualidade, são os que integram os direitos sexuais e
>reprodutivos.
>
>Chegados aqui, não haverá quem deixe de dizer que só
>falamos das mulheres.
>
>E que não falamos do embrião e do feto.
>
>A vida humana é um contínuo. E nisto todos estão de
>acordo.
>
>Trata-se de vida de espécie humana.
>
>Mas quando começa a vida de pessoa humana, nisso
>existem os mais diversos cambiantes, a partir dos
>fundamentalismos dos que entendem que existe pessoa
>humana logo a partir da concepção.
>
>É preciso afirmar, claramente, que não é verdade o que
>alguns proclamam: Que está provado, pela ciência, que
>a pessoa humana começa logo na concepção.
>
>Nós não temos que tomar partido nesta querela. Temos
>tão só de constatar que há várias convicções.
>
>Dezasseis cientistas italianos, católicos, tomaram
>pública posição no Corriere della Sera dizendo:
>“Afirmar que o produto da concepção já é um indivíduo
>representa a perfilhação de um determinismo biológico
>que não é sustentado pelos conhecimentos científicos
>disponíveis.”
>
>Ora, constatadas as diversas opiniões sobre o início
>da pessoa humana, não pode, um Estado de Direito,
>tomar parte na querela, impondo a toda a população, as
>concepções filosóficas e religiosas de alguns. Isso é
>característico de um Estado autoritário.
>
>É tão simples quanto isso.
>
>Senhor Presidente
>Senhores Deputados:
>
>Uma medida como a que propomos, beneficiará,
>sobretudo, aquelas mulheres que não podem recorrer à
>segurança, ainda que relativa, de uma clínica. Aquelas
>que não podem viajar para o estrangeiro.
>
>Aquelas que são as que mais sofrem na pele as
>consequências do obscurantismo que quer impedir a
>forma de superar o sofrimento humano.
>
>Perguntem a Nancy Reagan, onde estão os
>fundamentalismos republicanos a respeito do embrião,
>agora que por razões óbvias, defende a investigação
>científica com células estaminais embrionárias.
>
>Perguntem-se por que há-de Prometeu ficar agrilhoado
>para sempre.
>
>Ou por que há-de Eva continuar a ser punida apenas
>porque através dela se explica o começo da vida.
>
>Disse.
>
> Intervenção de Bernardino Soares
>
>Senhor Presidente,
>Senhores Deputados,
>
>Durante toda a tarde tem ficado comprovado que este
>debate, agendado pelo PCP, era indispensável.
>Indispensável perante a manutenção da penalização das
>mulheres na lei; indispensável face à sua
>concretização prática de investigações e julgamentos
>de mulheres.
>
>Esta é uma causa por que o PCP se bate desde 1982, uma
>questão que há muito devia estar resolvida, não fora a
>insensibilidade de maiorias formadas em vários
>momentos, ou a imposição de um referendo em 98
>interrompendo um processo legislativo.
>
>O debate que hoje aqui travamos é sobre a
>despenalização da interrupção voluntária da gravidez;
>não é sobre educação sexual e planeamento familiar.
>Estas são questões importantes; tão importantes que é
>inadmissível que a direita só se lembre delas quando
>se discute a despenalização da IVG. E hoje mais uma
>vez isso acontece, com a direita a refugiar-se num
>conjunto de recomendações para que o Governo faça
>agora aquilo que ao longo de dois anos e meio não fez.
>
>E pergunta-se: mesmo que as preocupações da maioria
>com a educação sexual fossem sérias, não continuariam
>a existir mulheres a optarem por recorrer à IVG e
>portanto a serem sujeitas à condenação da lei, a que a
>direita não quer pôr fim?
>Este debate não é sobre uma questão de consciência;
>essa é a da mulher na sua decisão de recorrer ou não
>ao aborto; aqui a questão é de opções de lei penal e
>de saúde pública.
>
>Aqui reside a hipocrisia da direita. Dizem alguns,
>como o primeiro-ministro, que não são capazes de
>condenar uma mulher que opte pela IVG. Mas chegados ao
>momento concreto optam por manter a lei e portanto por
>manter a sujeição das mulheres a investigações, a
>incriminações, a julgamentos e a eventuais condenações.
>
>Para que as mulheres não sejam perseguidas só há 1
>solução: despenalizar a Interrupção Voluntária da
>Gravidez.
>
>Este debate também não é um debate entre os que são
>contra e os que são a favor do aborto; é entre os que
>são a favor de uma lei que despenalize a IVG mas que
>não obriga ninguém a recorrer a ela e os que querem
>manter a penalização e com isso obrigar as mulheres ao
>aborto clandestino.
>
>Este debate não visa impor um novo modelo de conduta
>de sinal contrário ao que hoje a lei protege; visa tão
>só aprovar uma lei que aceite a pluralidade das
>opções, condutas e escolhas.
>
>Este não é um debate que reduza o problema do aborto à
>questão da despenalização; é um debate em que se
>pretende também resolver o grave problema de saúde
>pública que constitui o aborto clandestino. E para
>isso é preciso garantir o acesso à prática da IVG em
>condições de segurança para todas as mulheres.
>
>Neste debate e nas últimas semanas o PSD repetiu à
>exaustão que os seus compromissos com os eleitores o
>impediam de aceitar alterações nesta matéria. É certo
>que poderíamos dizer que não faltam compromissos do
>PSD com os eleitores que foram há muito esquecidos.
>Mas mesmo assim fomos procurar nos dois documentos
>programáticos fundamentais que o PSD apresentou às
>eleições de 2002: o “Compromisso de Mudança – as
>propostas de Durão Barroso aos portugueses” e o
>“Programa eleitoral de Governo”. E por muito que
>procurássemos página a página, linha a linha e palavra
>a palavra, e mesmo recorrendo à busca pelo computador
>das palavras “gravidez”, “aborto”, “interrupção
>voluntária da gravidez” ou “referendo sobre a IVG”, o
>resultado foi zero. Aqui estão os respectivos
>documentos eleitorais para que todos os deputados da
>bancada do PSD tenham a consciência de que este
>compromisso nunca existiu.
>
>O que há é um compromisso pós-eleitoral com o CDS. Mas
>as mulheres portuguesas não podem continuar sujeitas à
>grilheta do julgamento e da prisão que esta lei impõe
>só porque o PSD se amarrou ao conservadorismo mais
>retrógrado da extrema-direita parlamentar.
>
>Foi contra a manutenção da desumanidade, da violência
>contra as mulheres, da negação dos seus direitos que
>agendámos este debate. Em defesa de uma lei justa; por
>uma sociedade mais civilizada.
>
>Disse.
>
> Intervenção de António Filipe
>
>Senhor Presidente,
>Senhores Deputados,
>
>Há seis anos atrás, depois de aprovado na generalidade
>nesta Assembleia um Projecto de Lei de despenalização
>da interrupção voluntária da gravidez a pedido da
>mulher até às 10 semanas, o PSD obteve o acordo da
>direcção do PS para impor a realização de um referendo
>nacional sobre essa matéria.
>
>A legitimidade constitucional e política da Assembleia
>da República para aprovar a iniciativa legislativa em
>causa era indiscutível. No entanto, o processo
>legislativo foi travado pela decisão política de
>convocação de um referendo que acabaria por
>inviabilizar a sua conclusão e fazer com que, apesar
>da aprovação na generalidade de um projecto de lei de
>despenalização da interrupção voluntária da gravidez
>até às dez semanas, tudo acabasse por ficar na mesma,
>até hoje.
>
>Nunca foi segredo para ninguém que a convocação do
>referendo em 1998 surgiu em consequência de um acordo
>entre as direcções do PSD e do PS com o objectivo de
>accionar um derradeiro recurso para evitar que a
>correlação de forças então existente na Assembleia da
>República se pudesse traduzir na aprovação de um lei
>que despenalizasse a interrupção voluntária da
>gravidez.
>
>Um ano antes, em 1997, quando um projecto de lei do
>PCP foi recusado por um voto de diferença, ninguém
>exigiu qualquer referendo nem pôs em causa a
>legitimidade política e constitucional da Assembleia
>da República para decidir como decidiu. Ou seja: para
>os defensores do referendo de 1998, a Assembleia da
>República tinha legitimidade para decidir manter a
>criminalização, mas já não tinha legitimidade para
>acabar com ela.
>
>Em todo o caso, o referendo realizou-se e correspondeu
>aos objectivos políticos dos seus proponentes que,
>através de uma operação de grosseira mistificação
>sobre o que estava verdadeiramente em causa e de
>autêntico terrorismo psicológico, conseguiram
>convencer muita gente que o que estava em causa era
>ser a favor ou contra o aborto, quando o que estava em
>causa era manter ou não a desumana norma do Código
>Penal que condena a prisão até três anos as mulheres
>que interrompam a gravidez.
>
>O resultado é conhecido. Apesar da participação
>eleitoral ter sido extremamente reduzida e de, por
>esse facto, o referendo não ter eficácia vinculativa,
>a vitória tangencial do Não, inviabilizou o processo
>legislativo que estava em curso e fez com que ainda
>hoje sejam instaurados processos crime contra as
>mulheres que interrompam a gravidez.
>
>O resultado é a continuação do flagelo do aborto
>clandestino e a perseguição criminal das mulheres que,
>por vicissitudes diversas, se vêem obrigadas a
>recorrer à interrupção voluntária da gravidez e ficam
>sujeitas a uma pena de prisão até três anos. O
>resultado é continuarmos a assistir em Portugal, no
>século XXI e 30 anos depois do 25 de Abril, à situação
>estranha, absurda e aviltante, da investigação,
>acusação, humilhação pública e julgamento de mulheres
>sob a acusação de terem abortado, como aconteceu na
>Maia (com condenação efectiva) e mais recentemente em
>Aveiro.
>
>Perante esta vergonha, que não é apenas uma vergonha
>nacional, mas verdadeiramente uma vergonha
>internacional, que ultrapassa as nossas fronteiras e
>suscita um forte movimento de solidariedade e a
>perplexidade do mundo civilizado, não basta a opinião
>hipócrita dos que dizem que são pela criminalização
>mas que não querem ver as mulheres condenadas.
>
>A forma de evitar a condenação das mulheres não é
>manter a criminalização e depois, quando as mulheres
>são julgadas, fazer figas pela absolvição. Se o que se
>pretende é evitar que as mulheres sejam condenadas, a
>única forma segura de o evitar, é revogar a absurda
>norma do Código Penal que as condena a uma pena de
>prisão até 3 anos.
>
>Só que o PSD e o CDS-PP, que tanto se bateram pela
>realização de um referendo quando estavam em minoria,
>agora em maioria, preparam-se para evitar a
>despenalização, mas desta vez já não querem nenhum
>referendo.
>
>Os argumentos quanto à subsistência da validade
>política do referendo de 1998 são do reino do absurdo.
>O referendo nunca teve eficácia vinculativa devido à
>diminuta participação dos eleitores. Mas mesmo que
>tivesse tido alguma eficácia jurídica, os seus efeitos
>teriam caducado em Outubro de 1998, com o termo da
>sessão legislativa em que teve lugar. A partir desse
>momento, a Assembleia da República reassumiu
>plenamente a sua competência e legitimidade para
>despenalizar a interrupção voluntária da gravidez sem
>dependência de qualquer referendo, mesmo que este
>tivesse sido vinculativo.
>
>Este facto é absolutamente inequívoco. O que a
>Constituição determina é que os efeitos do referendo
>caducam com a sessão legislativa e nunca ninguém
>propôs em sede de revisão constitucional que assim
>deixasse de ser.
>
>Que os Partidos da direita pretendam manter em vigor a
>norma do Código Penal que condena a prisão até três
>anos as mulheres que interrompam a gravidez, é uma
>opção que se lamenta, mas que tem de se aceitar como
>legítima. Cada um vota segundo as suas opções e assume
>perante os portugueses a responsabilidade pelas opções
>que toma. Agora, o que os Partidos da direita não
>podem, é atribuir a um referendo uma validade que ele
>não tem e ainda menos pretender que, uma vez feito um
>referendo, a sua eficácia, ainda que imaginária, seja
>eterna.
>
>No momento em que nos encontramos, Assembleia da
>República tem plena legitimidade política e
>constitucional, quer para aprovar uma lei que
>despenalize a interrupção voluntária da gravidez, quer
>para deliberar propor ao Presidente da República a
>convocação de um novo referendo sobre essa matéria.
>
>Em 1997, os Partidos da direita entendiam que a
>Assembleia da República tinha legitimidade para
>recusar a despenalização da IVG, sem referendo. Em
>1998, já entendiam que a Assembleia da República só
>teria legitimidade para decidir a despenalização se
>houvesse referendo. Agora, em 2004, a maioria
>parlamentar prepara-se para recusar a despenalização e
>recusar o referendo.
>
>Esta decisão tem uma consequência óbvia, que é a de
>manter tudo na mesma, não em nome de qualquer
>compromisso que tenha sido assumido para com os
>eleitores, mas em nome de um acordo de coligação que
>os portugueses, como é óbvio, não sufragaram.
>
>Senhor Presidente,
>Senhores Deputados,
>
>O PCP, sobre esta matéria, tem posição e assume-a. O
>PCP considera que a interrupção voluntária da gravidez
>a pedido da mulher até às 12 semanas deve ser
>despenalizada e que a Assembleia da República pode e
>deve tomar essa decisão, agora ou no futuro, sem
>necessidade de qualquer referendo. Mas compreende a
>posição dos mais de 120 mil cidadãos que, assumindo
>uma posição claramente favorável à discriminalização
>do aborto, decidiram tomar a iniciativa cívica de se
>dirigir a esta Assembleia, solicitando a realização de
>um novo referendo.
>
>O PCP sabe distinguir perfeitamente entre os
>propósitos obstrucionistas do referendo de 1998
>imposto pela direita e as propostas de referendo que
>hoje debatemos, subscritas por quem está connosco na
>luta que há muitos anos travamos pela saúde pública,
>pela dignidade humana, pela maternidade e paternidade
>responsáveis.
>
>Por reconhecer essa diferença, o PCP aceitou que na
>ordem do dia deste seu agendamento potestativo,
>pudessem ser incluídas, para além das iniciativas
>legislativas de despenalização do aborto, também as
>propostas de realização de um novo referendo sobre
>essa matéria.
>
>A iniciativa popular de referendo que hoje debatemos,
>a primeira da nossa história constitucional, cuja
>legitimidade é indiscutível e está devidamente
>certificada pelo facto de reunir todas as condições
>constitucionais e regimentais para ser hoje debatida
>em Plenário, exprime o anseio compreensível de largos
>sectores da opinião pública favoráveis à
>despenalização do aborto, de intervir civicamente para
>a concretização desse objectivo.
>
>Por tudo o que fica dito, o sem que isso signifique o
>acordo com o processo dos referendos ou o entendimento
>de que a AR deixa de ter legitimidade para decidir no
>futuro sobre essa matéria, o Grupo Parlamentar do PCP,
>caso sejam rejeitadas as iniciativas legislativas que
>visam despenalizar a interrupção voluntária da
>gravidez, dará o seu voto favorável às propostas de
>realização de um referendo que possa dar de novo a
>palavra aos cidadãos.
>
>Disse.
> Declaração de Voto do Grupo Parlamentar do PCP
>
>O Grupo Parlamentar do PCP regista de forma positiva o
>facto de tanto a generalidade dos deputados do PS como
>o Partido Ecologista “Os Verdes” e Bloco de Esquerda
>terem votado favoravelmente o projecto de lei do PCP,
>que foi o primeiro a ser votado.
>
>E regista também o facto de tanto o PS como o Bloco de
>Esquerda, apesar de terem uma opção assumida pelo
>recurso ao referendo e propostas nesse sentido, não
>apenas terem agendado para este debate os seus
>projectos de lei de despenalização mas também os terem
>levado a votação.
>Se as palavras em geral e as regras e actos
>parlamentares em particular ainda têm o mesmo valor,
>então parece indiscutível que o PS e o Bloco de
>Esquerda agiram hoje nesta Assembleia num sentido
>favorável à aprovação pela AR de uma lei de
>despenalização do aborto, o que neste ponto converge
>inteiramente com a prioridade que o PCP sempre
>concedeu à tese da plena legitimidade da AR para
>legislar directamente sobre este assunto.
>
>É sabido que, em coerência com posições que até há
>cerca de ano e meio eram não apenas do PCP mas de todo
>o campo político à esquerda do PS e de centenas de
>personalidades da vida nacional, o PCP sempre
>sustentou a legitimidade da AR para aprovar uma lei de
>despenalização e sempre se recusou e continua a
>recusar a que se fique prisioneiro de uma espécie de
>perversa herança deixada pelo acordo PS-PSD que há
>seis anos conduziu à lamentável sabotagem da aprovação
>na generalidade de uma lei de despenalização nesta
>Assembleia.
>
>Nestes termos, deve então ficar claro que o voto
>favorável dos deputados do PCP aos projectos de
>resolução visando propor ao Presidente da República a
>convocação de um referendo não significa qualquer
>alteração, nem na nossa posição de princípio sobre a
>legitimidade da Assembleia da República nesta matéria,
>nem na apreciação que fazemos em relação ao processo
>que conduziu à proposta de referendo, mas tem
>sobretudo em conta o significado da sequência política
>das votações hoje realizadas.
>
>O voto do Grupo Parlamentar do PCP baseia-se
>fundamentalmente na consideração de que, face à
>intransigência e arrogância da maioria de direita,
>sobreleva a necessidade de não avolumar fracturas no
>campo das forças que se pronunciam pela despenalização
>do aborto e de antes afirmar uma solidariedade
>recíproca em torno desse justo e crucial objectivo,
>que o PCP aliás comprovadamente demonstrou na forma
>como conduziu o agendamento e a organização deste
>debate.
>
>A maioria PSD-CDS/PP, cega e surda diante da pungente
>interpelação que vem da realidade, rejeitou hoje a
>aprovação dos diversos projectos de lei de
>despenalização.
>
>O Grupo Parlamentar do PCP sublinha que nem mesmo esse
>facto leva o PCP a render-se à tese, sem qualquer
>fundamento constitucional ou legal, de que só após
>novo referendo se pode voltar a legislar sobre matéria
>objecto de um anterior referendo que não teve carácter
>vinculativo e desde já garante que, quando houver uma
>nova e diferente maioria nesta Assembleia, voltará a
>confrontar o conjunto dos deputados com a proposta de
>aprovação de um projecto de lei de despenalização,
>esperando que, em coerência com as posições hoje
>assumidas de apresentação e votação de projectos de
>lei visando a despenalização, o PS e o Bloco de
>Esquerda assumam nessa altura idêntica posição.
[
Next Thread |
Previous Thread |
Next Message |
Previous Message
]
| |