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Subject: A Revolução de Abril


Author:
João Aguiar
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Date Posted: 25/04/07 10:02:54

A Revolução de Abril 33 anos depois: balanços e perspectivas

cravo

Em 25 de Abril de 1974 derrubou-se o regime fascista português. O fascismo existiu, torturou, matou e explorou o povo português e os povos das colónias durante 48 anos.


João Aguiar * - 25.04.07

Mais de três décadas após o derrube do regime fascista, Portugal continua sem ver concretizados os ideais da Liberdade, da Democracia e da Justiça Social que a Revolução de 25 de Abril consagrou. De facto, os ataques que os vários governos PS e PSD enfeudados à política de direita têm conduzido contra as conquistas de Abril, em sintonia com o acentuar da ofensiva internacional do imperialismo, funcionam como poderosas alavancas para amordaçar a luta popular e suas justas exigências de paz, liberdade e justiça social. Neste processo, por exemplo, as tentativas de criminalização do comunismo na UE ou a ilegalização da Juventude Comunista da República Checa são um claro aviso da tendência para a actual fascização da generalidade dos chamados Estados democráticos ocidentais. Conservando instituições formalmente democráticas e sem destruir as chamadas regras do jogo democrático, por outro lado, está a ocorrer uma clara concentração do poder político nos órgãos executivos do Estado com a correlativa militarização e securitarização da vida social. Também por esta via o legado democrático e libertador de Abril está ameaçado.

Feitas estas primeiras (e muito telegráficas) observações do pano de fundo do contexto actual, importa enquadrar historicamente a Revolução do 25 de Abril de 1974. Tal objectivo esbarra inevitavelmente na necessidade de classificarmos o período histórico que lhe antecedeu. No fundo, trata-se de perceber o que foi afinal o Estado Novo.

O Estado Novo foi um fascismo

Nos dias de hoje, muitos há que definem o regime político que vigorou em Portugal entre 1926 e 1974 como um mero regime autoritário ou como um Estado de Direito com pequenos laivos de autoritarismo. Na prática, trata-se de uma variante da linguagem salazarenta dos “safanões a tempo”. Em vários blogs e textos de opinião de membros do PS, PSD e mesmo do Bloco de Esquerda têm surgido insistentemente argumentos que afirmam que teria existido um Estado de Direito (quase) democrático dada a existência de uma Constituição. Como se todas as ditaduras fascistas, como o tenebroso nazismo de Hitler, não tivessem uma Constituição! Ao mesmo tempo, afirmam que a ligação do Estado Novo com a Igreja Católica teria impedido que o regime se tivesse tornado fascista evitando assim tendências repressivas. Como se o conluio do Vaticano relativamente ao próprio nazismo não tivesse sido uma evidência! Como se não tivesse existido repressão em Portugal durante o fascismo! Por estas teses perpassa todo um sentido de branqueamento da História, procurando expurgar o Estado Novo da sua verdadeira essência: ter sido um Estado fascista. A classificação que os comunistas e outros democratas dão de fascista ao Estado Novo de Salazar e Marcelo Caetano não é fruto de qualquer aleatoriedade ou para efeitos de propaganda política como os apologistas mais ou menos encapotados do revisionismo histórico procuram fazer crer. Na realidade, o Estado Novo foi efectivamente a variante portuguesa do movimento fascista que varreu a Europa dos anos 20 a 40. Sem querer ser exaustivo, basta lembrar as saudações nazi-fascistas que os seguidores de Salazar lhe dirigiam em qualquer cerimónia pública, o retrato de Mussolini na mesa do gabinete de Salazar, o decretar de 3 dias de luto nacional aquando da morte de Hitler ou a ajuda mais ou menos encoberta, mais ou menos pública do governo português ao esforço de guerra franquista na guerra civil de 1936-39 ou às potências do Eixo na Segunda Guerra Mundial. Para além destes factos mais palpáveis, e aproveitando para entrar num registo ligeiramente mais teórico, o Estado Novo era objectivamente fascista em pelo menos dois níveis.

Num primeiro nível, o fascismo português traduz semelhanças e propriedades óbvias com os fascismos italiano e alemão. Os fascismos surgiram sempre como derivados do estado de desorganização política das classes dominantes. Ou seja, quando a instabilidade política das ditas elites é colossal, quando não há uma fracção dominante capaz de legitimar um programa político que unifique o conjunto das classes dominantes, afigura-se óbvia a possibilidade de se implantar uma forma de Estado fascista. Este apresenta-se como um Estado acima das classes e dos indivíduos procurando a unidade nacional o que é o mesmo que dizer: 1) que consegue unificar e organizar politicamente as classes dominantes. Salazar e o Estado Novo representaram a pacificação das enormes fricções entre a burguesia industrial (e comercial) e a camada latifundiária que estiveram na base de grande parte da instabilidade política da I República; 2) o fascismo desempenha não só um papel de organização política (de uma parte – restrita – da população) como igualmente desorganiza politicamente a restante maioria popular. Em Portugal isso é perfeitamente visível na repressão do movimento operário e dos sindicatos e partidos que rejeitavam o novo regime. Em termos de desenvolvimento histórico o mesmo se passou na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler. Na Itália entre a burguesia industrial e financeira e a burguesia agrária do Sul. Na Alemanha entre os Junkers que controlavam as terras, a burguesia industrial do Ruhr e a burguesia financeira. Ao mesmo tempo, ambos reprimiram o movimento operário nos mesmos moldes. Se Salazar matou e reprimiu menos tal não invalida a sua profunda semelhança relativamente ao que se passou na Itália e Alemanha. Há diferenças de grau mas não de natureza.

Num segundo nível, o fascismo define-se pela relação que o Estado estabelece com a matriz sócio-económica e as classes existentes numa determinada sociedade. O fascismo português veiculou uma política económica claramente beneficiária para as classes dominantes. Ou seja, desde o condicionamento industrial até à política de baixos salários e elevados horários de trabalho, passando pela rapina das riquezas naturais das colónias em África, o fascismo português era objectiva e inequivocamente um instrumento da grande burguesia portuguesa para aumentar a exploração do povo português e oprimir os povos das ex-colónias e sugar os seus recursos naturais.

Finalmente, gostaria de citar o próprio Salazar que se auto-intitulava de fascista. Só por aqui se vê o carácter imoral e criminoso das teses que procuram branquear o fascismo português.

Referindo-se ao Estado Novo, «a nossa Ditadura [repare-se no pormenor do D maiúsculo salientado pelo próprio Salazar, JA] aproxima-se evidentemente, da Ditadura fascista no reforço da autoridade, na guerra declarada a certos princípios da democracia [desta vez, repare-se que a palavra democracia é escrita em minúsculas, JA]». O ditador fascista não se fica por aqui: «Tenho o orgulho de dizer que a obra da Ditadura portuguesa, guardadas as proporções do meio, não é inferior, nos seus resultados e nas suas directrizes, à obra da ditadura italiana». Estas afirmações podem ser encontradas nas famosas entrevistas dadas a António Ferro em 1933. Como negar que o salazarismo – e sua extensão cosmética de Marcelo Caetano – não era fascista quando é o próprio que confirma isso mesmo? Só má-fé e desculpabilização do fascismo explicam a defesa de teses revisionistas e branqueadoras da essência real do Estado Novo.

Portanto, esta forma fascista de organização da sociedade e do Estado resultou na repressão brutal dos trabalhadores que se manifestavam contra o regime ou por melhores condições de vida e melhores salários. A repressão estendeu-se sobretudo ao PCP através da perseguição, da prisão, da tortura e recorrendo mesmo ao assassinato (relembro apenas os casos de Dias Coelho, Catarina Eufémia, Alex, Bento Gonçalves). Registaram-se pelo menos 96 assassinatos políticos, fora os massacres ocorridos na guerra colonial. Ao mesmo tempo, só nos primeiros 25 anos do regime ocorreram mais de 20 mil prisões políticas. Um regime que condenou gerações de portugueses à exploração mais despudorada, à miséria, ao analfabetismo, ao obscurantismo. Um regime sanguinário que não hesitou em oprimir barbaramente os povos de Angola, Moçambique, Guiné, São Tomé e Cabo Verde concretizando a rapina das riquezas destes povos em prol de um punhado de grandes capitalistas. Um regime que entregou milhares e milhares de jovens portugueses a morrer numa guerra contra povos irmãos. Por tudo isto, um regime com tais características só pode ser um regime fascista. Como disse anteriormente, não se trata de uma questão de propaganda política ou sequer académica. Trata-se sim de repor a verdade sobre o que realmente se passou neste país durante quase meio século. A reposição objectiva do que foi o fascismo é uma tarefa vital que enquanto comunistas temos de transmitir às novas gerações. Porque ao mostrarmos a essência profunda do fascismo, ressaltam imediatamente aos olhos de qualquer pessoa de boa-fé e com honestidade intelectual, os homens e mulheres – comunistas e não comunistas – que lutaram contra o regime iníquo de Salazar e Caetano. Sem uma plêiade de democratas e de revolucionários que durante 48 anos enfrentaram o fascismo não teria ocorrido o 25 de Abril e, tão ou mais importante, este não teria sido a revolução libertadora que foi.

O 25 de Abril de 1974

O 25 de Abril (e toda dinâmica popular e revolucionária subsequente) é naturalmente o acontecimento maior da História portuguesa contemporânea. Iniciado como um golpe de oficiais democratas e progressistas contra o regime, logo na manhã de 25 de Abril o golpe se transforma em revolução. Pela participação criativa, alegre e activa das massas populares no processo revolucionário e democrático. Pelas transformações avançadas que o povo português almejou construir. O 25 de Abril também foi uma revolução porque teve como um actor político de primeira importância o PCP, que em conjunto com os trabalhadores portugueses e o MFA, foram a principal força motora da revolução portuguesa.

Uma revolução que foi de encontro às teses que o camarada Álvaro Cunhal muito correctamente definiu anteriormente da revolução antifascista como democrática e nacional. Nas suas palavras, «é democrática porque acabará com a tirania fascista, instaurará a liberdade política, porá termo ao domínio da oligarquia financeira, defenderá os interesses populares, realizará uma série de reformas que beneficiarão a maioria esmagadora da população portuguesa». E é nacional «porque, acabando com o domínio imperialista sobre Portugal e o domínio colonialista de Portugal sobre outros povos, assegurará a soberania, a integridade territorial e a verdadeira independência do país» (Cunhal, 1994, p.25). Tais objectivos colocados ao povo e aos trabalhadores portugueses correspondiam, por um lado, às aspirações das mais amplas massas, suas expectativas num Portugal democrático, livre, soberano e onde a justiça social não fosse uma frase vazia. Por outro lado, uma revolução democrática e nacional era o horizonte colocado aos trabalhadores portugueses, dada a correlação de forças nacional e internacional.

De forma muito sumária, podem-se enumerar as principais conquistas da Revolução de Abril. Recorri por isso a duas obras essenciais de Álvaro Cunhal (A Revolução Portuguesa: o passado e o futuro; A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril) para dar conta do que de mais libertador foi conseguido com a Revolução de 74/75: 1) a conquista das liberdades (liberdade de reunião e manifestação; liberdade dos partidos políticos; liberdade sindical; conquista do direito de greve; a liberdade de imprensa); 2) o melhoramento das condições de vida da classe operária e do povo (o estabelecimento do salário mínimo, dos subsídios de férias, alimentação, pensões de invalidez, de desemprego, etc.); 3) o controlo operário e a gestão dos trabalhadores em fábricas alvo de sabotagem do patronato; 4) as nacionalizações (da banca, estaleiros, recursos energéticos, luz, transportes, companhias de cimentos, petroquímicas, etc.); 5) a Reforma Agrária (com a constituição de mais de 400 UCP’s e cooperativas e com o emprego de dezenas de milhares de trabalhadores, com óbvios efeitos no aumento da área cultivada e da produção e na queda acentuada do desemprego na região); 6) o processo de descolonização e o fim da guerra colonial; 7) a existência de uma política de independência nacional (algo de inédito em centenas de anos da História portuguesa, na medida em que a submissão e vassalagem aos ditames de potências imperialistas estrangeiras foi interrompida, sendo hoje reatada descaradamente pelos governos PS e PSD); 8) a consagração de importantes direitos sociais, económicos e culturais das massas (ao nível da educação, saúde, habitação, segurança social, acesso à justiça, etc.).

Do outro lado da barricada contra Abril tínhamos (e temos) o grande capital. É certo que a burguesia – nomeadamente o grande capital financeiro e industrial – tinha sofrido um duro golpe com a Revolução de Abril. Os grandes grupos monopolistas – Champalimaud, os Mello, os Espírito Santo, etc. – viram o seu poder económico ser subtraído. Contudo uma classe dominante nunca desaprende a dominação de classe de um dia para o outro e muito menos se habitua a uma nova condição que não seja a de domínio e hegemonia. À sua experiência de décadas e décadas de domínio político e económico da sociedade portuguesa, há que não esquecer as ferramentas que a classe dominante tem sempre ao seu alcance. Nesse sentido, perdido o poder de Estado com o derrube do fascismo tal não significa nunca que a burguesia não continue a dispor de armas políticas (e militares). A burguesia nunca está na luta de classes só com um único instrumento mas tem sempre um naipe de cartas que pode ir utilizando à medida em que decorre o processo político. Portanto, perdido um dos ases do baralho – o Estado fascista –, restavam ainda outros trunfos na manga. A burguesia soube jogar sabiamente um deles: o Partido Socialista sob comando de Mário Soares. O facto de ter sido o PS e seu líder de então a funcionarem como os principais pivots da luta contra o processo revolucionário não tem que ver apenas com traição de princípios, oportunismo político e uma estatura moral repugnante. Isso é certamente verdade mas não é suficiente para caracterizar o comportamento do PS nessa época. Com efeito, a primeira carta jogada pela burguesia logo a seguir à revolução foi um rotundo fracasso. Spínola e suas aventuras militares e conspirativas de recorte fascista foram inequivocamente derrotadas pelas massas populares no 28 de Setembro de 74. Voltaria a lançar nova aventura no 11 de Março de 75 mas desta vez era muito mais um peão, um joguete nas mãos do verdadeiro jogador da contra-revolução: o PS. Este partido era então o único capaz de unificar a burguesia e destroçar a luta do proletariado. Esgotada temporariamente a possibilidade de contra-golpes militares contra o regime democrático de Abril, o PS vai então surgir como a ponta-de-lança da contra-ofensiva do capital contra o movimento povo-MFA e os governos de Vasco Gonçalves. Não que o PS pretendesse voltar ao fascismo – como acontecia com Spínola – mas o PS através de múltiplos malabarismos e jogos de cintura conseguiu arrastar para o seu lado camadas da classe trabalhadora que não tinham ainda conseguido transformar a sua consciência política antifascista e democrática em voto e apoio político efectivo ao PCP por uma variada ordem de razões. O preconceito anti-comunista e anti-soviético herdado do fascismo não pode ser desprezado. Como a manipulação que o PS fez das aspirações populares de justiça social e aprofundamento da democracia política e económica não pode igualmente ser rejeitada na forma como o PS se tornou no partido mais votado nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1975. A ilusão inculcada em massas menos avançadas – mas comprometidas genuinamente com Abril – de que o PS seria o real defensor de um “socialismo democrático” (como se fosse possível um socialismo ditatorial!) contribuiu igualmente para ganhar o apoio dessas massas, bem como do apoio da pequena-burguesia urbana (a pequena-burguesia rural e o campesinato nortenhos foram sobretudo captados pelo PSD e pelo CDS).

Todavia, o grande capital não derrotou o processo democrático e revolucionário de 74/75 apenas com uma carta. Da sua manga, a burguesia “sacou” ainda o PSD, o CDS, os sectores militares reaccionários (que no 25 de Novembro iriam defender um banho de sangue sobre os comunistas), o terrorismo bombista do MDLP e do ELP, o esquerdismo (o MRPP, a AOC, a OCMLP, etc.) e o apoio internacional da CIA, da NATO, da CE e do próprio Franco.

Não obstante a amplitude de recursos e a força da reacção, é indesmentível que o impacto das conquistas de Abril foi tal que ainda hoje passados 33 anos o património da Revolução ainda não foi completamente destruído. Apesar da descaracterização do regime político democrático, da deterioração das condições de vida e de trabalho do povo português, dos atentados à soberania nacional, da destruição paulatina da escola, da saúde e da segurança social públicas, a riqueza civilizacional de Abril é medida também por estes termos. A sua importância foi tal, o sulco que inscreveu na sociedade portuguesa foi tão profundo que 30 anos de contra-revolução impiedosa de governos PS e PSD (com o beneplácito da UE) não conseguiram subverter Abril na sua totalidade.

Os ataques à Revolução de Abril, sua legitimação ideológica e a quem interessa a contra-revolução

Os objectivos do grande capital português e europeu passam pela destruição absoluta, completa e irreversível de Abril. Lembro apenas as palavras de Champalimaud – o ex-decano do grande capital português – quando há uns anos atrás disse taxativamente que “o 25 de Abril foi a pior coisa que aconteceu em Portugal”. Para que estes propósitos anti-democráticos e anti-populares – que como se pode ver têm uma clara raiz de classe – sejam conseguidos, o grande capital sabe que não basta apenas contar com a crescente exploração que o patronato submete os trabalhadores no local de trabalho, nem a colaboração activa dos governos PS e PSD (com ou sem CDS). A ofensiva ideológica é das frentes mais importantes e o capital sabe disso melhor do que ninguém. Por exemplo, em Portugal é raro o grande meio de comunicação social (televisão, rádio ou jornal) que dê lucro ou pelo menos que este seja significativo. Pode-se então perguntar como empresários tão “empreendedores” e “dinâmicos” como Belmiro de Azevedo ou Pinto Balsemão sujeitam-se a perder milhões de euros no negócio dos mass media. Ora, eles fazem isso porque o aparato mediático e (des)informativo é uma peça essencial nos mecanismos de reprodução do poder político e económico da classe dominante. Daí que os milhões e milhões perdidos em investimentos na comunicação social tenham um valioso retorno ao nível da manipulação e adormecimento político das massas populares. Desde opinion-makers de paupérrimo nível intelectual, passando pelas teses de académicos que pretendem branquear a natureza fascista do Estado Novo, até ao desenvolvimento de discursos simplistas baseados na acusação e condenação da Revolução de Abril como pretensa causa para os males do país, muito tem sido feito pelos aparelhos ideológicos do grande capital para que o povo português – designadamente as jovens gerações – descarte as conquistas de Abril. Um exemplo. Ouve-se por vezes dizer que a culpa da difícil situação actual em que vivem os trabalhadores portugueses está no 25 de Abril e no que o processo revolucionário teria implicado na “rigidez” das leis laborais e “privilégios” concedidos aos trabalhadores ou no peso pretensamente excessivo da máquina do Estado e nos direitos que teriam feito dos funcionários públicos uns “parasitas” e uns “privilegiados” da sociedade portuguesa. Deste discurso batido todos os dias nos meios de comunicação social, deriva um outro ainda mais pernicioso que é transmitido e apropriado por franjas da população mais despolitizadas: “no tempo do Salazar é que era bom”. Este discurso simplista, linear e deturpado não é só apanágio dos saudosistas do regime fascista mas tem aceitação em camadas populares desfavorecidas e com pouca consciência política e social. Evidentemente não são estas franjas da população que produzem este discurso. As difíceis condições de vida, a proliferação de fenómenos de pobreza e de exclusão social, a desagregação de ambientes populares e operários comunitários e a falta de ligação ao movimento sindical são factores que, no seu conjunto, abrem portas para a penetração de tais tipos de discursos. Por aqui se percebe a tentativa dos sectores mais obscurantistas e reaccionários do capital em instrumentalizar parte do povo português, levando à letra o velho ditado do “dividir para reinar”, patente nas divisões que pretendem criar entre trabalhadores do sector privado e do Estado, trabalhadores efectivos e precários, trabalhadores portugueses e imigrantes, trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados, trabalhadores empregados e desempregados. Tudo isto com o intuito de desorganizar política e ideologicamente a classe trabalhadora no seu todo e assim legitimar e prosseguir a ofensiva contra o que resta de mais fecundo das conquistas de Abril, inclusive a democracia política.

Há que manter a vigilância e enquanto Partido conseguirmos divulgar ainda mais os nossos materiais de propaganda junto das camadas mais pobres do operariado que pela sua situação são mais vulneráveis às falácias e mentiras da burguesia. Em simultâneo com o reforço imensamente positivo que o Partido vem prosseguindo ao nível da organização nas empresas e locais de trabalho, é vital ligar o Partido às camadas do que Marx chamava de exército industrial de reserva. Os desempregados de longa duração em Portugal atingem números assustadores (em finais de 2004 o seu número atingia quase 180 mil segundo estudo do economista Eugénio Rosa; hoje será seguramente bem maior o número de desempregados de longa duração). Esta é uma faixa extensa da classe trabalhadora que não tem ligação aos seus camaradas de classe no local de trabalho. Daí que seja importante que consigamos criar grupos unitários que a partir dos seus sentimentos e aspirações mais básicos e concretos lhes permita participar mais activamente na luta mais geral contra o governo PS/Sócrates e sua ofensiva política de classe. O desenvolvimento do movimento associativo (comissões de bairro, moradores, associações populares desportivas, recreativas e culturais, etc.) junto de camadas populacionais atingidas pelo desemprego de longa duração ou persistente, é uma frente importante e que pode ser uma via para canalizar massas de desempregados para o movimento central e nuclear que é a luta operária e sindical.

Lições de Abril

Para terminar, gostava de enumerar alguns dos que me parecem ser os ensinamentos mais relevantes da Revolução de Abril. Portanto, do seu imenso legado histórico e que mantém um inegável valor na actualidade torna-se pertinente destacar as seguintes lições:

1) O povo é o sujeito da História. Por outras palavras, é a classe trabalhadora e seus aliados que estão na origem de todas as transformações sociais e políticas progressistas e revolucionárias da época contemporânea. Ao contrário das teses burguesas que propagam a ideia que a História move-se apenas por intermédio da acção de grandes figuras históricas, a Revolução do 25 de Abril evidencia a capacidade própria que as massas trabalhadoras possuem para desenvolver lutas e intervenções no sentido de satisfazerem os seus interesses e necessidades. Em suma, os trabalhadores e o povo são o elemento decisivo por excelência na inscrição de dinâmicas de progresso social e humano nas sociedades. Os comunistas têm (e devem ter) sempre presente esta noção de que o povo quando liberto da opressão e/ou do enquadramento ideológico das classes dominantes consegue sempre alcançar grandes feitos. Gostaria ainda de frisar a autêntica epopeia da gente anónima, simples e digna que vive todos os dias fazendo das tripas coração. Esta epopeia é ainda mais elucidativa se atendermos ao facto de que se realizou num pequeno país, num país com pouca relevância política e económica na cena internacional. Se algumas das grandes revoluções contemporâneas ocorreram em países importantíssimos no xadrez mundial (França em 1789, Rússia em 1917, China em 1949), não podemos ignorar o papel autónomo que os povos dos ditos pequenos países tiveram nos últimos 100 anos. Apesar das suas diferenças, Cuba, Vietname e Portugal, só para citar alguns casos, são a prova de que não há povos maiores e povos menores e que a luta pela sua libertação é uma possibilidade histórica real. Termino este ponto, dizendo apenas que tendo sempre consciência que o povo é o sujeito da História é inevitável que depositemos confiança nas massas.

2) A importância de uma organização política de vanguarda. Se o povo assume-se nas situações revolucionárias como o sujeito colectivo da transformação social, tal não acontece sem a existência de uma organização política de vanguarda. No caso da Revolução de Abril, o PCP foi o partido que mais contribuiu para o aprofundamento do processo revolucionário e democrático, como também na correcta orientação das massas, lendo adequadamente o balanço de forças objectivas e de forças subjectivas em cada momento da conjuntura revolucionária. Sem nunca ter caído na conciliação de classes e sem ter embarcado em aventuras esquerdistas que em nada tomavam em atenção o contexto real e concreto existente, o PCP permitiu que a dialéctica entre espontaneidade e organização fosse conseguida. Pelo menos nos campos do Sul (zona da Reforma Agrária) e na cintura industrial de Lisboa. De facto, o PCP, em conjunto com os governos provisórios de Vasco Gonçalves e os sectores mais consequentes do MFA, foi a força política dirigente dos trabalhadores mais esclarecidos e avançados. Desse modo, conseguiu-se evitar que o turbilhão popular espontâneo surgido nos primeiros dias após a revolução se desarticulasse e fosse mais facilmente manietado pelas forças políticas conciliadoras. Não foi possível o triunfo completo do projecto emancipador de Abril. Contudo, isso não nos deve levar a deitar fora um princípio fundamental em cada período histórico, mais ainda numa situação revolucionária: a existência de um Partido marxista-leninista, de uma força revolucionária empenhada na transformação da sociedade e portadora dos interesses mais autênticos e avançados das massas populares. Parafraseando – e modificando – a célebre máxima de Lenine (“sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário”), podemos afirmar que sem Partido revolucionário não há movimento revolucionário. Pela sua ideologia, pelo recrutamento dos melhores filhos do povo, pelo espírito de militância e de dedicação à causa do socialismo, pelos ideais de fraternidade e solidariedade que enformam a relação entre os seus membros, pela sua actividade junto e com as massas, pela defesa da soberania nacional, pela solidariedade com qualquer povo ou trabalhador oprimido ou explorado em qualquer parte do mundo, a existência de uma organização política de vanguarda é um pré-requisito imprescindível em qualquer processo de transformação social. O 25 de Abril e o PCP são os exemplos vivos deste ensinamento.

3) O poder de Estado, a revolução e o seu aprofundamento. Anteriormente falei que não foi possível uma vitória completa do projecto de Abril. Boa parte das razões encontra-se na acção concertada de PS, PSD e CDS, militares reaccionários, sectores obscurantistas da igreja, etc. contra Abril. Porém, um condicionalismo da maior relevância tem que ver com o poder de Estado. Isto é, sem o controlo do poder de Estado pelas forças políticas mais consequentes na defesa dos interesses do povo, o processo revolucionário corre sempre um risco elevado de reversão e de ser derrotado. Houve a participação de comunistas e de outros democratas nos governos provisórios a seguir à Revolução. Contudo, o controlo garantido, estável e duradouro da máquina de Estado nunca foi uma realidade concretizada. Um dos factos mais curiosos da Revolução prende-se com a profundidade das conquistas atingidas. Vistas pelo prisma de que o poder político nunca esteve nas mãos das organizações políticas da classe trabalhadora portuguesa, o grau de aquisições e direitos efectivos foi colossal. Mas sem o poder de Estado nas suas mãos, o povo não tinha a alavanca fundamental que lhe permitiria avançar o processo revolucionário e em simultâneo protegesse a sua acção política das investidas da reacção. O camarada Álvaro Cunhal foi muito explícito neste âmbito quando afirma em “A Revolução Portuguesa: o passado e o futuro” que «As forças revolucionárias tiveram capacidade para realizar profundas transformações democráticas no Estado. Mas não tiveram capacidade para construir um Estado democrático, garantia de capital importância para salvaguarda da Revolução». Desta linha marxista de pensamento conclui que tal facto «é uma falha da Revolução portuguesa de extrema gravidade» (Cunhal, 1976, p.59). Daqui deriva a questão da natureza de classe do Estado, ou seja, quem o controla e a quem ele serve, que forças políticas estão à sua frente e que políticas impulsionam. Já dizia Lenine que «a questão mais importante de qualquer revolução é sem dúvida a questão do poder de Estado. Nas mãos de que classe está o poder, isto é que decide tudo» (Lenine, 1978, p.201), e este foi um princípio que o Partido seguiu sempre. Não é por acaso que o escrito mais marcante do camarada Álvaro Cunhal sobre o Estado se intitule precisamente “A questão do Estado, questão central de cada revolução”. Assim, este é mais um ensinamento que não podemos descartar nos dias de hoje.

4) O papel de vanguarda da luta operária no processo revolucionário. A Revolução de Abril demonstrou vivamente o lugar destacado da classe operária no avanço da dinâmica revolucionária. As nacionalizações, as experiências de controlo operário em algumas empresas ou, o que é provavelmente o maior feito da Revolução, as ocupações de terras no Alentejo e sul do Ribatejo que se expressaram na Reforma Agrária constituem exemplos vivos da força e combatividade do operariado industrial e agrícola – com o seu Partido de classe – na condução da luta popular.

A gestão colectiva dos trabalhadores é um elemento que esteve sempre presente na mente e nos corações dos trabalhadores mais conscientes e combativos e foi uma realidade viva em várias UCP’s e cooperativas durante o período da Reforma Agrária. O maior feito que um povo pode alcançar é exactamente tomar colectivamente a sua vida pelas suas próprias mãos, fazer com que o controlo da produção económica, da vida política e da criação cultural sejam um dado adquirido pelos trabalhadores. Como já dizia a canção: “façamos nós por nossas mãos tudo a que nós diz respeito”. Isto foi real em certas zonas do país, sobretudo por parte do proletariado alentejano que como nenhum outro expressa toda a história da luta operária em Portugal. Como nenhum outro sofreu a repressão do fascismo, como nenhum outro combateu com o seu sangue a ditadura, como nenhum outro construiu a revolução com os seus braços e o seu engenho e mais tarde, como nenhum outro, viu todo o seu riquíssimo novo modo de viver social e económico ter-lhe sido arrancado, com o recurso às balas, pelos governos PS e PSD e pelos ex-latifundiários. Tudo isto para, no fundo, demonstrar com um caso concreto o papel de vanguarda da classe trabalhadora na luta popular pela democracia e pela liberdade, mas também para relembrar um aspecto que me parece essencial. A burguesia nunca dá nada de borla aos trabalhadores. Os direitos não são dádivas de caridade ou prendas por bom comportamento das classes populares, mas são conquistas provenientes da luta de massas, da organização colectiva dos trabalhadores e do povo em estreita ligação e interacção com as suas organizações de classe e políticas de vanguarda. Em Portugal a CGTP e o PCP com especial importância.

5) Necessidade de uma perspectiva histórica de longo alcance. O que vivemos em cada momento do desenvolvimento de uma sociedade não é um ponto isolado no tempo e no espaço. Em termos muito óbvios, existe sempre um passado, um presente e um futuro. O presente é muito do que o passado fez dele, e o presente contém em si um novelo de contradições e tendências emaranhadas, à primeira vista caóticas e desordenadas, mas que apelam sempre para o futuro. Uma perspectiva histórica de longo alcance implica obrigatoriamente que sejamos capazes de observar os espaços de tempo mais curtos, onde nas esquinas da História se decidem as conjunturas e os acontecimentos políticos. Consequentemente, uma perspectiva histórica de longo alcance é essencial não só para enquadrar a nossa acção política diária, mas também nos dá uma visão mais global dos processos de evolução da sociedade em que vivemos. Permite-nos aprender com as vitórias e os dissabores do passado, com os erros e as conquistas, com as experiências passadas. Isto por um lado. Por outro lado, ou seja, do lado da visão do futuro (que não é sinónimo de futurismo) permite-nos perceber que como dizia o poema de Brecht “as coisas não continuarão a ser como são. Depois de falarem os dominantes falarão os dominados (…) os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã”. Por muito sombrio que um cenário histórico possa parecer, ele só o é à primeira vista. Armados com uma postura racional e não desesperada, munidos com a ciência da compreensão e transformação das sociedades – o materialismo histórico – e abraçando uma perspectiva histórica, percebemos que a História não acaba (nem nunca acabará) e que mais tarde ou mais cedo, se persistirmos com a nossa luta diária, o povo e os trabalhadores tomarão o seu destino em suas mãos. Portanto, os comunistas não são guiados na sua luta por uma esperança vã mas por uma esperança e por uma confiança na luta firmemente alicerçada no real movimento da História.

Vamos à luta para cumprir Abril!

25 de Abril sempre!

Fascismo nunca mais!

Bibliografia:
CUNHAL, Álvaro (1976) – A Revolução Portuguesa: o passado e o futuro. Lisboa: Edições Avante.
CUNHAL, Álvaro (1994) – Acção revolucionária, capitulação e aventura. Lisboa: Edições Avante.
LENINE, Vladimir (1978) – Uma das questões fundamentais da Revolução. In Obras escolhidas em três tomos: tomo 2. Lisboa: Edições Avante, p.201-206


Este texto foi a intervenção de João Aguiar no debate “33 anos depois da Revolução de Abril”, organizado pela organização de Espinho do PCP.

[*] Estudante de sociologia.

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