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Subject: Drama de um ex-privilegiado


Author:
Sérgio de Andrade
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Date Posted: 3/04/07 18:42:29
In reply to: Rui Tavares 's message, "A sociedade de castas" on 26/03/07 23:37:52

Drama de um ex-privilegiado


Sérgio de Andrade, Jornalista

As pessoas que não necessitam de frequentar os centros de saúde (e cada vez são mais, desde que, neste país de grandes imoralidades, o Governo PS decidiu acabar com a pequena "imoralidade" que seriam os subsistemas de saúde...) talvez pensem que os utentes só têm dois problemas esperar para ser atendidos e esperar para serem operados. Uma operação é coisa complicada, convenhamos; e esperar também não é o fim do mundo. Não está mal de todo, pensar-se-á.

Infelizmente, essas duas pontas de um gigantesco icebergue são apenas aquelas a que a comunicação social dá mais visibilidade e, portanto, é natural crer-se que todo o resto vai bem. Mas não vai! Como acaba de descobrir um infeliz que passou do subsistema de saúde ao regime geral. Precisava de consultar um especialista e, já de pé atrás, decidiu pagar do seu bolso a consulta e mais um auxiliar de diagnóstico. E só quando o médico lhe aconselhou também umas análises é que o infeliz em questão pensou "Já cumpri a minha parte de bom cidadão, não sobrecarregando o orçamento do Ministério da Saúde, espero que agora o Estado também colabore. Vou ao centro de saúde da minha área pedir um P1" (o infeliz ex-privilegiado tinha ficado a saber que o P1 é um papel que se leva ao laboratório, onde só paga uma taxa moderadora).

Pés a caminho, o infeliz chegou ao centro, disse ao que ia e obteve esta resposta "Análises? Têm que ser passadas pelo seu médico de família. Ai, ainda não tem médico de família (mas afinal que raio será isso de "médico de família"?). Estamos em Março, não é verdade? Penso que lhe posso arranjar consulta para Maio. Depois, a requisição vai para o hospital da área e este informá-lo-á do local onde pode fazer as análises".

Como é de calcular, o infeliz ex-privilegiado ficou mais pobre, pois pagou, depois da consulta e do eco-qualquer-coisa, também as análises. Mas ficou mais rico em experiência. Passou a sentir na pele o que sentem milhões (serão milhões, não?) de concidadãos quando se servem da assistência (?) pública na saúde. Como aquele que, gastando 100 euros numas lentes baratinhas, acabou por receber uma comparticipação de 61 cêntimos.

Abençoado país!

Sérgio de Andrade escreve no JN, semanalmente, às terças-feiras.

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