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Subject: Esta é a campanha que não acabou os estudos


Author:
José Vítor Malheiros
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Date Posted: 18/04/07 9:15:09

É desprezível que se apresentem determinadas actividades profissionais como indignas e como exemplos negativos


A história é conhecida: um jovem sacristão trabalhava na sua aldeia para um pároco idoso que um dia morreu e foi substituído por um padre jovem e reformista. Este, mal chegou à paróquia, entregou ao sacristão uma lista de alterações a introduzir no serviço da igreja que lhe pediu que pusesse em prática. O homem, embaraçado, devolveu a lista ao padre explicando-lhe que não sabia ler e que, por isso, o padre teria de lhe explicar de viva voz o que quisesse que ele fizesse. O padre ficou estarrecido pela ignorância do homem e despediu-o, pois não podia ter ao seu serviço um analfabeto.
O sacristão, cabisbaixo, foi até à cidade para decidir o que fazer da sua vida. A dada altura quis comprar cigarros, mas reparou que na rua onde estava não havia nenhuma tabacaria. E o mesmo acontecia em todas as outras ruas do bairro. Decidiu agarrar nas economias e, em vez de tentar procurar novo emprego, abrir uma tabacaria de vão de escada. A tabacaria prosperou e transformou-se num amplo estabelecimento e a ela seguiram-se outras empresas que granjearam ao seu proprietário uma confortável fortuna. Um dia, recebeu a visita do seu advogado que lhe vinha pedir que lesse uns documentos. Ele teve de lhos devolver, explicando que não sabia ler. O advogado não pôde conter o espanto: "Mas se o senhor, sem saber ler, conseguiu chegar onde chegou, onde não estaria se soubesse ler?..." "Se eu soubesse ler", respondeu o abastado comerciante "era sacristão na minha aldeia."
A história tem várias morais e uma delas pode ser que nem a formação escolar é uma garantia de sucesso nem o empreendedorismo se aprende na escola.
Vem isto a propósito da campanha Novas Oportunidades, lançada pelo Governo, que "visa sensibilizar a população adulta para a importância da qualificação" e que se tornou notória pela utilização de várias estrelas (Pedro Abrunhosa, Judite de Sousa, Carlos Queiroz, Maria Gambina). A campanha mostra o "Pedro", a "Judite", o "Carlos" e a "Maria" a fazer aquilo que supostamente seria a sua profissão se "não tivessem acabado os estudos": a trabalhar como arrumador de uma sala de concertos, numa papelaria, a cortar a relva e a passar a ferro.
É certamente bom que o Estado português faça uma campanha para promover a aprendizagem e o regresso à escola. Mas é absolutamente desprezível que se apresentem determinadas actividades profissionais como indignas e como exemplos negativos, numa menorização das pessoas (dos cidadãos) que desempenham estas tarefas (cuja relevância social não é nula, diga-se) que é não só eticamente inadmissível como economicamente disparatada.
O problema em Portugal é precisamente que há imensas pessoas que não possuem competências nas suas áreas de actividade: temos comerciantes que não sabem fazer contas, lavadeiras que não sabem tirar nódoas, empregados de teatro que não sabem falar a um cliente e jardineiros que não sabem tratar de um relvado. O problema não é que haja pessoas a fazer isto (ou outra coisa) em vez de terem canudos. O problema é que há pessoas a fazer isto (ou outra coisa) mal feito.
Que os maus exemplos que a campanha do Governo tem para mostrar sejam estes (e não pessoas que desempenham mal a sua função por falta de competências, e não pessoas que se encontram desempregadas por não saberem fazer nada, e não delinquentes que não encontram outra forma de ocupação que não seja o crime, ou outra coisa qualquer) mostra algumas das piores facetas da cultura nacional: o desprezo pelo trabalho manual (que em Portugal é sempre visto como "não qualificado" ainda que o não seja), o desprezo pela manipulação material e a ideia de que a qualificação apenas existe nas profissões de "manipuladores de símbolos", a ideia de que a casta profissional a que se pertence é mais importante do que a competência que se possui no seu trabalho. São preconceitos que explicam em grande parte o atraso português.
A campanha é, finalmente, tanto mais tonta quanto a formação escolar pouco ou nada garante em termos de emprego - tal como acontece com o sacristão da história. Jornalista

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