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Date Posted: 12:55:08 06/07/07 Thu
Author: Adeilde Nunes (Bom tarde!)
Subject: Comentário sobre Feliz Ano Novo

Comentário sobre o conto Feliz Ano Novo

No conto que dá título ao livro, “Feliz Ano Novo”, Rubem Fonseca expõe cruamente o contraste entre a classe marginalizada, pobre, e a burguesia, abastada e indiferente ao que acontece na periferia citadina.
É narrado em primeira pessoa, do ponto de vista de uma personagem que assiste pela TV aos preparativos para a chegada do Ano Novo, a propaganda de roupas novas que serão compradas pelas “madames granfas” e imagina como será a festa dos ricos: bailes, jóias, vestidos novos etc. Ele e os amigos decidem invadir uma casa de ricos que estão dando uma festa e ali cometem todo tipo de agressão, incluindo a execução final.
O conto começa com uma informação de segunda mão: Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo adoidado roupas ricas para as madames vestirem no reveillon. Vi também que as casas de artigos finos para comer e beber tinham vendido todo o estoque. Logo em seguida, o narrador nos expõe a sua situação, agora de modo direto: Vou ter que esperar o dia raiar e apanhar cachaça, galinha morta e farofa dos macumbeiros. Com grande economia de recursos- até porque conta com reconhecimento fácil do leitor
-Rubem Fonseca ambienta sua narrativa. Já se sabe, desde as primeiras e escassas linhas de que estrato social são retirados os três protagonistas dessa história. Mais algumas frases e acumula-se o necessário para localizá-los em sua miséria: estão num lugar que cheira mal, entre drogas, armas e objetos roubados. São negros, feios e desdentados, insinua o narrador, que é um deles.
Usando nossas próprias informações de segunda mão, os noticiários policiais da televisão e da imprensa escrita, dá para completar a imagem do espaço que os cerca e que faz com que eles sejam quem são. É mais do que suficiente para os propósitos da narrativa. O que interessa aqui é como esses três homens inscrevem em si esse espaço, transportando-o em seus corpos. Isso pode ser observado na segunda parte do conto, quando eles invadem uma mansão, em meio a uma festa de reveillon. Lembrando que a perspectiva seria de um dos assaltantes, é interessante observar que a única descrição importante da casa (fora à utilitária, de que ela tinha um jardim extenso e ficava no fundo do terreno, o que facilitaria o assalto) é de que o banheiro do quarto da proprietária possuía uma grande banheira de mármore, a parede forrada de espelhos e de que tudo era perfumado.
A descrição entra aí para marcar a diferença óbvia em relação à casa do narrador, onde o banheiro cheirava tão mal que um dos amigos preferia usar a escada do prédio. É depois de ver o banheiro da mulher que ele decide defecar sobre a colcha de cetim de seu quarto. A cena, muito antes de ter seu significado vinculado ao pretenso desprezo do bandido pelo luxo do ambiente. Serve para confirmar o que os donos da casa e seus amigos (ou os leitores de classe média de Rubem Fonseca) pensam sobre os marginais: como não podem ter o que nós temos, eles destroem o que é nosso. Essa é a tônica do conto. Os três assaltantes são apresentados como predadores do espaço que invadem. Apesar de sonharem com a riqueza, não demonstram nenhum interesse pelo que está a sua volta – apenas pisam, sujam, contaminam com a sua presença. Como se trouxessem, consigo, a imundície do lugar em que vivem. E isso não está apenas no barro de seus sapatos, mas no modo como se expressam e se comportam. Enquanto as ricas vítimas do assalto ficam em silêncio, amarradas no chão – e nós lhes adivinhamos os modos educados e a sintaxe correta – os bandidos andam de um lado para o outro desajeitadamente, comem com as mãos, arrotam alto e usam uma linguagem cujo vocabulário não abrange muito mais que três ou quatro palavrões.
Em meio a isso tudo, chama a atenção o quanto o narrador compartilha dos preconceitos de classe média que circulam dentro e fora do livro. Logo no início do conto ele se mostra superior aos seus comparsas pelo fato de saber ler e escrever. Mais adiante, já durante o assalto, se enfurece quando um dos convidados pede calma e diz para levarem tudo o que quizerem: Filha da puta. As bebidas, as comidas, as jóias, o dinheiro, tudo aquilo para eles era migalha. Tinham muito mais no banco. Para eles nós não passávamos de três moscas no açucareiro. A constatação do desprezo o atinge profundamente, desencadeando mais violência e assassinatos, iniciados por ele próprio, que permanecia contido até ali. O que mostra sua preocupação com o que pensam a respeito.
Não há, em “Feliz ano novo”, nenhuma tentativa de diálogo entre esses dois espaços tão distantes. Se isso pode ser considerado “realista” do ponto de vista social, não deixa de ser frustrante no que diz respeito à construção narrativa. Rubem Fonseca nos parece “realista” não por nos remeter ao mundo social à nossa volta, mas por ecoar uma das formas dominantes de representação deste mundo, o noticiário jornalístico (e, em particular, o noticiário policial).
Assim, o conto de Rubem Fonseca apresenta um modo de ver o contato entre o marginalizado e as elites-absolutamente vinculado ao olhar da classe média, apesar do narrador miserável-, onde estão ressaltadas a inveja e a violência dos que nada têm, relacionando-os incessantemente aos excrementos que produzem e dos quais fariam parte.
A suposição, do próprio narrador, de que um dos convidados pensaria neles como moscas só corrobora essa visão, que, de certa forma, é incorporada por ele também.
O autor, em mais de um conto, aponta para possibilidade de revolta das classes oprimidas, sociais e economicamente, contra o status quo. Rubem Fonseca mostra também que a violência perpassa todos os estratos sociais, inclusive os privilegiados, tal como se pode ver em “Passeio noturno, onde o protagonista deste é um homem comum, casado, pai de dois filhos, classe média alta, que sai todas as noites com seu carro novo para sentir prazer: Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na avenida Brasil, ali não podia ser, muito movimeno. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher? Realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por se mais fácil e” Passeio noturno (Parte II) “, em que o protagonista, um empresário, sente prazer em matar desconhecido, atropelando –os com seu luxuoso carro. Parece ser, a violência, uma condição inextirpável de vida cotidiana nos grandes centros urbanos.

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