VoyForums
[ Show ]
Support VoyForums
[ Shrink ]
VoyForums Announcement: Programming and providing support for this service has been a labor of love since 1997. We are one of the few services online who values our users' privacy, and have never sold your information. We have even fought hard to defend your privacy in legal cases; however, we've done it with almost no financial support -- paying out of pocket to continue providing the service. Due to the issues imposed on us by advertisers, we also stopped hosting most ads on the forums many years ago. We hope you appreciate our efforts.

Show your support by donating any amount. (Note: We are still technically a for-profit company, so your contribution is not tax-deductible.) PayPal Acct: Feedback:

Donate to VoyForums (PayPal):

Login ] [ Main index ] [ Post a new message ] [ Search | Check update time | Archives: 123456789 ]
Subject: Ousar Mudar, para Onde?


Author:
Paulo Fidalgo + Cipriano Justo
[ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ]
Date Posted: 12:41:46 09/06/02 Fri

Ousar mudar só é uma boa notícia na condição de a direcção da mudança ser no sentido de cortar o passo ao neoliberalismo. Isso impõe ir mais longe, à base material da desconfiança política e partidária das pessoas, constituída pelas profundas desigualdades e assimetrias existentes nas sociedades capitalistas

No passado dia 18 de Julho, o secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, divulgou no PÚBLICO um importante documento político a que deu o título de "Ousar mudar". Vindo do líder do PS, este documento é, por razões conjunturais e pelas propostas que avança, suficientemente importante para que nos detenhamos sobre ele e o analisemos com a importância que merece.

Ferro Rodrigues começa por sobrevoar o que correu mal nos seis anos de governação socialista, privilegiando a digressão pelos lugares que, em sua opinião, constituem marcos de sucesso da participação dos socialistas nos governos, partindo logo para a descrição dos "quatro eixos para a renovação" da esquerda, como o líder do PS classifica o conjunto de propostas por ele enunciadas. Fá-lo, contudo, sem as ancorar numa perspectiva analítica e histórica. A não ser a recuperação de várias ideias avulsas - sociais, políticas e económicas -, indiscutivelmente importantes, mas sem a perspectiva integradora que as tornem generalizáveis. Partir do particular para o geral não deve substituir o imprescindível traçado de uma leitura geral dos acontecimentos e da sua conformidade sistémica. Se não se faz uso dos instrumentos analíticos que permitam ir mais além da vulgata dos quotidianos e da visão empírica dos fenómenos sociais e políticos, acaba-se por ficar prisioneiro da conjuntura, reactivo às infelicidade individuais, mas desarmado perante as razões que estão na sua origem. Por essa razão, não nos parece que as várias medidas descritas por Ferro Rodrigues para atacar a "desconfiança nas instituições democráticas, que assume particular visibilidade nos níveis crescentes de abstenção", sendo importantes, sejam aquelas que consigam promover a recentragem da actividade política nas pessoas. Por isso, ousar mudar só é uma boa notícia na condição de a direcção da mudança ser no sentido de cortar o passo ao neoliberalismo. Isso impõe ir mais longe, à base material da desconfiança política e partidária das pessoas, constituída pelas profundas desigualdades e assimetrias existentes nas sociedades capitalistas, e de que a abstenção é só uma das muitas manifestações.

O neoliberalismo e a sua versão cosmopolita, a globalização, ao mesmo tempo que hegemoniza e homogeneiza os mercados também diferencia e complexifica as sociedades, tornando crescentemente mais explícitas as interrogações, já não só da parte dos operários manuais, mas também de vastas camadas de assalariados e trabalhadores por conta própria, sobre o destino e utilização das volumosas mais-valias nelas geradas. É esta mistura, maioritariamente constituída por assalariados do sector terciário, que é geradora de novos questionamentos e de outras tantas tensões ideológicas e programáticas. Pela rapidez e intensidade com que se tem desenvolvido, não tem até agora conseguido ser integrada pelas formações partidárias tradicionais - cujo registo programático ainda é claramente pré-neoliberal -, criando no seu seio as condições para que novos movimentos e formações políticas se vão impondo. Na condição de transportarem na sua reflexão, na sua prática e nas suas propostas uma nova combinação de ideias para responder aos antigos e novos problemas. É por isso que a agenda comunista mantém toda a sua actualidade, no pressuposto de conseguir descongelar a sua reflexão interna, cristalizada pelo lastro estalinista que tem inquinado as orientações dos respectivos partidos.

A crítica ao neoliberalismo feita pelo líder do PS é realizada essencialmente na base da defesa de uma "globalização ética regulada por instituições supranacionais e de uma economia de mercado regulada pelo Estado", não se dando conta, porventura, de que esses instrumentos reguladores não são neutros, têm sempre uma natureza e uma identidade política. Estaria Ferro Rodrigues a pensar, por exemplo, que essa regulação pudesse ser feita por uma instância internacional que limitasse a voragem predadora dos mercados, e dos mercados financeiros nomeadamente? Sabendo o líder do PS que a base material da ética reguladora do Estado nos regimes capitalistas assenta em códigos de legitimação da apropriação privada das mais-valias com um volume de ruído conflitual apenas compatível com os seus interesses, em que tipo de Estado estaria o líder do PS a pensar? Não há indícios de que o capitalismo se queira pôr novamente a vender copos de água. O que caracteriza o neoliberalismo é já não abdicar de procurar vender a todo o custo cada gota de água que está dentro de um copo de água. O combate a esta lógica não nos parece, por isso, que passe pela criação de um código de conduta internacional que impeça o capitalismo de se portar mal ou pela justicialização do Estado. Na perspectiva comunista, ousar mudar significa, por isso, abrir caminho e dar os passos no sentido de uma efectiva reconfiguração da economia.

Hoje, justifica-se tanto a defesa da existência de uma direita e de uma esquerda no espectro partidário, como a distinção entre uma esquerda social-democrata e uma esquerda comunista. E, nesta como naquela, de posicionamentos distintos. Se faz sentido reafirmar-se a distinção entre esquerda e direita na base dos critérios que dividiram as formações partidárias durante a Revolução Francesa, também não se pode passar uma esponja sobre os 200 anos de história que se lhe seguiram. O afundamento dos regimes do Leste não legitima apressadas conclusões de que os ideais comunistas ficaram sepultados sob os escombros do muro de Berlim.

Um PS como casa comum da esquerda, como Ferro Rodrigues defende, tem implícito o pressuposto de que a esquerda deveria abdicar de ter uma ideologia, no máximo abraçar a social-democracia, esquecendo-se do comunismo. Compreende-se que a direita, representante político-partidária do neoliberalismo, esteja a percorrer o caminho da unificação e da uniformidade, assistindo-se um pouco por toda a Europa a esse fenómeno. Mas à esquerda, quando a social-democracia foi praticamente varrida do poder na Europa, o bloco do Leste já foi varrido há uma década e os partidos comunistas tradicionais dão sinais de uma profunda paralisia, é mais no sentido da pluralidade ideológica das formações partidárias que consigam captar e integrar as alterações, as necessidades e as expectativas de participação e representação política que se deve dirigir o esforço de reorganização da esquerda.

Se a consciência de pertença comum que caracteriza as classes sociais é uma noção em profunda transformação, pela evolução objectiva da divisão do trabalho, do processo de produção e por factores subjectivos contraditórios, mais do que em qualquer altura, a consciência de pertença a uma classe social vai a par de uma crescente afirmação da identidade individual, obrigando a uma busca muito mais refinada da unidade na diversidade. É por isso que a leitura que fazemos da abstenção e da flutuação eleitorais de quatro milhões de eleitores se enquadra mais na manifestação de haver portugueses a querer construir as suas próprias casas do que em alugar os quartos ainda disponíveis numa estalagem, por muito respeitável e recomendável que seja, com vistas para o Largo do Rato, e tendo por estalajadeiro o secretário-geral do PS. Isto significa, por outro lado, que é desejável que existam plataformas de entendimento das organizações de esquerda com incidência de vária natureza política, na base da análise do que é hoje o neoliberalismo e os seus efeitos sobre a vida dos portugueses, sem perder de vista, no entanto, que as agendas políticas são distintas e que, podendo-se percorrer um caminho comum, mais ao menos longo, as caminhadas se fazem em sentidos diferentes. Era mais nesta ética que estávamos a pensar. Em mais pluralidade e menos tentações hegemónicas.

Médicos, militantes do PCP

[ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ]

Replies:
Subject Author Date
Até que enfim!TOLENTINO15:03:42 09/06/02 Fri


Post a message:
This forum requires an account to post.
[ Create Account ]
[ Login ]

Forum timezone: GMT+0
VF Version: 3.00b, ConfDB:
Before posting please read our privacy policy.
VoyForums(tm) is a Free Service from Voyager Info-Systems.
Copyright © 1998-2019 Voyager Info-Systems. All Rights Reserved.