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Subject: A esquerda necessária


Author:
Lino de Carvalho
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Date Posted: 15:28:30 08/31/02 Sat

A esquerda necessária

Lino de Carvalho*



1 - AGOSTO foi surpreendido com um conjunto de inquietadas crónicas estivais relativas à situação e à condição da esquerda no quadro dos processos de globalização.

Desde logo, uma surpresa: percorridos os múltiplos artigos escritos muito pouco se consegue vislumbrar para além de uma reflexão ética sobre a globalização a que nem sequer é acrescentado o adjectivo que define o carácter do fenómeno: «capitalista». Tanto pudor, hoje em dia, nalguns autores em utilizarem as palavras todas! Porque, de facto, o elemento nuclear que caracteriza o actual quadro dominante é a de uma globalização capitalista de dominante financeira e de gestão neoliberal, como bem acentuaram Chesnais e Viviane Forrester, gerida por um punhado de transnacionais e grandes conglomerados estreitamente fundidos com o Estado e os seus decisores políticos.

Nunca como hoje se assistiu, porventura, a uma tão estreita fusão entre os interesses económicos e o Estado, agora numa dimensão supranacional, justificado com um intensíssimo discurso ideológico. Porque este é absolutamente necessário ao desenvolvimento de mecanismos mentais conducentes à aceitação da inevitabilidade das coisas, ao favorecimento da passividade e da aceitação das regras, à desvalorização da «tralha ideológica», ao sucesso individual a todo o preço contra qualquer ideia de solidariedade, a uma «filosofia da futilidade» como lhe chama Chomsky.

Mas talvez a definição mais certeira (e mais brutal) da globalização seja a afirmação produzida por um PDG de um dos maiores grupos económicos europeus: ela representa «a liberdade para o meu grupo económico se instalar onde quiser, o tempo que quiser, para produzir o que quiser, fornecendo-se e vendendo onde quiser, suportando os menores constrangimentos possíveis em matéria de direito do trabalho e de convenções sociais».

2 - E neste quadro, o que se passa nesta ocidental praia lusitana, onde tudo ocorre aparentemente em tons mais suaves, não pode deixar de merecer toda a nossa atenção e preocupação: a desvalorização do trabalho; o crescente assalariamento da sociedade acompanhado da degradação e precarização das relações de trabalho; a modificação da estrutura de classes e de comportamentos sociais e políticos; o recurso crescente a trabalho imigrante, sem direitos e mal pago; a tentativa de rompimento de laços de solidariedade no mundo do trabalho, entre os que têm emprego e não têm, entre os que têm trabalho estável e os que estão sujeitos a permanentes contratos a prazo, entre as velhas e jovens gerações de trabalhadores; o alargamento dos processos de acumulação de capital a áreas sociais fundamentais para a garantia de direitos básicos dos cidadãos, como a educação, a saúde, a segurança social a pretexto, em muitos destes exemplos, da necessidade de maior competitividade da economia e das empresas ou de uma alegada maior eficácia do privado embora sempre financiado com os dinheiros públicos.

A Lei de Bases da Segurança Social e o Código do Trabalho do Governo do PSD e do CDS/PP, protagonizado por esse novo herói da direita mais conservadora, o ministro Bagão Félix, sob o facies de uma boa alma cristã e rural, são hoje, em Portugal, duas peças fundamentais na tentativa séria de uma nova formatação do nosso regime democrático-constitucional em prejuízo dos direitos sociais e laborais.

3 - É isto que percorre o Portugal de hoje. E é perante isto, na resistência mas também na assunção de alternativas de progresso, de justiça, de liberdade e de igualdade, que a esquerda tem de se definir.

Para tanto não chega falar-se «de uma globalização alternativa, ética». Para isso bastaria semear pelo mundo umas quantas sociedades filantrópicas de George Soros. Nem é suficiente, embora importante, terçar armas contra as falências fraudulentas e o «capitalismo da mentira». Enron's e WorldCom's sempre existirão enquanto os movimentos especulativos bolsistas continuarem a dominar o modelo económico. Nem sequer o caminho é o de uma adequação à situação, de uma partilha na gestão do poder a qualquer preço, como por vezes parecem pretender algumas ideias alegadamente renovadoras do pensamento comunista. Veja-se a descaracterização a que tal caminho levou em França, na Itália ou na Espanha.

Nem compete seguramente ao Partido Socialista decretar quem e em que condições é que cada força política cumpre trajectos de aproximação a soluções de esquerda, como parece defender Vitalino Canas. Porque o que tem acontecido até hoje é que o(s) Partido(s) Socialista(s) que na oposição assume(m) por vezes uma linguagem e um estilo de extremo radicalismo verbal e passa(m) a vida a bater com a mão no peito proclamando-se de esquerda - conforme se voltou a assistir no passado fim-de-semana na rentrée socialista - quando assume(m) o poder pouco mais faz(em) do que tornar(em)-se «mimético(s) de uma certa direita democrática», como afirma Mário Soares que sabe bem do que fala.

Mas também não é possível ignorar que depois do desaparecimento do mundo socialista e do fracasso de soluções assentes na estatização completa da economia e em profundos entorses ao funcionamento da democracia com a degradação do carácter popular do poder na sociedade e nos partidos e com o abafamento da sua vida democrática interna, milhões de pessoas, em especial trabalhadores, deixaram de acreditar na possibilidade de concretização de soluções alternativas à hegemonia capitalista. O resultado de tudo isto é o aparecimento de um vasto bloco social, crítico e descontente com o rumo de uma sociedade global neoliberal, disponível para a participação em lutas e movimentos de transformação mas, simultaneamente, à busca de novas formas de organização e enquadramento político onde possam assumir um papel activo nos processos de decisão e intervenção.

4 - Ora a construção de alternativas de esquerda (e o necessário e urgente entendimento das forças à esquerda) não passa por mais do mesmo, por meros disfarces de cosmética. São necessários posicionamentos claros sobre temas como: a necessidade do Estado manter responsabilidade em áreas económicas estratégicas, no plano social (saúde, educação, segurança social), na prestação de serviços públicos de qualidade e no terreno da soberania nacional, o que significa questionar muitas das opções de privatização realizadas ou em curso; a criação de emprego com direitos e a valorização do trabalho, incluindo a estabilidade no emprego e salários que remunerem com justiça a força de trabalho; uma política económica atenta e incentivadora dos sectores produtivos nacionais; uma política financeira de rigor mas também de favorecimento do crescimento económico, o que significa a revisão dos critérios monetaristas e fundamentalistas, prisioneiros de Maastricht; uma política de redução dos desequilíbrios regionais e de mais coesão social com outra distribuição do rendimento nacional; a responsabilização das empresas pela sua função social e pela necessidade de investirem na formação, na modernização dos processos produtivos e de gestão e na conquista de mercados; uma intervenção no plano nacional e internacional visando disciplinar e regular os movimentos de capitais, contrariar a extrema liberalização dos mercados e combater a fraude e a fuga ao fisco; uma resposta eficaz, primeiro que tudo preventiva, para problemas que atravessam horizontalmente a sociedade como as questões ambientais, o combate à droga ou à insegurança urbana; uma atenção de qualidade às velhas gerações e à solidão; uma visão de uma Europa solidária, de países e povos iguais e soberanos, com uma política de imigração respeitadora dos direitos humanos; a luta por um mundo multipolar, de mais diálogo e cooperação, de mais desenvolvimento sustentado e mais justiça social.

Mas, simultaneamente, é necessário garantir-se, abrir-se e estimular-se a criação de espaços, partidários e outros, permitindo um reforço da democracia participativa, de uma intervenção cidadã, do desabrochar de múltiplos movimentos sociais, muitos de geometria variável mas convergindo na luta por um mundo mais livre, mais justo, mais seguro, mais previsível, mais equilibrado.

Quando todos quiserem reflectir e percorrer estes caminhos então estão abertas as alamedas dos necessários entendimentos à esquerda.

linocarvalho@mail.telepac.pt

* Deputado do PCP



COMENTÁRIOS (1)

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Subject Author Date
Aplaudo!Bato palmas16:16:20 08/31/02 Sat
A Esquerda Necessária - um comentárioJorge Nascimento Fernandes16:37:23 08/31/02 Sat
Não ao entendimento com o PS ou BEpjnevess23:16:10 09/01/02 Sun


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