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Subject: ""Ainda sobre a esquerda" (Público)


Author:
José Cardoso Pires
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Date Posted: 16:59:30 09/09/02 Mon

Ainda Sobre a Esquerda
Por JOSÉ CONDE RODRIGUES*
Segunda-feira, 9 de Setembro de 2002



Num momento em que se volta a discutir entre nós o valor da dicotomia esquerda e direita; quando, simultaneamente, as diversas forças partidárias se procuram reagrupar por "blocos" esquerda/direita; quando, ainda, se torna a afirmar que os partidos socialistas perderam as suas raízes, convirá avivar algumas convicções acerca do que pode significar ser de esquerda, hoje, mesmo que essas convicções tenham a governabilidade como referência.

A mutação social que atravessamos, depois da queda do muro de Berlim, com o consequente desmoronamento do socialismo estatista, bem como a emergência real da sociedade de informação, exigem um novo posicionamento dos partidos de esquerda. É assumido ainda que as ideologias, longe de terem acabado, supõem antes um novo fôlego.

As mudanças que ocorrem na geopolítica, na economia mundial, bem como nos sistemas sociais, neste princípio de milénio, exigem respostas novas. Os velhos modelos não podem dar resposta a problemas novos, nem resolver o paradoxo do crescimento e do emprego numa economia onde o capital se globaliza, mas onde os problemas sociais continuam a exigir soluções nacionais ou locais.

Mas também é incontornável que o homem necessita de ideias claras, como de pão para a sua sobrevivência em sociedade. Os novos combates de esquerda são culturais, éticos e comportamentais. Ou seja, a discussão da propriedade dos bens, o problema do mercado e a sua regulamentação, a discussão sobre o tipo de sistema ou regras políticas a adoptar, tudo isso, apesar de continuar a ser importante, deixou de ser nuclear. O debate público deve voltar a centrar-se naquilo que deixou de ser consensual.

Não basta dizer que a economia deve subordinar-se à política e falar num vago regresso desta. Isso significa confundir os planos de análise e ser incoerente na respectiva conclusão.

Combater o relativismo, a ausência de excelência, a recusa de valores, ainda que procurados por cada um de nós, em pluralismo, combater a pretensa neutralidade do Estado, são os novos combates da esquerda que se quer democrática, mas acima de tudo liberal. E liberal não é libertário ou neoliberal.

Ser liberal é defender a autoridade da lei, mas também liberdade face ao poder político; defender o mercado, mas exigir que este cumpra padrões de razoabilidade eticamente sustentáveis na sociedade e na tradição; defender a autonomia, mas com responsabilidade individual; defender os direitos, mas também os deveres para com a comunidade; defender a igualdade, mas na sua complexidade social, sem igualitarismos redutores; defender a inovação, mas respeitando a diversidade existente.

Será esta a verdadeira revolução tranquila da esquerda. Uma revolução que lhe dará vigor face à direita, quer autoritária quer libertária.

O liberalismo clássico, o retorno da ética, o regresso dos valores e da pertença comunitária constituem as novas referências para a esquerda nos dias de hoje.

A preocupação deve ser a de humanizar o capitalismo, não o deixando cair numa utopia escatológica, finalista, de sinal contrário à "velha" utopia comunista.

A sociedade civil deve ser forte, o Estado deve ser contido na diversidade das suas formas, mas forte na sua acção. Só assim se protegem os mais fracos, garantindo uma justiça com equidade em todas as esferas sociais.

Já não se trata apenas, na esquerda democrática, de encontrar um sentido para o bem comum, um conteúdo para a justiça, mas também de promover um entendimento sobre as regras do jogo numa comunidade política que garanta a verdadeira cidadania.

E a política, mais do que apenas acção, mais do que apenas uma ciência, faz-se de senso comum. É preciso governar com e para o povo, ainda que através de elites qualificadas (por muito que custe este termo a certas "elites" intelectuais com complexos pseudo-esquerdistas). E o povo só se entusiasma se alguém lhe indicar uma visão simples, mas mobilizadora, um caminho claro, ainda que cheio de adversidade. Isso significa que as doutrinas rebuscadas, que servem e têm servido de orientação pedagógica dessas mesmas elites, devem ficar à porta dos pequenos exemplos, das ideias simples.

Em suma, é preciso ter a coragem de assumir que a esquerda continuará a ter um sentido ainda que, hoje, repensado em novos moldes e com um dever diferente na sociedade.

E ser de esquerda é ter um lastro. É ter raízes e ancoradouro, onde outros são volúveis. É assumir um passado para enfrentar com mais vontade e segurança um futuro mais tranquilo. É entender a utopia, mas ter os pés assentes na terra. É ser solidário onde se é egoísta. É ser fraterno onde se é indiferente. É ser humano para lá da tecnologia. E ser livre onde se vive agrilhoado. Ser de esquerda é acreditar no Homem e na sua vontade de moldar a vida ao serviço da Humanidade.

Renovar a esperança na política, através de um olhar moderno sobre a esquerda, poderá assim ser a conclusão destas linhas. Uma esperança de sentido ainda utópico que sempre caracterizou a esquerda mas, ao mesmo tempo, procurando preencher "esse não lugar" para lá, naturalmente, de muitos preconceitos.

Mais participação na vida política, mas sem ultrapassar a barreira da representação; mais renovação nas "políticas", mas também abertura para as jovens gerações; mais liberdade, mas sem cair na teia relativista, pós-moderna, que dilui a responsabilidade de cada indivíduo nas estruturas do discurso social - eis o caminho.

Haja esperança, e o coração da política poderá continuar a bater à esquerda.

*Ex-secretário de Estado da Cultura, dirigente do PS

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