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Subject: Do Capitalismo para o Digitalismo (Parte 2)


Author:
Fernando Redondo
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Date Posted: 09:48:30 08/18/02 Sun


Do Capitalismo para o Digitalismo (Parte 2)
___________________________________________


3 - Automatização e trabalho não repetitivo


Antes de mais importa esclarecer o significado dos termos.

Automatização

Automatização, no contexto desta discussão, significa a redução, pelo uso de dispositivos automáticos, do trabalho humano directo na produção de bens ou serviços económicamente relevantes.

Como a discussão incide sobre a automatização no Capitalismo é claro que quando falamos de automatização estamos a falar da substituição da mercadoria força de trabalho pela introdução de dispositivos automáticos.

Os dispositivos automáticos (DA) são muito variados e vão desde a simplicidade de um cartão de crédito até à complexidade de um supercomputador, de uma rede internacional de comunicações ou de um pacote de software de gestão.

A automatização pode ser total ou parcial, ou seja, para uma determinada tarefa pode haver uma substituição de todo o trabalho humano directo ou apenas de uma parte
(EX: Com a ajuda de um programa de facturação uma pessoa produz as facturas que, noutras circunstâncias, exigiriam a intervenção de três trabalhadores).

A automatização pode reduzir o trabalho humano directo de três formas:

Pela produtividade – O aumento da produtividade resultante do uso de dispositivos automáticos (DA) pelos trabalhadores permite a redução do tempo de trabalho directo numa determinada tarefa
(Ex: o caso das facturas referido mais acima).

Pela transformação – As tarefas sofrem uma transformação ou sofrem o efeito de transformações ocorridas a montante ou a juzante na cadeia de produção. As tarefas continua a ser executadas por outros trabalhadores mas o tempo total do processo torna-se menor depois da automatização
(Ex: os vendedores escrevem no seu próprio computador as propostas para os clientes e por isso despareceram as dactilógrafas)

Pela eliminação – A tarefa deixa de ser feita pelos humanos, os DA substituem directamente os trabalhadores.
(Ex:A central telefónica automática distribui os telefonemas pelos trabalhadores da empresa pelo que deixou de haver telefonistas)








Trabalho não repetitivo (TNR)


O trabalho não repetitivo (TNR) é aquele cuja execução não pode ser objecto de descrição procedimental prévia. Em TNR é impossível “ensinar” a outrem um procedimento que, com elevada probabilidade, produza um determinado resultado.

Exemplos: não é possível dizer como se pinta um bom quadro a óleo, como se convence alguém a assinar um contrato, como se desenha um automóvel de sucesso, etc.

Assim sendo, cada vez que se faz TNR é preciso criar o procedimento necessário e depois executá-lo; há como que duas facetas que ocorrem em paralelo, a invenção do procedimento e a sua execução, que se influenciam mutuamente e que não podem ser “ensinadas”a outrem.

O TNR pode também ocorrer quando, embora exista um procedimento, este está muito dependente das circunstâncias ou das especificidades da sua aplicação.
(Ex: A cirurgia quando se exerce está altamente dependente das características físicas e orgânicas do paciente e das complicações que possam ocorrer).

Pela sua própria natureza o trabalho não repetitivo não é passível de automatização pois os dispositivos automáticos são essencialmente baseados em procedimentos.


Viabilidade da automatização


Não se pense que só o trabalho não repetitivo (TNR) escapa à automatização.

A viabilidade da automatização, em Capitalismo, não é apenas um problema tecnológico. Depende também de factores económicos, psicológicos, etc.
Mesmo que seja técnicamente possível produzir um determinado automatismo isso não significa que ele seja económicamente atraente ou mesmo que ele seja socialmente viável.

(Ex: Numa fábrica de componentes para automóveis no distrito de Setubal, nos anos 90, duas mulheres recolhiam de um tapete rolante uma peça com cada uma das mãos e arrumavam-nas em caixas de cartão. Parecia ser um trabalho totalmente mecânico e obviamente desinteressante. O Director da Produção ao ser questionado acerca da eventual automatização desta tarefa explicou que não era económicamente justificável:
a) as mulheres, que ganhavam um salário muito baixo, até podiam ser substituídas por outras em qualquer momento se decidissem ir-se embora, b) quando pegavam nas peças, antes de as pôr nas caixas, faziam uma inspecção visual que nenhum robot podia substituir. Trata-se de um exemplo em que uma capacidade humana que quase todos temos, a visão, constituía uma barreira técnica à automatização e que os baixos salários convertiam também numa barreira económica)

Está banalisada a ideia errada de que a automatização ameaça todas as tarefas que sejam manuais ou simples. Pelo contrário podemos dizer que algumas das tarefas “simples” mais depreciadas socialmente podem ser muito difíceis de substituir (Ex: A tarefa do estafeta externo de uma empresa não pode ser automatizada, quando muito pode ser sub-contratada)

Podemos esboçar uma listagem das capacidades humanas que, nas condições tecnológicas, económicas e sociais de hoje podem constituir barreiras às tarefas que delas dependam em larga escala:

Criatividade/Imaginação – Corresponde em geral ao conceito de TNR

Representação mental do mundo envolvente – O ser humano detém uma complexa representação mental do contexto natural e social em que se insere que nenhum dispositivo automático pode emular.
(Ex: A tarefa do estafeta ou do carteiro não podem ser automatizadas pois o “mapa” de uma cidade e dos eventos inesperados que nela ocorrem não pode ser “ensinado” a um robot)

Acuidade dos sentidos e interpretação dos seus sinais – Os sentidos humanos, com especial destaque para a visão, não são passíveis de emulação por autómatos. Muito dependentes da “representação mental do mundo envolvente” têm uma capacidade enorme de interpretar as imagens e sons, por exemplo, o que constitui tarefa muito mais complexa do que a simples captação.
(Ex: A inspecção visual de padrões industriais complexos, ou socialmente codificados como nos casos da manutenção da ordem)

Destreza física - Mesmo a este nível surgem situações em que o homem vence a máquina.
(Ex: Numa fábrica de limas, de uma firma internacional, com elevado grau de automatização, anos 80. Alguns operários com uma simples bancada e um martelo aplicavam um número variável de pancadas secas em cada lima que manipulavam. Tratava-se de “desempenar” as limas acabadas de produzir. Com um simples relance mediam o defeito e calculavam a correcção necessária e despachavam o assunto com uma ou duas marteladas. Um robot para fazer o equivalente a esta tarefa teria um custo incomportável).

Relacionamento humano – Muitas tarefas, mesmo que fossem automatizáveis do ponto de vista tecnológico e económico, não poderiam deixar de ser executadas por humanos.
(Ex: Poucos gostariam que um penso fosse feito por uma máquina em vez de um enfermeiro).

Para determinar até que ponto uma profissão está ou não ameaçada pela automatização basta avaliar em que medida as tarefas que cumpre estão ou não dependentes das capacidades humanas acima listadas. Convém também não esquecer que a automatização pode não ser a substituição pura e simples do trabalador, como vimos pode resultadar da transformação de tarefas a montante ou a juzante na cadeia de produção
(Ex: a introdução dos cartões de crédito tornou desnecessários muitos empregados bancários que processavam os cheques e os caixas que entregavam as notas ao cliente)



4 - O significado profundo da automatização actual


Dir-se-á que as máquinas não surgiram agora e que já desde o século XIX que a automatização pode ser considerada significativa. Embora isso seja verdade defendemos que a automatização em curso actualmente está a adquirir um carácter diferente:

1. A escala da automatização é incomparávelmente maior do que no passado

2. A automatização verifica-se tanto no trabalho manual como no trabalho intelectual

3. A relação entre a quantidade e variedade das mercadorias produzidas e o volume de dinheiro ganho pelos trabalhadores e destinado ao consumo vai sendo cada vez mais desiquilibrada já que os dispositivos automáticos não consomem. Esta desproporção crescente entre a oferta e a procura de bens tangíveis e intangíveis é a contradição fundamental do Capitalismo.

Cada país (como cada empresa) tenta transferir o problema, a desproporção entre a oferta e a procura, para os outros.
Se o mercado num país se reduz então é preciso vender os produtos nos outros países. Para o próprio mercado não diminuir então os trabalhadores de um dado país podem dedicar-se às profissões não automatizáveis (engenharia, design, por ex.) e transferirem as funções automatizáveis (produção, por ex.) para outros. Se há países com mão-de-obra muito barata então até a automatização pode ser adiada por algum tempo e entretanto fazer também desses países mercados de destino.
Ultimamente convencionou-se chamar a isto Globalização.

Todas estas manobras, e outras que não serão aqui tratadas, são paliativos que não resolvem a contradição fundamental do Capitalismo, e que apenas adiam a transformação inevitável do Capitalismo no Digitalismo.
Essa transformação estará completa quando, além dos novos meios de produção que como vimos se vêm multiplicando, surgir também um novo conjunto de relações de produção em substituição do assalariamento actualmente dominante.

Quais são os mecanismos presentes na sociedade que empurram nessa direcção ? É isso que vamos tentar explicar seguidamente.

Na incessante busca do lucro, da rentabilidade, as empresas recorrem cada vez mais ao trabalho não repetitivo (TNR) para, através da diferenciação, roubarem os clientes às outras empresas, quer sejam do mesmo ramo quer não (quem compra uma casa pode deixar de ter dinheiro para comprar um automóvel, por exemplo).

É do conhecimento geral que nos custos dos produtos têm um peso cada vez maior os estudos de mercado, a concepção, o design, a consultoria de gestão, o marketing, etc.
Mesmo quando os custos de produção correspondem a trabalho repetitivo estes têm um peso cada vez menor em comparação com as componentes aonde impera o trabalho não repetitivo.

Todas as empresas são inexoravelmente pressionadas pela concorrência para, numa espécie de instinto de sobrevivência, comprarem ou sub-contratarem trabalho não repetitivo:

- Equipamentos informáticos e programas destinados à gestão, para aumentar a eficiência global, controlar a logística ou melhorar o nível do serviço e fidelizar os clientes. Com eles vêm vários tipos de trabalho não repetitivo como o desenho e programação de aplicações, a gestão de projectos, a re-engenharia dos processos, etc.

- Estudos de mercado antes da concepção de um novo produto que podem resultar na indução de necessidades que os consumidores nem sequer sabiam que tinham. Aos estudos de viabilidade e aos planos de negócio, que podem prolongar-se por muitos meses, seguem-se o design e as campanhas de marketing. A publicidade constitui um elo muito forte entre o mundo da produção e o mundo do entretenimento também ele, por definição, baseado em trabalho não repetitivo.

- Serviço ao cliente na prespectiva da fidelização implica grandes investimentos com a montagem de estruturas de comunicação, o denominado CRM (Customer Relations Management) para sistematizar o conhecimento resultante da totalidade das interacções com o cliente, o “Customer Care”, autênticos exércitos de vendas que partem do pretexto do suporte pós-venda para carrear mais e mais produtos para os mesmos clientes.

Estes são exemplos do tipo de decisões que hoje todas as empresas tomam. Basta percorrer os jornais diários para o perceber nem é preciso recorrer às revistas sobre gestão empresarial.

Desta invasão em larga escala do trabalho não repetitivo nasce a necessidade imperiosa de substituir o assalariamento por novas relações de produção. Porquê ?

O trabalho não repetitivo (TNR) tem uma característica que o distingue radicalmente do trabalho repetitivo: tem por natureza uma duração indeterminada e imprevisível.

Indeterminação – como vimos o TNR acaba por envolver sempre um processo intelectual de determinação do seu próprio “procedimento”. A duração da actividade cerebral não é passível de medição e mesmo que se cronometrasse o aparecimento de uma ideia tal teria um valor relativo pois, por norma, o cérebro executa vários “trabalhos” em simultâneo.

Imprevisibilidade – mesmo que a indeterminação se não verificasse tal aconteceria sempre “a posteriori”, ou seja, depois de concluído sabia-se que determinado TNR teria durado um certo tempo. Nunca antes de um TNR se realizar é possível saber quanto tempo vai demorar ou, no limite, se vai alguma vez produzir o resultado esperado.

Estas características inviabilizam o típico contrato capitalista do assalariamento em que o empregador sabe o que vai pagar (P) mas também o que vai receber (R) e pode assim assegurar-se de que R > P.

A teoria do valor de Marx bem como o conceito de mais-valia, com base no tempo de trabalho, deixam neste novo contexto de ter validade e terão que ser recriados.

O assalariamento quando aplicado ao TNR, como ainda hoje muitas vezes acontece, transforma a actividade económica num jogo de azar. Muitos dos acontecimentos recentes como o fracasso das “dotecome” e as grandes falências americanas têm muito a ver com isto.

É claro que os novos meios de produção do Digitalismo procuram activamente uma forma de ultrapassar esta contradição.

Aos comunistas, aos revolucionários, compete lutarem para evitar que as novas relações de produção prolonguem as situações de injustiça herdadas do assalariamento.
É disso que trataremos a seguir.

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Replies:
Subject Author Date
EsclarecimentoFernando Redondo09:55:59 08/18/02 Sun
lei da queda tendencial da taxa de lucro....paulo fidalgo12:51:21 08/18/02 Sun
ainda a taxapaulo fidalgo14:49:33 08/20/02 Tue
Já está no "Textos/Documentos" a Parte 2Fernando Redondo12:21:11 08/21/02 Wed
focar melhor as minhas dúvidaspaulo fidalgo11:19:11 08/23/02 Fri


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