Subject: Sombra de Miguel Urbano Rodrigues |
Author:
Veríssimo I
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Date Posted: 16:00:26 07/17/02 Wed
In reply to:
Sombra
's message, "Está na moda" on 22:59:56 07/16/02 Tue
Isto nem barbas tem, isto está putrefacto.
É triste ver um homem como o Miguel Urbano Rodrigues disfarçar-se de cavernícola-estalinista, adoptar uma linguagem caceteira e aparecer neste fórum com o nick de "sombra".
Por aqui se vê o completo desnorte que vigora na direcção do PCP e dos seus lacaios.
>Está na moda em determinados meios intelectuais a
>campanha para renovação do marxismo. Sendo o marxismo,
>na fidelidade ao pensamento de Marx, um sistema que
>exige permanente renovação para manter as suas
>potencialidades criadoras, esse debate deveria ser
>saudado como positivo.
>
>Muitos dos que participam nessa campanha perseguem,
>entretanto, um objectivo oposto ao enunciado. Na
>pratica assume um ostensivo caracter anticomunista,
>sobretudo em países onde existem partidos comunistas
>com forte implantação entre as massas.
>
>A leitura de textos dessa vaga de «renovadores»
>europeus e latino-americanos, supostamente empenhados
>em dar um novo impulso ao marxismo e reformar partidos
>em que alguns ainda militam, fez-me voltar à leitura
>de textos que lera na juventude.
>
>As analogias históricas na analise política, erigidas
>em método, sempre se me afiguraram perigosas. Mas o
>conhecimento das grandes lutas revolucionarias do
>inicio do século XX, no quadro em que elas se
>desenvolveram, bem como as ideias e a personalidade
>dos protagonistas é indispensável à compreensão do
>presente.
>
>Vem isto a propósito da releitura que fiz há dias de
>um livro em que Trotski se pronuncia sobre a fina flor
>dos intelectuais marxistas que conheceu em Viena pouco
>antes da Primeira Guerra Mundial.
>
>Pertenço a uma geração de velhos comunistas muito
>distanciados das polémicas teses de Trotski sobre a
>Revolução Permanente. Admirando o escritor e
>respeitando o revolucionário, identifico na sua visão
>voluntarista e prospectiva da historia e na sua
>concepção administrativista do partido uma atitude
>idealista, desajustada do marxismo tal como o
>assimilei. O meu distanciamento de Trotski e uma
>opinião desfavorável sobre o trotskismo nunca me
>impediram de considerar uma estupidez e uma iniquidade
>ética e política o apagamento na URSS do nome e da
>obra do ex-presidente do Soviete de Petrogrado e
>ex-Comissário da Guerra.
>
>Para mim nunca foi crime citar Trotski ao encontrar
>nos seus escritos lições úteis. É o caso do capítulo
>do seu ensaio autobiográfico [1] em que relata o
>efeito de choque produzido pelo descobrimento dos
>principais dirigentes da social democracia austríaca,
>que na época se assumia como marxista.
>
>Em meia dúzia de paginas retracta Otto Bauer, Carlos
>Renner, Max Adler e Victor Adler.
>
>«Eram — escreve — pessoas extraordinariamente cultas,
>que sabiam bastante mais do que eu de muitas coisas».
>
>Na primeira reunião em que participou com eles no Café
>Central de Viena, a sua sensação foi de
>deslumbramento. Acompanhou a conversa quase com
>«devoção». Mas depois o interesse foi superado pelo
>assombro. Percebeu que aqueles talentosos intelectuais
>não eram revolucionários: «encarnavam o tipo de homem
>que é precisamente o oposto ao revolucionário».
>
>Os austro-marxistas eram narcisos que se contemplavam
>com orgulho; vibravam com o esforço teórico produzido.
>Conhecedores profundos das obras de Marx e Engels,
>exegetas de «O Capital», os marxistas vienenses eram
>«completamente incapazes de aplicar o método de Marx
>aos grandes problemas políticos e sobretudo ao seu
>aspecto revolucionário». Escreviam magníficos artigos,
>reveladores da sua erudição, mas não iam alem da
>assimilação passiva do sistema.
>
>Trotski é quase cruel ao tentar defini-los: «Estes
>austro-marxistas não passavam em geral de uns bons
>senhores burgueses que se dedicavam a estudar esta ou
>aquela parcela da teoria marxista como podiam estudar
>a carreira do Direito, vivendo agradavelmente dos
>juros de O Capital ».
>Diferentes, coincidiam num sentimento: todos temiam a
>revolução cuja apologia faziam nos seus brilhantes
>trabalhos.
>
>Nos anos que precederam a guerra começaram a sentir-se
>mal quando a possibilidade de ruptura da velha ordem
>que combatiam com palavras deixou de ser encarada como
>utopia. A guerra secou-lhes as gargantas e
>desviou-lhes o rumo e o significado dos escritos.
>Depois, a Revolução Russa assustou-os. Tomaram dela
>prudente distancia.
>
>Que diferença, comenta Trotski, entre aqueles
>senhores, aristocratas do pensamento, que gostavam de
>ser tratados pelos operários por «camarada herr
>doktor» e a simplicidade revolucionaria de Marx e
>Engels, que «sentiam um sereno desprezo por tudo o que
>fosse brilho aparente, pelos títulos, pelas
>hierarquias». Nada do que era humano os deixava
>indiferentes, mas pairavam acima das ambições
>temporais, do circunstancial da política, das
>contingências da historia.
>
>Em Berlim, Trotski registou que a social democracia
>alemã diferia da austríaca. Fazia-se ainda sentir o
>peso de personalidades como Rosa Luxemburgo, Karl
>Liebknecht e mesmo o velho Bebel. Mas Kautsky, o «papa
>da II Internacional », como lhe chamava a direita,
>envelhecera, acomodara-se. Tratava de vulgarizar o
>marxismo como um mestre-escola, impondo-se já como
>única missão conciliar o reformismo com a revolução.
>Não escondia «a sua aversão orgânica a tudo o que
>significasse transplantar métodos revolucionários para
>solo alemão».
>
>O processo de revisão manipulatória do marxismo,
>iniciado por Edward Bernstein (Cavaco Silva confessou
>ser seu grande admirador), assente na premissa de que
>o movimento é tudo pelo que a revolução seria
>desnecessária e aberrante, contaminava muitos dos
>dirigentes, contendo o ímpeto do partido, tornando-o
>quase inofensivo. O velho SPD exibia ainda uma imagem
>revolucionária, mas nele estava em rápida ascensão a
>corrente reformista que viria a ser liderada por
>Ebert, o futuro presidente da Republica de Weimar, o
>carrasco dos espartaquistas que após a Guerra viria a
>afogar em sangue a revolução alemã.
>
>Trotski recorda que enquanto Rosa e ele participaram
>como militantes numa grande manifestação de massas em
>Berlim, Kautsky optou por assistir como mero
>espectador. Entre ele e o sentir do proletariado
>revolucionário surgira um abismo .
>
>
>
>XXX
>Durante a ditadura dos generais, trabalhei no Brasil
>com duas ou três gerações de intelectuais de esquerda
>que então se diziam marxistas. A maioria galopou para
>a direita. Actualmente, muitos defendem a globalização
>capitalista, como o Presidente Fernando Henrique
>Cardoso, o ex-príncipe da Sociologia Marxista, pai,
>com o chileno Enzo Faletto, da teoria da dependência,
>hoje por ele renegada.
>
>Na Europa pululam entre os críticos do neoliberalismo
>sacralizado e do hegemonismo imperial dos EUA
>reformadores da sociedade capitalista cujo único
>denominador comum é uma aversão insuperável ao
>comunismo como projecto, mesmo remoto, de um mundo
>futuro, longínquo. Uns dizem ser marxistas, outros
>não.
>
>Faz oito anos, fui em Pontevedra, com Boaventura Sousa
>Santos, um dos participantes num Seminário promovido
>pela Aula Castelao de Filosofia. O tema era a
>Democracia no mundo que emergia da Guerra Fria, da
>Descolonização, do desaparecimento da União Soviética.
>
>Recordo que Boaventura, numa mesa redonda final,
>depois de expressar a sua inaceitação do leninismo,
>sublinhou que a postura crítica que assumia perante a
>obra teórica de Lenine e a intervenção na historia do
>grande revolucionário russo não implicava uma rejeição
>global do marxismo. Para ser mais explícito informou
>que admirava os austro-marxistas.
>
>Foi breve a minha réplica. Lembrei-me dos Adler, de
>Otto Bauer e também do alemão Bernstein. Achei
>oportuno o esclarecimento; demonstrava, afinal, óbvio.
>
>Você, Boaventura — comentei — deixou tudo muito claro.
>Em Lenine não aprecia o revolucionário. Aqui poucos
>dos presentes, admito, leram os austro-marxistas. Mas
>por que os admira você? Porque não foram
>revolucionários, porque nunca constituíram ameaça para
>o sistema. Eram inofensivos».
>
>
>
>XXX
>Incontáveis vezes ao longo da vida, sobretudo durante
>os anos do exílio brasileiro, nas décadas em que a
>América Latina foi um efervescente laboratório
>ideológico, intervim no debate travado em torno do
>binómio antinómico reforma-revolução.
>
>O tema voltou a ser actual, embora o interesse da
>discussão seja inseparável da recusa de paralelos
>descabidos e da consciência de que o contexto
>histórico é profundamente diferente do anterior. Não
>será com citações de Rosa Luxemburgo e Bernstein,
>fundamentando o discurso em situações históricas e
>sociais da época, que o debate poderá adquirir hoje
>significado e utilidade.
>
>O mundo contemporâneo, hegemonizado pelas globalização
>neoliberal, é uma herança do capitalismo reformado.
>Mas neste início do século XXI a ideia de revolução, a
>fronteira entre o reformismo revolucionário e as
>reformas de defesa do capitalismo são outros,
>inimagináveis na época da Revolução de Outubro.
>
>A correlação de forças existente na Terra, submetida a
>um sistema de poder que desenvolve uma estratégia
>fascistizante, agressiva e irracional, de dominação
>planetária não permite sequer prever como e quando
>surgirão condições para rupturas revolucionarias que
>ponham fim ao flagelo do capitalismo desumanizante.
>Mas a nossa incapacidade para definir sequer os
>contornos que assumirá o socialismo futuro, não
>impede, antes exige, a condenação firme das campanhas
>desenvolvidas por aqueles que, invocando
>farisaicamente a necessidade de renovar o marxismo, se
>empenham, através de um discurso confusionista, —
>imitando o que aconteceu na Itália e está a ocorrer em
>França — se esforçam, repito, não para renovar, mas na
>pratica para dividir partidos que não renunciaram ao
>marxismo-leninismo, criando condições para o
>lançamento de pontes que levem à sua descaracterização
>e posterior assimilação pelo sistema dominante.
>
>Portugal é, no momento, exemplo desse fenómeno
>político como palco de um espectáculo no qual não
>faltam cenas de estridências shakespeareanas, que os
>revolucionários de outros países, por desinformação,
>acompanham mal.
>
>Modernas caricaturas dos austro-marxistas do começo do
>século, os encenadores portugueses da peça em exibição
>(não me refiro aos militantes que são arrastados e
>confundidos pela sua pregação) têm de comum com os
>Adler, os Bauer e os Renner — sem o seu talento,
>cultura, desambição pessoal e sentido da ética
>política — a aceitação inconfessada da ordem
>capitalista, a recusa de identificar no povo o sujeito
>da historia e o temor mal consciencializado da
>intervenção das massas rumo a rupturas (embora
>distantes) que abalem os alicerces da engrenagem
>capitalista. Não são marxistas esses dirigentes com
>rotulo de «renovadores». Nunca foram comunistas. Não é
>o cartão de um partido que faz o dirigente
>revolucionário, sequer a passagem pela Comissão
>Política do seu Comité Central.
>
>É minha convicção que aquilo que está em discussão
>nestas semanas no Partido Comunista Português merece
>ser acompanhado com atenção pelos partidos,
>organizações e movimentos de esquerda de todo o mundo.
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