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Guilherme Statter
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Date Posted: 20:26:28 02/28/04 Sat
In reply to:
Miguel Urbano Rodrigues Em “Avante!”, 26-02-2004
's message, "VI encontro de economistas em Havana" on 20:14:48 02/26/04 Thu
Tenho estado ausente e não tive ocasião de ler o "Avante". Por isso agradeço a quem aqui colocou este interessante contributo.
Algumas notas e cometários. Mas vamos por partes:
>Havia uma enorme curiosidade em escutar os
>representantes das instituições ditas internacionais,
>mas criadas e controladas pelos EUA.
Em rigor não é exactamente assim (a Europa e o Japão ainda têm algum peso naquelas coisas...), mas isso também não é muito relevante para aqui e agora.
>Stiglitz foi o primeiro a ensaiar criticas
>ao neoliberalismo. Tão hábeis que muita gente não
>percebeu que a sua postura não envolvia uma ruptura
>com a engrenagem básica do sistema, mas sim a vontade
>de introduzir no seu funcionamento reformas que o
>salvem. Tal como ocorreu com Lord Keynes, o objectivo
>de Stiglitz é garantir a sobrevivência do capitalismo.
Se muita gente não percebeu é porque não tinha lido ainda dois paráfrafos (já não digo capítulos) seguidos dos trabalhos de Stigliz. O que não abona lá muito a preparação das pessoas que lá estavam. Em todo o caso:
(1) como o Keynes acaba por chegar (por caminhos enviesados) a conclusões muito semelhantes às de Marx (apesar do desprezo arrogante com que considerava as ideias do "velho Karl Marx") e
(2) aquela "sobrevivência" do capitalismo só pode mesmo desembocar na sua superação dialéctica (ele há cada ideia mais paradoxal...); "a mi me da igual", e entre o Stiglitz e os compinchas FMI do Bush & Cª, não há que hesitar.
>Este ano apareceu em Havana uma equipa de economistas
>do sistema, de alto nível académico e técnico. Dois
>deles são Prémios Nobel, Daniel McFadden e James
>Hackman, aliás mais matemáticos do que propriamente
>economistas.
Observação extremamente pertinente. Infelizmente grande parte dos cidadãos deste nosso mundo, para além de ter erigido a classe dos economistas numa espécie de novos "sumo sacerdotes" de uma nova religião laica dos tempos modernos, ignora o facto comezinho de que esses nossos "economistas" são cada vez mais matemáticos, contabilistas ou financistas, mas não economistas. Mas a verdade é que já vai havendo muito boa gente que se vai dando conta disso. E mesmo (e saudavelmente...) entre os próprios "economistas".
>Consenso de Washington foi um projecto altruísta,
>ideado para bem da América Latina, tal como a ALCA. Se
>os resultados do modelo neoliberal nem sempre
>corresponderam às intenções a culpa teria sido
>exclusivamente dos latino-americanos. Se fossem
>neozelandeses ou australianos, ou mesmo sul-coreanos
>as coisas teriam sido muito diferentes na opinião dos
>profs. John Williamson e Guy Meredith, este do FMI.
É de facto espantosa a capacidade de resistência ideológica dos srs. do FMI... E falam eles da kassete dos outros!
>A resposta da América Latina foi serena, firme e
>demolidora. O argentino Julio Gambino, da Universidade
>de Rosário, desmontou a retórica do FMI. Demonstrou
>que a estratégia das Organizações Financeiras mundiais
>foi concebida para servir os interesses das potências
>dominantes e lembrou que o chamado Consenso de
>Washington não passou na prática de um diktat imperial
>imposto à América Latina com o apoio de oligarquias
>regionais e de governos para os quais a soberania
>nacional nada significa. Os factos comprovam - e os
>números citados são indesmentíveis - que a América
>Latina está mais endividada, mais pobre, e que o
>desemprego e a fome alastraram. Mobilizar os povos
>contra as políticas neoliberais responsáveis pelo
>agravamento da crise é, assim, uma exigência da
>história.
>O mexicano Arturo Huerta, da Universidade Autónoma do
>México, numa comunicação bem documentada, iluminou por
>dentro o TLCAN e a pesadíssima factura que o povo
>mexicano continua a pagar pela adesão ao Tratado,
>responsável pelo desmantelamento ou venda das suas
>indústrias, e pela ruína alarmante da agricultura.
>Pelo seu lado, o professor brasileiro Renildo Sousa, e
>outros economistas latino-americanos, colocaram contra
>a parede o Prémio Nobel Heckman em comentários
>críticos a que ele respondeu de maneira atabalhoada,
>inconvincente e por vezes quase insolente, pela
>carência de argumentos.
>Outro defensor das políticas do Banco Mundial foi o
>brasileiro Luís Pereira da Silva, funcionário daquela
>instituição. Não foi original na repetição de teses
>bem conhecidas. Segundo ouvi de amigos de São Paulo, o
>ministro da Fazenda, António Palocci, acaba de o
>convidar para assumir um alto cargo oficial. A
>confirmar-se a notícia, a nomeação reforçaria a quinta
>coluna neoliberal instalada na administração Lula.
Não tenho aqui os elementos estísticos à mão. Mas a América Latina até nem é a região que mais sofreu com as soluções impostas pelo tal diktat imperial do famigerado "Consenso de Washington". A África Sub-Sahariana está MUITO pior.
Só me admira é não ver aqui uma referência (mesmo que de pasagem) ao facto incontornável de que os poucos países que ao longo dos ultimos vinte anos têm aguentado uma situação de alguma estabilidade ou desenvolvimento (de entre os do vulgarmente chamado "Terceiro Mundo"), têm sido aqueles que, mesmo que fazendo que "sim com a cabeça" ao neoliberalismo do Consenso de Washington, na prática (e muitas vezes mesmo às claras) o que fazem é política económica com forte intervenção planeada e mobilizadora, com base no controle centralizado do Estado. COM ALIANÇA (à força, se for caso disso) DAS CLASSES TRABALHADORAS e da "Burguesia Nacional".
Exactamente o oposto do propagandeado "liberalismo das forças livres do mercado" (como se houvesse disso...).
>O pesadelo da guerra
>Remy Herrera, da Universidade de Paris-1, estabeleceu
>a ponte entre as guerras de agressão imperialistas e a
>crise económica que nos EUA tende a assumir caracter
>estrutural. Numa das mais lúcidas comunicações
>apresentadas no Encontro, aquele investigador do CNRS
>da França chamou a atenção para uma realidade
>assustadora: o poder das finanças é sustentado hoje
>pela força bruta, pelo terrorismo de Estado, no âmbito
>de uma estratégia global que ameaça a humanidade.
>Herrera pergunta se os EUA podem redinamizar a
>acumulação de capital no centro do sistema mundial
>mediante a guerra imperialista. A sua resposta é
>negativa porque as destruições de capital são
>«insuficientes para a acumulação capitalista, a menos
>que essas agressões se transformem em guerras
>permanentes dos EUA contra a totalidade do mundo, ou,
>pelo menos, contra o Sul».
>Sendo um Estado-nação parasitário que consome muito
>mais que produz, os EUA esforçam-se por bombear tantos
>recursos quanto possível.
>Qual a saída? A da luta dos povos. «Podemos resistir e
>temos que resistir!» - concluiu Remy Herrera.
Muito interessante... O algoritmo que tive ocasião de desenvolver para demonstrar a famigerada TENDENCIA DECRESCENTE DA TAXA DE LUCRO (e que aqui há uns vinte anos tive ocasião de apresentar a um Congresso aqui em Lisboa) mostra muito claramente a necessidade, intrinseca ao funcionamento do sistema, para a sua "expansão permanente". Tendo-se atingido as fronteiras planetárias do sistema, a solução óbvia era a destruição periódica do capital constante anteriormente acumulado. É para isso que servem as guerras de destruição. Foi para isso que serviram Primeira e, em especial a Segunda, Guerra Mundial. Fez encolher as "fronteiras materiais" do sistema.
É também por isso que nunca mais se ouviu falar das bombas de neutrões, que matam as pessoas mas deixam as estruturas físicas (o tal capital constante) incólume. Ou seja, as bombas de neutrões não têem qualquer interesse funcional para o capitalismo.
>Numa intervenção de conteúdo diferente mas cujas
>conclusões coincidem com as do seu colega francês, o
>mexicano John Saxe Hernandez, da UNAM, esboçou também
>um quadro terrível dos perigos a que a humanidade está
>exposta pelo desenvolvimento da estratégia de um
>sistema de poder alucinatório dominado pela extrema
>direita norte-americana.
Mas é que está mesmo. Esperemos então que o sr. John Kerry ganhe as eleições (e que o sr. Nader não se meta outra vez a dar de novo a vitória à extrema direita lá deles...)
>Pessoalmente, não resisti a comentar a intervenção de
>um professor da Universidade do México, que sem disso
>tomar consciência, falou como um reaccionário
>quimicamente puro.
>Com apoio de belos diapositivos, tratou de apresentar
>a União Europeia, hegemonizada pelo binómio Alemanha
>–França, como uma antecâmara do paraíso, identificando
>nela uma experiência valiosíssima para a futura
>integração latino-americana. Não creio que os meus
>esclarecimentos sobre o funcionamento da UE e o
>carácter nada humanista do capitalismo na Europa e das
>suas transnacionais tenha abalado o seu sonho de uma
>integração latino-americana inspirada pelas maravilhas
>da política franco-alemã.
Mesmo que tenha alguma razão para criticar o famigerado eixo franco-alemão, dá-me a sensação que o sr. Miguel Urbano Rodrigues perdeu uma boa ocasião de ficar calado.
Além de ter (eventualmente, sublinho) mostrado alguma (se calhar, sublinho) ignorância àcerca das diferenças estruturais entre os modelos económicos europeus continentais e o modelo económico anglo-saxónico (em particular a versão norte-americana, por sua vez distinta da versão canadiana, por exemplo...).
Tomáramos nós todos que a América Latina conseguisse evoluir para uma "União Proto-Federal" (à la Bolivar, no caso deles?...), como a União Europeia. Esse é um dos cenarios menos desejado pela extrema-direita norte-americana. É assim caso para perguntar a quem é que, objectivamente, o sr. Miguel Urbano Rodrigues prestou um serviço.
>projecto revolucionário para a América Latina um pacto
>social dos «empresários patriotas com os trabalhadores
>para a construção de um capitalismo nacional».
Traduzido em linguagem ortodoxa, chamava-se a isto antigamente (ah, os bons velhos tempos...) "revolução democrática e nacional"). Lembram-se das teses de Alvaro Cunhal a esse respeito? O tema não é (de todo) desactualizado! Basta estudar minimamente o que vai procurando fazer o SACP na coligação com o ANC e o COSATU na África do Sul.
Cordiais saudações.
Guilherme Statter
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