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Subject: «Somos um Partido de crítica,


Author:
Carlos Carvalhas, SG do PCP, ao «O Militante» Jan/Fev/04
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Date Posted: 08:53:45 02/08/04 Sun

«Somos um Partido de crítica,
de combate e de proposta»

Entrevista com Carlos Carvalhas, SG do PCP ao «O Militante»


No início de um ano marcado, do ponto de vista interno, pela realização já anunciada do XVII Congresso do PCP, o Secretário-Geral do nosso Partido concedeu a O Militante uma entrevista na qual analisa a situação nacional e internacional, o posicionamento do Partido perante as grandes questões e problemas do momento, as possibilidades de luta e as hipóteses de convergências políticas. Derrotar a política de direita e as pretensões do actual Governo é a pedra de toque, inevitável e inadiável, da actuação partidária. É que, segundo o camarada Carlos Carvalhas, o próprio regime político nascido da Revolução de Abril corre sérios riscos. Do Congresso propriamente dito, ainda é cedo: “Agora é tempo de todo o Partido e de cada militante começarem a reflectir internamente sobre o Congresso. Não nos adiantemos a essa reflexão”.

(Entrevista conduzida por Armando Pereira da Silva)

Militante - Assistimos a uma ofensiva política global contra o regime democrático, ofensiva essa que o PCP já considerou “extraordinariamente perigosa”. Quais os maiores perigos considerados em tal análise?

Carlos Carvalhas – A descaracterização do regime. Se a ofensiva global tiver êxito teremos um regime diferente e os maiores perigos situam-se nos campos da democracia social, económica e política.

Na democracia social porque se pretende o enfraquecimento das organizações sindicais, em relação aos créditos de horas para sindicalistas, em relação à própria lei da greve, em relação a tudo o que diz respeito ao código laboral, que diminui os direitos dos trabalhadores. Em relação à democracia económica, com as privatizações de todas as empresas básicas estratégicas e de serviços a exercer funções sociais; e quanto às empresas básicas estratégicas, permite-se – veja-se o caso da Somague – um cada vez maior domínio do capital estrangeiro. Nós hoje temos uma economia cada vez mais sub-contratada, o que significa uma economia dependente, mais esmagada nas suas margens e muito mais vulnerável.

Há pouco tempo visitei a Trofa e nessa região, a indústria têxtil e de confecção está praticamente a trabalhar em sub-contratação para a Zara. E se olharmos depois para outros projectos, como o mercado ibérico da energia, em que se corre o risco de o centro de decisão ficar em Espanha, são legítimos os receios de que Portugal se transforme cada vez mais numa região da Europa, numa “Portugália”, com uma independência formal.

Militante - O governo e com ele toda a direita parecem ter pressa em colocar o país perante factos consumados…

Carlos Carvalhas – É isso mesmo. Julgo ser hoje uma evidência para um cada vez maior número de portugueses que as reformas feitas por este Governo não são reformas, são contra-reformas: no ensino, na saúde, na segurança social. E a linha é sempre a mesma: se quer saúde pague-a, se quer ensino pague-o.

Em relação à segurança social, é a entrega da parte mais rentável às seguradoras privadas, criando depois uma assistenciazinha para os pobrezinhos e o mesmo se passa quanto ao ensino e à área da saúde. E mais não têm avançado porque encontraram e encontram uma grande resistência popular, com os militantes comunistas indesmentivelmente na vanguarda. Mas os objectivos deles são esses – passar aos factos consumados o mais depressa possível.

Militante - Não estarão a tentar ir mais longe do que a própria União Europeia, aproximando-se do modelo neoliberal à americana?

Carlos Carvalhas – Na União Europeia também se verifica uma ofensiva global. Foram os governos social-democratas e socialistas quando estiveram no poder e tiveram a maioria, que avançaram com o neoliberalismo e as políticas e práticas neoliberais. Com a direita, há hoje uma política neoliberal mais aberta, e desbragada com a ofensiva a estender-se agora a outras esferas e aos serviços sociais. No fundo procuram estabelecer na UE uma matriz neoliberal, e consagrá-la mesmo na dita Constituição Europeia. Aqui em Portugal há também um desejo de ajuste de contas com o 25 de Abril, em correspondência com o ideário do CDS e deste governo. O CDS faz o papel de lebre.

Militante - A campanha contra a Constituição, a par das leis dos partidos e do código laboral, por exemplo, prefiguram uma tentativa de desmantelamento do regime. Até onde querem eles ir? Será que o seu objectivo é eliminar de vez o sistema político criado com o 25 de Abril?

Carlos Carvalhas – Não tenho dúvidas que esse seria o seu grande objectivo entendido naturalmente não como o regresso à ditadura mas como um regime com componentes autoritárias, ou aquilo que na linguagem deles costumam chamar de democracia musculada, em que a vida democrática se resumiria no essencial a aspectos formais. A amputação de direitos, de liberdades, de garantias, atingiria praticamente todas as vertentes da democracia: democracia política, democracia económica, democracia social e democracia cultural.

Militante - O CDS também já diz que nunca foi colonialista..

Carlos Carvalhas – Sim, mas no entanto mostra-se indignado por a Constituição ser anti-colonialista, o que é um sintoma. Mas as suas posições em relação às questões do aborto, as posições do PSD e as declarações de Durão Barroso e mesmo do Presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, de que a Constituição só passou a ser democrática em 82 mostram que, debaixo da capa da desideologização, o que hoje se pretende é uma Constituição ideologizada em termos da direita, para cobrir uma prática de direita, de intensificação da exploração e da redução de direitos.

Militante - Quando falam em eliminar a ideologia estão em campanha ideológica.

Carlos Carvalhas – Sim, a própria teoria da desideologização é uma ideologia.

Militante - Que tem os seus ideólogos, bem activos na campanha de denegrimento e descrédito da democracia, das lutas das organizações de classe e de massas, das próprias alternativas de poder. Como responder a esta campanha?

Carlos Carvalhas – Através da denúncia, da mobilização de todos os democratas, chamando a atenção para os perigos que ameaçam o regime conquistado com o 25 de Abril e através da luta de massas, da luta dos trabalhadores, da luta social, envolvendo as mais largas camadas possíveis da população. Não há outra solução.

Tentar combater esta grande ofensiva - esta ofensiva perigosa, que é mais nítida através das palavras de Alberto João Jardim, que fala mais grosso e diz de um forma mais alarve aquilo que os outros pretendem esconder, embora, na prática, o objectivo seja o mesmo.

Militante - Achas que a esquerda tem uma produção ideológica suficiente para dar resposta aos problemas do presente?

Carlos Carvalhas – Pode haver na esquerda alguma insuficiência de fundamento ideológico, mas o problema não é tanto a falta de produção ideológica, mas a falta de difusão junto das grandes massas. Já o outro dizia que uma mentira muitas vezes repetida acaba por aparecer como se verdade fosse e, tendo eles os grandes meios de comunicação social na mão, procuram atingir os seus objectivos com capas de justiça social, de grandes democratas. Aliás, quem ouve Bagão Félix pode ficar com a ideia de que estamos perante um homem muito preocupado com os pobres, com os mais desprotegidos, com a justiça social. Quando se ouve o ministro da Saúde pensa-se que ele está muito preocupado com os doentes, com os utentes e não com os Mellos. Bagão Félix também não diz estar preocupado com as seguradoras privadas, diz que está preocupado é com a justiça social. De facto, são os homens do grande capital, mas que agem como camaleões.

Militante - É óbvio que a conjuntura mundial influencia e alimenta uma situação fortemente negativa para as forças do progresso. Quais são os principais perigos da actual conjuntura internacional?

Carlos Carvalhas – Os maiores perigos residem na intervenção agressiva e global do imperialismo norte-americano, que, a pretexto do 11 de Setembro (como disse o actual Nobel da Paz) procura o domínio de todo o planeta. Passou algo despercebido que na aprovação do Orçamento da Defesa dos EUA para 2004, de uma forma discreta, há uma verba para a investigação e desenvolvimento de armas nucleares de fraca potência, o que significa uma alteração da doutrina militar dos Estados Unidos da América que, durante mais de 20 anos esteve proibida formalmente. O que eles pretendem agora, de uma forma assumida, é avançar no desenvolvimento de armas nucleares, como se fosse um outro explosivo qualquer e que poderão ser lançadas de avião, com uma potência de 1/3 da bomba de Hiroshima, a pretexto do combate ao terrorismo. Não nos podemos esquecer que a nova lei NSS (National Security Strategic) que é hoje a carta de Bush em relação ao armamento determina que os EUA tudo devem fazer para preservar a sua superioridade militar, incluindo a nuclear. É isto. É nesse sentido que eles estão a agir. E quando nós olhamos o que se tem passado recentemente, mesmo no Afeganistão com a morte de 8 crianças, depois mais 9 crianças, vemos que os Estados Unidos não olham a meios para atingir os seus fins, ou seja, o domínio planetário. E a arrogância com que o fazem!

Aliás, é esclarecedor o que se passa em Guantanamo, onde 660 presos continuam sem qualquer assistência jurídica, sem qualquer possibilidade de recurso. Ainda há poucas semanas saíram 20 cidadãos de Guantanamo e entraram outros 20, sem que os movimentos de solidariedade e a opinião pública saibam quem são. Não se sabe nem a sua identidade nem a nacionalidade. É o quero, posso e mando, passando por cima de qualquer norma jurídica de direito internacional.

Militante - Tudo isso é feito em nome do combate ao terrorismo. Mas não são dadas grandes hipóteses ao cidadão comum de separar o que é acção terrorista do que é resistência legítima.

Carlos Carvalhas – Há resistência e luta legítima que procura atingir o inimigo com o menor número de baixas na população – veja-se a acção da ARA no fascismo – e há o terrorismo que condenamos. Mas há também o terrorismo de estado mais disfarçado e sofisticado.

Militante - E mais eficaz?

Carlos Carvalhas – E mais eficaz – e é esse que é praticado pelos EUA. Quando um povo é ocupado, quando há uma ocupação de um Estado, quando um povo sente que a sua Pátria está ocupada, naturalmente resiste. E é isso que está a acontecer no Iraque. As dificuldades que os Estados Unidos estão a sentir levaram-nos a procurar mais apoios da ONU, mas conservando as rédeas do poder e sobretudo o domínio do Ministério do petróleo e dos poços de petróleo, enfim, de todo o negócio do petróleo. Mas, como não têm tido os apoios militares da Alemanha, da França, da China e da Rússia, decidiram de forma arrogante que na reconstrução do Iraque (como aliás já era sabido) as empresas desses países não vão entrar. Com a captura de Saddam a pressão dos EUA sobre aquelas potências será ainda maior.

Militante - O governo português tem alinhamentos mais ou menos claros numa série de questões, incluindo esta, a da guerra, mas também há novos desenvolvimentos no âmbito da NATO e da União Europeia. Quais são destes posi-cionamentos os que te parecem mais preocupantes, do ponto de vista interno?

Carlos Carvalhas – Do ponto de vista interno, acho que o alinhamento cego e subserviente em relação aos EUA é perigoso, porque este governo está sempre disponível para comprometer o país em qualquer aventura militar dos EUA. Em relação à Europa, é a posição clara de subserviência. Dobrando a coluna, pode ser que caiam algumas migalhas no prato do orçamento da União Europeia. Esta não é uma postura de dignidade, de firmeza, de defesa dos interesses nacionais e de uma Europa de paz e cooperação: é a postura de quem está sempre disponível para aceitar os ditames de uma construção europeia cada vez mais virada para os interesses das grandes potências e das multinacionais. Aquilo a que se assistiu na última Conferência Intergovernamental foi o espectáculo dos grandes a discutirem, a decidirem e os pequenos países a assistirem, sobretudo os pequenos países como Portugal. Há pequenos países que levantaram a sua voz, não foi o caso de Portugal. Chirac e Schroeder já não escondem que querem uma Constituição que estabeleça na prática um “Directório de grandes potências”. E depois há o Blair a telefonar ao Bush para saber se ele concorda com a construção de um quartel general na Europa. Isto demonstra como tudo está a ser desenhado e construído, para além das questões mais caricatas, como é o caso do actual presidente do Parlamento Europeu a dizer que para haver o empenhamento de todos os Estados é preciso garantir lugares a todos os Estados – tachos a todos – para todos ficarem satisfeitos. Ou como os dislates de Prodi ao afirmar que a própria Comissão devia intervir na escolha dos comissários, porque senão podia chegar-se ao cúmulo de todos os comissários serem… psiquiatras!

Militante - Achas que há possibilidades concretas de fazer frente a toda esta situação? – Se há forças bastantes para travar esta ofensiva no nosso país e a nível global? Sim, e se há medidas atractivas e mobilizadoras.

Carlos Carvalhas – Os ideais ainda estão muito fundo no coração das portuguesas e dos portugueses. E se uma boa parte da população já nasceu depois do 25 de Abril, a liberdade e a democracia são, para muitos, como o ar que se respira. Creio que é possível mobilizá-los em defesa destes direitos e destes valores e fazer frente a esta ofensiva, apesar das dificuldades e dos perigos. Para isso é preciso ter uma política muito aberta, combater quaisquer formas de sectarismo e procurar mobilizar todos os democratas, todos aqueles que, com naturais diferenças ideológicas e pertencendo a quadrantes diferentes têm como sua, uma base segura que é a Constituição da República Portuguesa, a defesa da liberdades, da democracia, e daquilo que alcançámos com o 25 de Abril.

Militante - O descontentamento generalizou-se, mas também parecem evidentes, em determinados sectores da sociedade, as dificuldades de compreensão das causas, de soluções, de alternativas e até uma certa descrença na política e na democracia. Como vencer esta apatia? Como dar tradução política ao descontentamento?

Carlos Carvalhas – As coisas não são fáceis. Há uma intensa produção ideológica de cariz desmobilizador com grande saída nos meios de comunicação social. Nós temos muito mais dificuldades em romper; depois, os cidadãos alimentaram esperanças, esperanças sucessivas em sucessivos rotativismos em que há sempre uma promessa, há sempre uma esperança que é vendida à população e esta acaba por ser defraudada, porque as promessas não são cumpridas, porque o que prometeram nas campanhas eleitorais rapidamente é esquecido, porque o poder político, nas questões mais fundamentais serve os interesses do capital financeiro e o próprio capital financeiro, os grandes interesses dos senhores do dinheiro; e tudo isto causa um grande descrédito, agravado pela tentativa que há, da parte da direita, de generalizar este descrédito para que as pessoas assimilem ou incutam que são todos iguais, que os partidos são todos iguais, o que querem todos é tacho, chegam lá e esquecem-se... E, contra nós, esgrimem igualmente todos os preconceitos anticomunistas. Não, esta luta não é fácil. A maior causa da abstenção, do desinteresse, da descrença que afectam sectores importantes da população é o facto de os seus problemas não serem resolvidos, de as questões se agravarem, de haver uma aceitação política, cada vez mais acentuada e tolerada, das desigualdades. Nós somos o país da União Europeia em que é maior o fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres e o que tem o mais baixo salário médio e as mais baixas pensões de reforma, e é isto que é necessário vencer. Mas toda esta política pretende que as populações fiquem sem acção, desmotivadas, para que não haja resistência. Da nossa parte tudo fazemos e faremos para que haja mobilização, para que haja consciencialização, para que os direitos se exerçam.

Militante - O Partido sempre deu uma grande importância à luta social, à acção de massas, para que a necessária alternativa tenha tradução no plano institucional. Mantém-se esse princípio?

Carlos Carvalhas – Naturalmente. Nós não pensamos que possa haver uma transformação, uma transformação social e transformação política sem a luta de massas. Sem envolver grandes massas no protesto e na luta por justas reivindicações imediatas e, mais à frente, uma maior compreensão política. E procurar, de uma forma dialéctica conjugar a intervenção institucional com a intervenção de massas.

Militante - E achas que existem bases para uma plataforma política de alternativa?

Carlos Carvalhas – Existir, existem. Agora o que é preciso é que haja vontade política. O PS continua na mesma postura. Aliás, já disse (com alguma distância em relação às legislativas, que para eles só são no fim do mandato) que queria o poder absoluto, a maioria absoluta e, como é evidente, só se encaminharão para uma política de esquerda se a correlação de forças à esquerda se alterar. Se a relação de forças se alterar, isto é, se nós reforçarmos as nossas posições em relação ao Partido Socialista e se toda a esquerda ficar com mais eleitos do que a direita, então há possibilidades de mudanças na política do Partido Socialista.

Podemos dizer sem arrogância, mas com verdade que o grau de viragem depende do grau do nosso reforço.

Militante - É costume invocar-se o exemplo da coligação em Lisboa para caucionar o desejo de uma aliança mais ampla…

Carlos Carvalhas – O Partido Socialista só se aliou aos comunistas na Câmara Municipal de Lisboa quando precisou, porque tinha necessidade, para vencer a direita, de se aliar ao Partido Comunista e às forças de esquerda.

No seu desejo de derrotar a direita, o povo, tão causticado por esta política, já vai dizendo e afirmando que este governo ainda é pior que o do Partido Socialista, o que é verdade. Nós não pensamos que o Partido Socialista seja igual ao PSD, mas sempre verificámos que em muitas questões essenciais e estruturantes, o PS seguia uma política que não se distinguiu de direita. Ora o que o povo nos diz muitas vezes, quando andamos pelo país, é: vocês precisavam de se juntar a eles, precisavam de se juntar para os derrotar, para tirar de lá aquele gajo, tirar de lá aqueles gajos, é assim a linguagem que se encontra aí nos mercados, nas feiras. O que é necessário é explicar, de uma forma didáctica. Mas sabe-se que quem explica está sempre numa posição pior que a do propagandista, porque precisa de um interlocutor que esteja pronto a ouvir e a pensar durante algum tempo...

É preciso explicar que os nossos eleitos contam sempre para derrotar a direita, que para derrotar a direita é preciso que os deputados ou os eleitos do PS e do PCP, os eleitos à esquerda de coligação governamental, sejam em maior número que os eleitos da direita. Para derrotar esta política e este governo é necessária uma política de esquerda, mas com uma exigência essencial: é preciso que, de facto, a correlação de forças entre nós e o Partido Socialista se altere para o obrigarmos a ter uma política diferente.

Há quem pense que o Partido Socialista, chegando ao poder, rectificará estas políticas, mas a experiência passada demonstra que não rectificou e acabará sempre por dizer que não é possível alterar, que a relação de forças não é suficiente e com mil e uma justificações mantém, no fundo, tudo aquilo que a direita já desbravou e, principalmente para alguns socialistas, é natural que essa intervenção política lhes convenha porque limpa o caminho para uma política mais neoliberal.

Vejamos um exemplo: no passado, o PS chegou a votar connosco o regresso da reforma das mulheres dos 65 para os 62 anos. Depois, chegou ao poder e perante o projecto-lei apresentado pelo PCP, com o mesmo sentido, acabou por dar o dito por não dito.

Para haver uma rectificação há que haver uma alteração na correlação de forças. Esta é a verdade, este é o caminho.

Militante - E na acção política concreta há algumas hipóteses de levar à prática aquela velha ideia da unidade de esquerda?

Carlos Carvalhas – Nós não perdemos nenhuma oportunidade para fazer convergir as forças democráticas, designadamente na Assembleia da República, procuramos que haja uma convergência para derrotar esta política, para ver se se consegue, aqui e ali, avançar com tal ou tal medida mais progressista, de maior justiça social.

Não perdemos nenhuma oportunidade, mas não tenhamos nem alimentemos ilusões: o que é preciso, repito, é que haja uma alteração da relação de forças à esquerda e que a direita seja colocada em minoria, porque se o Partido Socialista continuar a jogar nas ambiguidades e a ter uma relação de forças como tem, naturalmente que a sua política nas questões mais importantes não se vai diferenciar.

Militante - Há para aí a ideia de que o PCP é passado, deixou de ter hipóteses. Numa certa comunicação social, passa-se a ideia de que o Partido é um partido com morte anunciada, e por aí fora. Nesta contingência, qual vai ser o melhor caminho para a afirmação continuada do Partido?

Carlos Carvalhas – Pela iniciativa política, pela intervenção, pela coragem e pelas convicções com que defendemos os nossos pontos de vista e, sobretudo, pela proposta, o Partido deve apresentar-se sempre e cada vez mais como partido de crítica, de combate e de proposta. Um Partido de causas e convicções. Só através da iniciativa política, da intervenção é que nós podemos combater toda uma campanha ideológica que procura convencer os cidadãos de que este partido não tem um projecto, não tem propostas e que não tem influência na sociedade portuguesa.

Militante - Ainda nesta ordem de ideias, há muita gente de esquerda, eventualmente até dentro do Partido, que se interroga: não estaria na altura de o Partido se assumir radicalmente como alternativa?

Carlos Carvalhas – O Partido sempre teve uma política de unidade, sozinho não é alternativa e nós temos que ser realistas. Nós temos propostas, temos medidas que apresentamos, o Programa Eleitoral que apresentámos, temos um projecto a mais longo prazo, mas não basta uma afirmação radical de que somos alternativa, é necessário construir pontes e é ter em conta a correlação de forças sociais e políticas, que não se altera de um momento para o outro.

Uma coisa é – e temo-lo feito muitas vezes – afirmármos que somos a melhor alternativa de voto à esquerda. Mas outra coisa é pretender que possamos sózinhos assegurar uma maioria parlamentar e uma solução de governo.

Militante - Provavelmente está subjacente a estas interrogações não a ideia de alternativa de governo, mas a de ser assumidamente o grande partido de esquerda…

Carlos Carvalhas – Eu creio que o partido da esquerda, dos valores de esquerda, o partido consequente de esquerda, é o Partido Comunista Português. Nós não temos nenhuma prosápia, mas quando se olha para a realidade, os militantes comunistas estão em tudo o que há de mais progressista, de mais positivo: nas diversas lutas, nas diversas realizações, nas diversas propostas, em todas as esferas da sociedade.

E por isso somos o alvo principal do grande capital e das suas forças políticas. Este é um partido que mantém os mesmos ideais, que defende um outro caminho para a humanidade, o socialismo, sabendo que o capitalismo não é o fim da história.

Militante - Estamos à beira do 30º aniversário do 25 de Abril. Que referências entende o Partido destacar, para além do património histórico, tendo em vista o presente e sobretudo as novas gerações? Ou seja, de que formas manter viva a chama do 25 de Abril?

Carlos Carvalhas – Mais do que tendo uma intervenção paternalista, ouvindo os jovens, ouvindo as novas gerações e procurando também o diálogo com elas, chamando-lhes a atenção para tal ou tal aspecto, combatendo a reescrita da história, fazendo comparações, mas sobretudo ouvindo-as e procurando com elas aprender e procurando transmitir-lhes os nossos ideais, os nossos valores, e mostrando-lhes que a organização da sociedade podia ser diferente e melhor. Que o homem devia deixar de ser o lobo do outro homem, que a alienação não é inevitável, que uma sociedade fundada na exploração é uma sociedade que se encontra ainda na pré-história da humanidade e que é possível construir uma nova sociedade. Muitos jovens, que são generosos, têm também uma disposição para ouvir. Devemos aproveitar estes momentos históricos, estes momentos de celebração para divulgar as conquistas, os projectos que temos, mas sobretudo também para os ouvir.

Militante - Ainda voltava a questões mais de fundo em relação ao 25 de Abril, mas também em relação às próprias conquistas ligadas aos ideais do Partido. Parece-me que há um défice de análise e sobretudo de conhecimento público das grandes conquistas sociais, de civilização, obtidas nomeadamente ao longo do século XX.

Carlos Carvalhas – Hoje, como sabes, mesmo no plano da comunicação social há uma tendência para a fragmentação, para se passar de uma notícia para a outra, de um acontecimento para outro, o que leva a uma cada vez maior desestruturação de pensamento. Portanto, é muito mais difícil uma apreensão ideológica e uma apreensão da realidade por parte de muitos cidadãos. Eu creio que um dos grandes méritos do Partido Comunista ao longo da sua história tem sido a sua contribuição para a formação de uma consciência política e de classe em milhares e milhares de cidadãos, em milhares e milhares de trabalhadores e em milhares e milhares de seres humanos. É nesse sentido que nós também devemos procurar, através da celebração do 25 de Abril, ir ao fundo destas questões, debatê-las com grande seriedade, e profundidade, no sentido de procurar também que mais consciências despertem, e despertem para a luta e para a acção cívica.

Militante - Quando esta entrevista for publicada, estaremos no princípio do novo ano. Quais são os principais projectos e objectivos do Partido para 2004?

– Infelizmente não vai ser um ano fácil para a população portuguesa. Mesmo que haja algum crescimento económico vai ser necessário continuar a luta contra o desemprego, a precariedade, contra o ataque aos direitos sociais e políticos. Em termos económicos, na melhor das hipóteses, chegaremos ao fim de 2004 com o nível de produção que tínhamos em 2001, o que mostra a perda ao longo destes anos, e vamos andar até 2005, segundo as previsões oficiais, com uma produção sempre abaixo da média europeia, a divergir e a não convergir. Somos o país que ocupa a cauda da Europa. Um dos nossos grandes objectivos é, o mais depressa possível, derrotar esta política e este governo. Da nossa parte tudo faremos para que isso venha a acontecer. Sabemos que não estamos numa avenida, mas numa situação difícil de curva e contra-curva, mas se se desiste desse objectivo, então estamos a facilitar a vida a esta ofensiva da direita. Procuraremos mobilizar a opinião pública, os democratas, os trabalhadores, no sentido dessa grande exigência nacional, que é derrotar este governo e esta política. Para este objectivo é preciso o reforço do Partido, do ponto de vista da organização, do ponto de vista eleitoral, o impulso da sua iniciativa política, em ligação às massas, em ligação aos trabalhadores, em ligação aos trabalhadores nas empresas.

E temos esse grande combate eleitoral das eleições para o Parlamento Europeu, que devem ser consideradas eleições de todo o Partido, e em Outubro, as eleições nas Regiões Autónomas dos Açores e Madeira. Precisamos de uma grande mobilização e de ganhar a compreensão para a sua importância.


«O Militante» - N.º 268 Janeiro/ Fevereiro de 2004

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Partido da crítica atrasada!João Laveiras18:11:56 02/08/04 Sun
Como responder à pressão contrária?paulo fidalgo20:22:13 02/08/04 Sun


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