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Subject: Hipóteses de Reconfiguração das Indústrias do Estado


Author:
Le Monde Diplomatique
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Date Posted: 18:13:59 09/05/02 Thu

Hipóteses de Reconfiguração das Indústrias do Estado
Paulo Fidalgo, médico do Instituto Português de Oncologia

Frustrados os desejos de mudança, em Portugal e na Europa, a esquerda ensaia, embora com resistências, uma reconsideração de estratégias para retomar a iniciativa.

Na origem dos avanços da direita, ficou patente, do lado da socialdemocracia, a inclinação aos compromissos oportunistas. Do lado comunista, embora sem aquele doentio pragmatismo, ficou a noção da falta dos dispositivos tácticos, estratégicos e de análise crítica do capitalismo, que polarizassem o movimento popular e compensassem a falta de perspectivas da política rosa.

Porventura, o maior imobilismo da base militante anticapitalista esteve na sua orientação para o sector das indústrias estatais, as quais, apesar do ataque liberal-conservador, não cessam de mostrar vantagem económica e social, instinto de sobrevivência e tendência à expansão. Tenta-se, por isso, dar aqui conta de hipóteses de reconfiguração que estimulem a preparação de uma alternativa.

Indústrias do Estado: bengala ou rival do capitalismo?
Historicamente, o sector estatal, nasce como expediente externo do capitalismo para o apoiar e lhe permitir concentrar melhor nos negócios de elevada remuneração do capital. Não é demais citar a tese de David Himmelstein formulada a propósito da indústria de prestação de cuidados de saúde, mas fundamentalmente generalizável a outras indústrias estatais:

“o ponto de vista marxista sustenta que o impulso para o lucro e a expansão são os determinantes do desenvolvimento de qualquer indústria capitalista. Contudo, certas indústrias que não seriam viáveis num economia pura de mercado capitalista, são necessárias à boa operação e rendimento da economia capitalista em geral. Em tais casos, o governo, a que aliás Marx se referia como o “comité de gestão dos negócios comuns da burguesia” pode avançar e assegurar que tais prestações sejam erguidas pelo Estado. São exemplos vulgares desta estratégia, o sistema de estradas, os esgotos, o sistema de educação pública, etc.

A indústria da saúde, por exemplo, facilita o bom rendimento do capitalismo porque muitas doenças que ameaçam a produtividade da mão de obra podem ser curadas ou atenuadas. Citando Charles Eliot, um dos presidentes da Harvard Medical School do século XIX: “O objectivo da investigação em medicina é prevenir as perdas industriais por doença, e mesmo a morte, entres os trabalhadores e os animais domésticos”. A indústria da saúde é também importante para a manutenção da tranquilidade doméstica e a estabilidade social necessárias à produção e ao lucro; em termos marxistas este é o papel ideológico da medicina.”

Assistir o capitalismo com formações não capitalistas constitui, já por si, uma premonição dos seus limites históricos. É que, ao dar espaço a uma formação económica potencialmente alternativa, porque organizada em moldes não capitalistas, e mesmo que sujeita ao férreo controlo Estatal, pode ser jogo de azar que acabe por questionar o próprio capitalismo. Ao flutuar com a correlação de forças, pode o sector estatal, pela pressão popular, deslizar dos limites a ele impostos. Mesmo em períodos de marasmo histórico, a procura crescente dos seus produtos – que compete com os apoios ao capitalismo – e mutações tecnológicas geradoras de súbitas oportunidades de negócio, podem fazer o capitalismo colidir com as indústrias estatais.

É natural pois que, na óptica burguesa, o modo de produção Estatal não se oriente para acumular riqueza , arte dir-se-ia geneticamente reservada a capitalistas. O que interessa ao capitalismo é garantir tão-só, um output suficiente das indústrias estatais, a custos razoáveis! O capitalismo reage aliás sempre que sobem os custos da produção pública acima de um certo limiar. Compreende-se que se pode gerar assim um gradiente inverso ao pretendido: não servir a economia estatal a acumulação no sector capitalista, mas passar este a “subsidiar” aquela, pelo excesso de absorção de recursos.

Por não replicar os estímulos do capitalismo, aparenta a economia Estatal menos agilidade. Daí que o seu modo de produção e respectiva superestrutura, assentem em duas características definidoras: o assalariamento e a tutela estatal de contenção da produção nos estreitos limites convenientes à boa operação da economia capitalista.

Se, porventura, as forças produtivas das indústrias estatais progredirem ou as necessidades sociais aumentarem, surge então uma grave contradição com o assalariamento e com a tutela restritiva do Estado, os quais se tornam então em travão ao seu desenvolvimento, acabando necessariamente na reconfiguração qualitativa do sistema.

É uma evidência que, no que se refere ao Serviço Nacional de Saúde, esta é a contradição nuclear que opõe, naturalmente, os que apostam na expropriação das indústrias do Estado a favor do capitalismo, o que em nada favorece o aumento das forças produtivas, em oposição aos trabalhadores de saúde, que reclamam mais desenvolvimento das forças produtivas, mas jogando em relações de produção que libertem o desenvolvimento.

Se, em vez de parente pobre do capitalismo, as indústrias do Estado adoptassem um modo de produção que estimulasse a sua expansão, permitisse melhor situação material aos seus trabalhadores e satisfizesse as necessidades sociais, deixaria de ser então uma bengala do capitalismo, para se transformar no seu contrário: um ameaçador concorrente rumo a uma nova economia. Constituiria portanto uma evidência, de que pode afinal a economia ser eficiente sem precisar de capitalismo para nada.

É portanto no âmago do modo de produção das indústrias do Estado, onde pontifica a relação assalariada – e da sua superestrutura de tutela – que está a questão fulcral a responder e a revolucionar por quem milita por um novo mundo. Como foi pela primeira vez afirmado há mais de 150 anos , o assalariamento é a expressão da mais iníqua opressão da classe trabalhadora, pela usurpação do sobreproduto do trabalho e aviltante alienação que acarreta.

O modo de produzir em ambiente estatal é o fim da história?
Ao dizer-se que as relações de produção, no capitalismo e nas insdústrias estatais a ele subordinadas, são de tipo assalariado, estamos a afirmar que a mão de obra é fundamentalmente remunerada segundo um preço/salário que resulta, de acordo com a teoria do valor baseada no trabalho – a teoria de Karl Marx, do preço médio dos meios de vida necessários à manutenção e reprodução dessa mesma força de trabalho.

No processo de valorização do capital, a força de trabalho é uma mercadoria ou factor de produção cujo valor é achado de forma semelhante aos outros meios de produção, combustíveis, maquinaria, etc. Em abstratcto, ela vale em média o que custa a criar, manter e reproduzir, em termos de vestuário, habitação, escola, etc. Daqui decorre, portanto, que a remuneração, ajustada para a complexidade do trabalho (habilitações, talentos), nada tem que ver com o valor da produção realmente efectuada.

Gera tal dissociação o desinteresse do trabalhador para com o produto do seu trabalho, quer trabalhe em modo capitalista, quer em estatal. Significa isto que ninguém encara de bom grado trabalhar de graça para o patrão, logo que o valor do salário é alcançado pelo valor da produção obtida, nas primeiras horas da jornada de trabalho. Se um cardiologista, especialista em hemodinâmica cardíada, uma técnica sofisticada de medicina, ganha na função pública 2000 euros por mês e, se, um cateterismo vale no mercado 1000 euros, com uma duração média por exame de 30 minutos, ele vai concluir rapidamente que igualou, ao fim do alguns cateterismos, o valor do seu salário. Torna-se por isso num relutante produtor no resto do tempo a que está contratualmente obrigado.

Esta contradição é a chave para compreendermos como o comportamento produtivo é influenciado por quem controla a riqueza produzida. Para superar esta relutância é incontornável assumir-se um dos postulados chaves do movimento dos trabalhadores: a aspiração à reapropriação da riqueza usurpada pelo capitalismo ou pelo seu governo e respectivo braço de comando estatal.

Olhando o século XX, podemos dizer que a táctica dos trabalhadores tem sido muito recuada, a respeito das relações de produção, quer nas economias hegemonizadas pelo capitalismo, quer nas experiências socialistas. Com a excepção talvez das peculiares relações de produção na agricultura (P. Ex: reforma agrária) onde se aceitou o controlo laboral da riqueza, a industrialização estatal manteve, no essencial, o mesmo assalariamento do capitalismo.

Já Louis Althusser esgrimia aliás, contra a orientação de Estaline e do PCUS, por estes adoptarem o ponto de vista social-democrata, de afunilar no chamado crescimento extensivo das forças produtivas, congelando ao mesmo tempo as relações de produção, o factor dominante na dialéctica de expansão de uma formação económica. Tratava-se, pois, de um desvio tecnocrático, sustentador de um Estado “esclarecido”, face a uma classe operária menorizada na sua missão libertadora.

De acordo com a clássica equação de valorização do capital , o custo de produção de uma mercadoria (por exemplo os cuidados de saúde) difere, para menos, do valor com que essa mesma mercadoria é trocada no mercado. A razão para essa valorização do capital, deve-se a uma parcela, denominada mais-valia, que é para muitos misteriosa e que não vamos aqui analisar. Em capitalismo, a apropriação da parcela de valorização do capital é feita pelo detentor de capital, a ela opondo-se o trabalhador.

Se é compreensível o ciclo de valorização mercantil do capital, já tal não acontece, com a mesma facilidade, quando uma indústria é de tutela estatal e distribui a sua produção de forma não mercantil – isto é, não põe à venda os seus produtos. A indeterminação do valor em ambiente não mercantil, não quer contudo dizer que ele não influencie o comportamento de quem trabalha. Esta dificuldade de cálculo em ambiente estatal é ilustrada pelo orçamento geral do Estado. Sabemos com efeito quanto custa hoje o SNS ao país - cerca de 1250 milhões de contos/ano - mas não sabemos quanto vale sua produção anual pois tal informação só seria obtida se houvesse venda.

Para responder a esta dificuldade de cálculo imitam-se geralmente os preços do mercado capitalista. Contudo, nas indústrias estatais, mesmo esta simples imitação é muito incipiente, provavelmente porque não se lhes atribui vocação para valorizar o capital investido.

A inexistência de réguas de cálculo do valor da produção inviabiliza para já a evolução das relações de produção e uma aproximação à sua definição constitui, portanto, uma prioridade para os trabalhadores. Só assim se conseguirá, de resto, ligar a remuneração à produção, superar o salário e transformar num verdadeiro empreendimento a relutância com que os trabalhadores agora encaram a produção.

Serão os preços do mercado uma boa régua do valor?
A verdade porém é que a forma preço do mercado capitalista, desvia-se daquilo a que poderíamos chamar o “valor natural” dos bens. Múltiplos factores, como a procura ou o carácter inovador de um produto, afastam o preço do valor (de troca) e aí reside, de resto, parte da anarquia da economia capitalista.

Se as indústrias estatais visam satisfazer necessidades de uma forma não mercantil porque se conseguirá assim, em princípio, maior racionalidade na distribuição, então, perder-se-á essa suposta vantagem com a rendição ao preço mercantil. Será no fundo deixar as taras do mercado entrarem pelas traseiras quando o que procurámos foi livrarmo-nos delas. No caso da saúde, certas especialidades médicas seriam assim especulativamente hipervalorizadas pois acedem a preços mais altos, precisamente pelas tais aberrações mercantis. A verdade é que, ao contrário do que dizem os seus defensores, o mercado não é uma boa forma de medir o valor.

A economia política moderna sempre radicou a origem do valor (de troca) nos tempos de trabalho, socialmente médios, necessários à produção de um determinado bem. Nesta teoria, um grama de ouro troca-se por uma tonelada de algodão, porque o tempo de trabalho gasto para o extrair nas minas de Johannesburgo é, basicamente, o mesmo que o de um pelotão de trabalhadores nos campos de algodão da Geórgia. A análise abstracta do valor em ambiente não mercantil, deverá, em princípio, respeitar este postulado básico.

Uma forma portanto de equivaler a uma regra de tempos, toda a diversidade de actos praticados nas indústiras estatais é a de reduzi-los a tempos médios socialmente aceitáveis de execução. Significaria isto que um exame hemodinâmico cardíaco valeria 30 minutos de trabalho especializado, o mesmo por exemplo que os 30 minutos de uma ressecção do apêndice ou o de duas consultas de clínica geral. Esta régua servirá para determinar a norma de trabalho a negociar para a jornada normal de trabalho, permitindo igualar, no fundamental, os trabalhadores, independentemente do seu saber.

Podemos portanto imaginar uma dupla remuneração em que, para a duração basal da jornada de trabalho, se ajustam produções segundo uma tabela de tempos a troco de uma remuneração de tipo salarial. Quantifica-se deste modo o conteúdo produtivo do tempo de trabalho, factor crucial na definição de metas. Caberiam neste regime estímulos ao bom cumprimento do contratado. Para períodos suplementares de trabalho, onde se procurem respostas a necessidades especiais, adoptar-se-ia uma imitação de preços mercantis, entrando claramente na esfera do sobre-produto. O controlo laboral do sobre-produto deveria exprimir-se ainda pela autonomia das empresas quanto a saldos de exploração.

Rodeada por um ambiente capitalista, deve uma economia não mercantil procurar as sua específica valorização. Não pode ignorar o mercado capitalista, mas não deve render-se totalmente ao seu efeito, uma vez que ambiciona uma racionalidade alternativa.

E o socialismo?
Sem valorização da produção – com base nos preços mercantis e/ou nos tempos de trabalho, não é possível, como se disse, edificar um novo modo de produção motivador de um radical incremento produtivo.

Contudo, novas superestruturas deverão corresponder às novas relações de produção onde a reapropriação pelos trabalhadores, da parcela valorizada da produção, questiona o Estado e o governo. Ao fazê-lo, suscitam-se novas prespectivas em relação à transição do capitalismo para o socialismo e, logicamente, às necessárias mudanças na esfera política, mas que não podem aqui ser desenvolvidas.

Ensaiam-se já hoje embrionários assaltos à fortaleza do trabalho assalariado como procuraram ser, na saúde, o sistema remuneratório experimental da clínica geral e os Centros de Responsabilidade e Custo nos hospitais.

Colocar na agenda política a reclamação de novas retribuições apontadas a um novo figurino das relações de produção é ajudar a edificar um movimento radical de reconfiguração das próprias indústrias do Estado, não deixando contudo de estar profundamente ancorado nos interesses imediatos dos seus trabalhadores e ajudar a torná-las numa alavanca de progresso.

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Subject Author Date
InintelegívelTOLENTINO23:30:41 09/05/02 Thu


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