Author:
Alexandre Ulianov
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Date Posted: 17:18:06 09/05/02 Thu
Esquerda de Outono
Muito se tem escrito sobre um hipotético namoro entre o PS e o BE que pudesse desembocar em casamento. A ideia tinha as cores do Verão, mas convém não simplificar, agora que se entra num Outono quente, que vai exigir a convergência entre as diferentes esquerdas sociais e políticas.
1 - O que move os dirigentes socialistas que recentemente fizeram textos e declarações sugerindo o namoro, é a sua vontade de regresso ao poder. Essa é, para eles, a questão da política. É no universo dessa política enquanto exercício do poder político que se movem e não conhecem outro. Eles suspeitam, simplesmente, que talvez não regressem tão cedo ao Governo se o fizerem sozinhos. E começam a entender que o Bloco veio para ficar, que não é passageiro na esquerda portuguesa. Somadas as suspeitas, a conclusão é óbvia: os votos dos bloquistas fazem falta ao objectivo do PS.
2 - Acontece que este não é o universo das preocupações bloquistas. O que move o Bloco - e determina, entre outras coisas, a relação com o PS - é a formação de um bloco social e político de oposição, que seja portador de um projecto de sociedade em ruptura com a actual expressão imperial da globalização e represente uma real alternativa para o País, no contexto europeu. A diferença de objectivos e modos é qualitativa. Onde a rosa acentua o regresso ao poder, os bloquistas orientam a sua acção para a construção de contra-poderes na sociedade, que possam inscrever o futuro no presente. Onde a rosa insiste sobre a governabilidade, aceitando os fundamentos da ordem que a rege, os bloquistas partem da sua crítica para o programa de reformas fortes de que o País precisa, se quiser romper com as injustiças de um desenvolvimento periférico e pato-bravista. Nada disto impede acordos importantes sobre os direitos que sejam aquisições da nossa democracia. Nem ilude a questão - a que regressarei noutra ocasião - de saber como derrotar a direita de Governo nas urnas. Mas não se pense que a diferença é secundária.
3 - Vale a pena traduzi-la em grandes opções. Na mais benigna das hipóteses, o de um "guterrismo melhorado", o PS gostaria de distribuir um pouco melhor a riqueza sem pôr em causa o Pacto de Estabilidade da União Europeia. O Bloco, pelo contrário, não equaciona a governabilidade sobre o colete de forças que condena o País a resolver a crise económica com mais crise. Não é desinteresse pelo poder, muito menos cultura política que se esgota na oposição. Representa, tão somente, um distinto modo de ler a política e o poder. Recusando o colete de forças, o Bloco fica livre para ajudar o movimento por uma outra Europa, a que se dote de políticas públicas e fiscais que relancem a economia e evitem que o custo da recessão seja o desemprego, a generalização da precarização e a quebra de qualidade nos serviços. Essa é a Europa que luta.
Para a rosa, o centro da política é o próprio jogo político-institucional e instrumental, é a conflitualidade social. Para o Bloco, a aposta política faz-se nas dinâmicas e movimentos não governamentais, na sociedade que mexe, e a dimensão partidária e institucional é a que procura traduzir em projecto esses grãos de futuro que o presente transporta consigo.
4 - A direcção socialista tem sido favorável aos alinhamentos de uma Europa raptada pelos Estados Unidos. O triângulo de nova direita que actualmente dirige a UE tem o seu expoente em Tony Blair. O programa é o do suicídio da Europa nas guerras dos EUA - vejam-se as declarações de Blair sobre a guerra com o Iraque. O programa é, também, o proteccionismo dos bens dos países ricos que condena o subdesenvolvimento à eternidade - e aí está o comportamento da UE na última cimeira da Terra para o provar. O programa é, ainda, a desregulamentação radical dos mercados, a começar pelo do trabalho - e a versão portuguesa aí está, terrível na nudez com que evidencia a vontade do capital se libertar das suas obrigações com o trabalho. E o programa é, finalmente, a mercadorização de todos os serviços públicos, destruindo o Contrato Social, que sedimentou a própria social-democracia na Europa. Por causa desta Europa raptada, perderam os socialistas as últimas eleições.
Por cá e por lá.
Pelo contrário, a nova esquerda investe as suas energias no desenvolvimento, também em Portugal, de um "movimento de movimentos", que é hoje global e europeu e coloca a exigência de uma ruptura com a aventura que condena a Europa ao suicídio político e à regressão social e civilizacional. Há, portanto, muito caminho e debate a fazer. O tempo não é de casamentos.
5 - É de encontros em contexto de luta. É a polarização dos conflitos sociais e civilizacionais que fará a verdadeira prova, na sociedade, dos realinhamentos políticos e de proposta à esquerda. Suspeito que se enganam os que pensam que, no fim, a conflitualidade que isolará a direita de Governo cairá em peso no voto útil. Pelo contrário, a polarização polariza a política. À esquerda, polarizar-se-á em quem souber interpretar o combate em sociedades complexas, onde as diferentes causas e experiências convirjam num programa de civilização que ultrapasse as fronteiras das políticas redistributivas. Acabou o tempo em que a esquerda corria para o centro. Anunciam-se os tempos em que o centro, para sobreviver, terá que caminhar em direcção à esquerda. Para isso, convenhamos, "guterrismo melhorado" não chega.
mportas@netcabo.pt
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